Este artigo trata da definição de História local e de Micro-História. procura-se conhecer a genese destas modalidades historiograficas, seus encontros e desencontros.

Por Anderson Romário Pereira Corrêa

O objetivo deste trabalho é identificar o que há de comum e o que há de diferente entre a História Local e a Micro-História. O termo História Local muitas vezes aparece na historiografia como sinônimo de História Regional. Percebe-se que a única diferença é no “recorte geográfico”, ou seja, na escala (Regional/local). Embora seja possível encontrar uma farta bibliografia sobre o assunto, essas abordagens historiográficas geram uma série de confusões. Este artigo foi elaborado para o encontro que teve por título “II jornada de Estudos Genealógicos; IV Seminário de História e Geografia e Encontro dos IHGs/RS” que aconteceu em Pelotas – RS, entre os dias 26, 27 e 28 de abril de 2012, promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico de Pelotas. Sabe-se que os Institutos Históricos e Geográficos trabalham com História Local/Regional – dessa forma, pretende-se contribuir no debate metodológico das práticas de pesquisa dos membros dos IHGs.
Segundo José D’Assunção Barros, a Micro-História e a História Regional são “abordagens”, ou seja, enfoques ou modos de fazer. (Barros, 2004, p.132s.) Portanto, é um assunto que trata da metodologia da historiografia. Embora o foco deste modesto trabalho sejam os encontros e desencontros da História Local e da Micro-História, é necessário para compreender essas abordagens, conhecer o contexto de onde essa historiografia emergiu. Em seguida, definir o que cada um desses termos – História Local e Micro-História– significam – com uma abordagem que enfatiza a construção processual dessas práticas de pesquisa. .As fontes são bibliográficas e artigos digitalizados na internet. Os autores de fontes bibliográficas são todos reconhecidos como “autoridades” no campo da historiografia. Em relação aos autores de materiais na internet, procurou-se conhecer a trajetória de pesquisa dos mesmos e a coerência argumentativa de suas produções. É importante destacar que a análise que se propõe fazer é desde um ponto de vista “cientifico”.

