Anderson Santos (editor) & Dijair Brilhantes
Uma aula aos nossos congressistas
Após a Copa do Mundo de 1998, o Congresso Brasileiro foi palco da CPI da Nike/Futebol. O intuito era dissecar as relações político-econômicas indicadas no esporte mais querido dos brasileiros a partir do contrato com a empresa de material esportivo.
Dez anos depois, não só continuamos com Ricardo Teixeira – o homem que c… montão para as críticas – no comando da CBF, como ele está sentado no baú de ouro, como presidente do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo FIFA 2014. Enquanto isso, congressistas tentam mostrar trabalho. Em favor de quem?
Três processos, dois na Polícia Federal e um na Civil do Distrito Federal, foram reabertos recentemente – quinta-feira passada (03), R.T. prestou depoimento à PF do Rio de Janeiro. Em compensação, o ex-algoz Agnelo Queiroz (PCdoB), que presidiu a CPI e teve livro sobre o assunto proibido de circular, assumiu o Ministério do Esporte com direito a “boas-vindas” oficiais da entidade. A “oposição” a ele não virá por aí…
Na Câmara dos Deputados há uma Comissão que analisa a Lei Geral da Copa, motivo de rusgas entre Governo federal e FIFA, com destaque para atuação de Romário (PSB). Numa semana, o “Baixinho” criticou à iniciativa de “dar totais poderes a uma entidade marcada por denúncias de corrupção” e que nomeou um homem que responde a três processos para comandar os gastos de um evento do porte da Copa do Mundo. Além de “intimidar” a dupla Jérôme Valcke – Ricardo Teixeira com perguntas sobre as denúncias contra ambos.
A audiência da semana passada na Câmara teve como ponto central de discussão os direitos dos torcedores enquanto torcedores. Vale lembrar que o Estatuto do Torcedor, assim como o Estatuto do Idoso, é uma lei federal e está sendo amplamente desconsiderado pelo caráter “diferenciado” do evento.
Já a reunião de ontem (08), pareceu marcada como uma forma de as entidades privadas pressionarem o Estado para cumprir o “contrato” da Copa. Apesar das perguntas dos deputados Romário e Anthony Garotinho (PDT-DF), ficou claro por quem a comanda o interesse em deixar CBF e FIFA à vontade.
Presidida por Renan Filho (PMDB/AL) – cujo nome e Estado de origem indicam a origem genealógica –, o “Baixinho” disse que aquilo parecia um circo, já que ninguém respondia às suas perguntas, feitas em menos tempo que o necessário. Renan fez questão de avisar aos “convidados” que eles não eram obrigados a responder perguntas que não tivessem ligação com a Lei Geral da Copa.
Secretário-geral da FIFA, Valcke não respondeu se ele, suposto responsável por danos à entidade da ordem de US$ 90 milhões por autorizar a quebra de contrato com empresa de cartão de crédito, dava “medo” à turma de Blatter. Porém, aproveitou para “brincar”, ao dizer que Romário mantinha o faro de “artilheiro”.
Horas depois, o deputado deu entrevista à ESPN Brasil escancarando as relações na Casa, ao dizer que não teria se surpreendido com as atitudes de seus colegas, muitos dos quais teriam tido as campanhas eleitorais pagas pela CBF e suas parceiras.
Já no Senado…
No Senado, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte ouviu no dia 26 o “inimigo número 1” de Havelange, Blatter e “Mr. Teixeira”, o jornalista Andrew Jennings, que deu uma aula sobre o caso aos parlamentares, incluindo como eles deveriam agir sobre.
Afinal, esta comissão não tem ninguém com experiência, não é mesmo? Álvaro Dias (PSDB/PR) participou da CPI Nike; Cristóvam Buarque (PDT/DF) foi ministro na primeira gestão petista; Roberto Requião (PMDB/PA) – polêmicas com jornalistas e mamonas à parte – preside a CE, onde, em abril, chegou a sugerir a criação de uma legislação sobre a contratualização dos direitos de transmissão esportivos no país.
Ainda assim, foi necessário que o grande jornalistas inglês viesse ao Brasil para falar algo que já disse várias e várias vezes, seja em entrevistas, em reportagens para a BBC e no livro “Jogo sujo: o mundo secreto da FIFA”. Vai ver que é mais fácil que conseguir a vinda de Teixeira, Blatter e seu escudeiro Jérôme Valcke venham dizer coisas que ninguém ouviu.
Voltando a Jennings, ele reafirmou a denúncia do programa “Panorama”, que o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e do Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo FIFA 2014 recebeu cerca de US$ 9,5 milhões (R$ 16,7 milhões) de suborno da empresa de marketing esportivo International Sports and Leisure (ISL). Seu ex-sogro, João Havelange, teria ficado com US$ 1 milhão. Ambos teriam tido que devolver essa vultosa quantia à Justiça Suíça.