1. Contextualização

A História Local (nova) e a Micro-História começam a ser construídas entre os anos de 1950 e 1980. O que estava acontecendo em termos historiográficos neste período em que “aparecem” novas abordagens de História Local (na Inglaterra, França e Itália) e a Micro-História? Busca-se descrever a conjuntura historiográfica da França, berço da Escola dos Annales, que influenciou a historiografia ocidental no final do século XX, inclusive a historiografia brasileira.
A partir da década de 1950, ganham força na Europa as teses “Pós-Modernas”, que fazem sérias críticas ao modelo Iluminista. As ideias pós-modernas são as ideias estruturalistas, mais especificamente o pós-estruturalismo. A História Iluminista (moderna) é dominada pelos conceitos de sistema, totalidade e universal. O iluminismo busca um conhecimento universal fundamentado na razão. (Reis, 2007, p.68s) O estruturalismo ainda subordina o conhecimento à razão; porém, acredita que não existe um sentido teleológico no devir histórico (a história não possui unidade, sentido e nem direção). Os estruturalistas tendem ainda a generalizações ou buscam a totalização – o universal. (Idem, p.72) Na segunda fase do estruturalismo, o pós-estruturalismo – seus seguidores abandonam totalmente o projeto moderno e iluminista, desconfiam da razão; para eles, o universal não é pensável e não sonham mais com a unificação. Segundo José Carlos Reis, na historiografia, pode-se observar que: “O conhecimento histórico pós-estruturalista aborda um mundo humano parcial, limitado, descentralizado, em migalhas. Aparece um olhar em migalhas, assimétrico, antiestrutural, antiglobal, curioso de fatos e indivíduos.” Em termos historiográficos: “Não se busca mais o absoluto e não se quer mais produzir uma obra de valor universal.” (Reis, 2007, p.73)
José Carlos Reis dividiu a historiografia dos Annales em três fases ou gerações: a primeira vai de 1929 a 1946; a segunda vai de 1946 a 1968; e a terceira fase, de 1968 a 1988. (Reis, 2000, p.06). Ele afirma que, na segunda geração, de Braudel, ainda que, sob influência do estruturalismo, pensava-se em uma história global. A geração de Braudel esperava uma integração estrutural de estruturas desarticuladas em ritmos, tempos e espaços diferentes. (Ibidem, p.79s). A terceira geração dos Annales pode ser classificada como pós-estruturalista, mas de forma impura. É essa geração que, influenciada pela antropologia, vai preferir “mundos históricos micro”. (Ibidem, p.80)
E, no Brasil, o que estava acontecendo no campo da historiografia? Segundo Marcos Lobato Martins, a partir da década de 1940 já existiam vários cursos de História pelo país. O controle da produção historiográfica foi, aos poucos, saindo das mãos dos Institutos Históricos e caindo nas mãos das Universidades. As Universidades paulatinamente foram formando grupos de autores especializados e profissionais. O amadorismo e beletrismo perderam terreno. No Brasil, entre os anos de 1930 e 1950 a historiografia acadêmica desenvolveu praticamente grandes sínteses e “macroabordagens” de “interpretações do Brasil”. (Martins, s.d, p.08)
Na década de 1970, houve um embaralhamento das relações entre o regional e o nacional. As pesquisas, principalmente da USP, generalizavam para todo Brasil as características elucidadas pelas pesquisas sobre o estado de São Paulo ou sobre a região sudeste. Foi o que ficou conhecido como o “Modelo Paulista”. (Martins, s.d, p.13)
Da década de 1980 até os dias de hoje, houve uma disseminação nos cursos de graduação e de pós-graduação em História. Essa disseminação dos cursos de formação de profissionais da História proporcionou uma “onda” de interesses para a história regional e local. A pesquisa histórica passou a preocupar-se com a história amiúde, com a história local. (Martins, s.d, p.18)
Em síntese, para o caso brasileiro podemos dizer que, tanto no aspecto epistemológico (teórico e metodológico), quanto no aspecto da difusão e proliferação de cursos de graduação e pós-graduação, são aspectos importantes para serem levados em conta para a análise sobre o interesse pela História Regional/Local e a Micro-História.

2. Definição de História Local

A História Local sofreu mudanças metodológicas significativas nos últimos 50 anos. Sendo assim é possível falar em uma “história Local tradicional” e uma “história local nova”. É importante ressaltar, mais uma vez, que a história local geralmente é abordada como sinônimo de História regional. Para esta última, também é valida a divisão de uma metodologia “tradicional” e de novas metodologias.

2.1 A História Local Tradicional

Para abordar a História Local Tradicional, suas características, apresentam-se duas notas falando desta historiografia na França e na Itália, detendo-se mais um pouco sobre o caso brasileiro.
A História Regional, segundo Peter Burke, era deixada antigamente aos antiquários amadores. Ele explica quem eram os antiquários e, inclusive, seu papel político no século XVII – que ao contestarem a história da Realeza e defendendo as histórias regionais defendiam maior poder ao parlamento. (Burke, 1992, p.07) Segundo Henrique Espada Lima (2006: 29), na Itália, antes de 1950, os estudos de “história local” eram conhecidos como “erudição de províncias”, muito semelhante a Crônicas – uma “história menor”.
No livro “História e Estudos Regionais”, Marcos Lobato Martins inventariou as configurações que os estudos regionais assumiram na trajetória da historiografia do Brasil. Segundo o autor, durante o Século XIX e praticamente a metade do Século XX, boa parte dos estudos de história regional e local foi feitos fora dos ambientes acadêmicos (Universidades). Viveu-se, segundo o autor, o auge das corografias. Marcos Lobato Martins define o que são as corografias: “(…) são as descrições geográficas de regiões e localidades associadas ao relato de fatos históricos destacados nelas ocorridos.” (MARTINS, s.d; 02) Essas corografias foram incentivadas, em grande parte, pelos Institutos Históricos e Geográficos, e os corógrafos eram geralmente membros efetivos ou correspondentes dos Institutos Históricos (do Brasil ou os de cada Província/Estado e localidade). As corografias tomavam como fundamento decisivo o espaço e não o tempo. A relação entre as “escalas” do nacional, regional e local é reduzida a descrição dos impactos dos acontecimentos da historiografia nacional nas regiões e localidades. Outra característica das corografias, segundo o autor: “(…) eram recheadas de uma história apoteótica, laudatória, antes de tudo um exercício de exaltação dos feitos das elites regionais e locais.” (MARTINS, s.d, p.03)
Segundo Marcos Lobato Martins, na virada do século XIX para o século XX, existiu um padrão, um estereótipo de corografias, que, para o autor, tinham as seguintes características:
“Consistiam de descrições fisiográficas das regiões ou localidades, nas quais os autores elaboravam exposições da flora e da fauna e inventários dos recursos naturais. Em seguida, havia relatos, muitas vezes pormenorizados, da produção econômica, do comércio e dos serviços. Finalmente, os autores das corografias elaboravam efemérides e pequenas biografias de pessoas destacadas da história regional ou local.” (MARTINS, s.d, 03)