Relembrando, o parecer foi feito em cima de documentos que o jornalista teve acesso – e pelo qual briga para que seja divulgado publicamente. Segundo o repórter, o desvio que deu fim a uma empresa que movimentava cerca de US$ 2 bilhões por ano em direitos de comercialização de tudo registrado pela FIFA, teria sido arquitetado pelo trio Havelange-Teixeira-Blatter.
A empresa é conhecida de grandes clubes brasileiros. Em 2000, a ISL fez uma estranha parceria com Grêmio e Flamengo, investindo milhões de dólares. No ano seguinte decretou falência, deixando ambos os clubes com dividas astronômicas.
Crime organizado
Para Andrew Jennings, a FIFA possui todos os requisitos para ser enquadrada como uma quadrilha de crime organizado. Para ele, a Copa do Mundo FIFA 2014, a ser realizada no Brasil, poderá ficar marcada por escândalos envolvendo Teixeira, Havelange e Blatter.
Sobre o homem que comanda o futebol do país há mais de duas décadas, ele é bem claro sobre, utilizando uma comparação bem interessante com o que se dá dentro de campo: “Todo mundo ouviu falar do Pelé, do Romário, do Ronaldinho… Agora, o Ricardo Teixeira é comentado em todas as casas e isso não é bom para o Brasil. Vocês sabem disso. São os seus policiais que estão investigando o Teixeira, não sou eu. Estamos vendo criminosos, estamos vendo criminalidade no Brasil”.
Jennings não poupou da ironia para “explicar” a nossos senadores a situação: “É o momento de vocês dizerem à FIFA: ’vocês fedem, vocês fedem. […] Não queremos que a nossa presidente seja fotografada com esses criminosos. Que animal é esse a FIFA, que animal é esse?”
Para ele, toda a pressão da entidade para que se cumpra o contrato assinado pelo então preside Lula em 2007, mesmo que infrinja leis brasileiras, é inócua, já que ela jamais teria a ousadia de tirar o evento da maior nação de futebol do mundo.
Jennings ainda explicou o maior problema e o principal motivo de o Brasil ser escolhido como sede do evento em 2014. Blatter teria “dado” a Copa a Teixeira em troca do apoio do presidente da CBF em sua reeleição na FIFA. Assim, poderia “roubar nos contratos”.
Além disso, explica que há um forte esquema de empreiteiros sobre o assunto – como tratamos na coluna passada sobre o caso da reforma do Beira-Rio não “poder” ser por conta própria. O suposto esquema se daria assim: “Eles têm que diminuir o ritmo de construção dos estádios e vai ficar mais caro e aí quando eles receberam a bolsa dos cidadãos abertos desse jeito aí eles constroem. Não sei por que vocês devem ser abusados dessa forma”.
Para o jornalista inglês, ainda há tempo para evitar que se manche a reputação do Brasil como foi feito com a África do Sul. Porém, a vontade tem que vir dos brasileiros em mudar a situação, não cabendo a um estrangeiro nos dizer como fazer isso. Numa das colocações retóricas, e das mais interessantes, ele pediu aos senadores: “Por favor, olhem-me nos olhos e digam que não há nenhum suborno nem propina acontecendo para a construção dos estádios”.
Poucos senadores, ao final da audiência, propuseram coisas para além de uma preocupação sobre o assunto. Os senadores gaúchos Pedro Simon (PMDB) e Ana Amélia (PP), por exemplo, pediram que Jennings encaminhasse as denúncias à presidenta Dilma – cá entre nós, por que não eles?
O único a mostrar algo de concreto foi senador Mário Couto (PSDB-PA) – o mesmo que discutiu com Marta Suplicy (PT) na tribuna em fevereiro. Couto foi ao encontro do que disse o jornalista e chegou a dizer que o próximo a cair será Ricardo Teixeira, ou o “mundo inteiro vai nos criticar”, pois este seria um dos maiores ladrões da pátria. Ele tentará criar uma CPI para investigar Teixeira – boa sorte na tentativa.
Superação de crise
O anúncio da semana não foi colocado. Após “prever” a queda do ministro Orlando Silva, parece que Governo e FIFA estão entrando nos trilhos. A promessa é que o acordo seja finalizado nos próximos dias, com a aceitação da meia-entrada para os idosos, mas jamais para os estudantes – alguém lembra a juventude de qual partido que “domina” há décadas a União Nacional dos Estudantes?
Jérôme Valcke afirmou que a FIFA até poderá propor ingressos “populares”, na categoria 4, entre R$ 34,50 e R$ 50,90 para os jogos da primeira fase – afinal, já viu pobre em festas para a elite? Mas não deixou de “ameaçar” o Governo federal, ao afirmar que num confronto com a entidade não haverá vencedores: “O Brasil não vencerá a FIFA”. Se a entidade fez muitas concessões, o país terá que fazer o mesmo.
Um inglês dando aulas sobre como combater a corrupção no Brasil, enquanto um francês intimida a nação com as suas explicações de que os mais poderosos são os mais fortes. Espera aí, as nossas desigualdades sociais já não nos apresentam tal realidade, independente de Copa do Mundo?