Martins afirma que, no período de 1830 a 1930, as corografias dividiram espaço com as memórias. Estas últimas (as memórias) combinam descrição de aspectos da tradição, dos costumes e textos autobiográficos. (Martins, s.d,p.04)
Ainda de acordo com Marcos Lobato Martins, as corografias foram as formas tradicionais mais recorrentes de historiografia, porém destaca que existiam exceções como os casos citados por ele de José de Alcântara Machado de Oliveira – autor da obra Vida e Morte do Bandeirante, publicada em 1929, e de Capistrano de Abreu, autor de Caminhos antigos e povoamento do Brasil (1889) e de Capítulos de história Colonial, de 1907 – que são obras pioneiras da história social no Brasil. (Martins, s.d, p.06)
Luís Resnik escreve que, no Brasil, o estudo sobre regiões ou localidades específicas remonta ao século XIX. O pesquisador encontrou duas tendências para os estudos históricos sobre espaços locais na região de São Gonçalo (RJ). A primeira característica é a submissão dos temas e dos ritmos das historiografias locais aos ritmos e temas da historiografia do Brasil: “Ou seja, a experiência do passado local transforma-se em exemplos esparsos em meio a uma narrativa já consolidada pela historiografia nacional”.(Resnik, s.d, p.02) A segunda tendência desses estudos, segundo Luís Resnik, é a colocação em evidência dos acontecimentos das localidades, como se ali fossem experimentados fatos da mais alta relevância. São produções de caráter ufanista. (Ibidem)

2.2 História Local Nova

Entre 1950 e 1970, na Inglaterra, França e Itália, iniciou-se uma renovação metodológica nas práticas historiográficas sobre as regiões e localidades. Essas mudanças de metodologia vinham das Universidades. Peter Burke, ao escrever sobre a história local e regional, destaca que:
“Na década de 50, o ressurgimento da história regional na França tem um paralelo no ressurgimento da história local na Inglaterra, vinculada à escola de W.G. Hoskins, um discípulo de Tawney, cujos livros incluem um estudo da construção da paisagem inglesa e uma história socioeconômica, na longa duração (…)” (Burke, 2010, p.138)

Henrique Espada Lima aponta que a referência da nova história local (designada, aqui, por História local Nova) na Itália – em termos metodológicos – é a História Regional francesa. Assim escreve Espada Lima: “Esses estudos locais (…) traduziam de certo modo os estudos monográficos regionais que os seguidores de Braudel estavam desenvolvendo na França naquele período.” (Espada Lima, 2006, p.41)
Faz-se necessário destacar alguns dos principais estudos Regionais e locais desenvolvidos na França pela Escola dos Annales na década de 1960:
“(…) Catalunha de Pierre Vilar, Languedoc de Emmanuel Le Roy Ladurie, Provence de Michel Vovelle. Demangeon escreveu sobre a picardia, Sion sobre a Normandia, de Maurice Agulhon sobre Provença, de Pierre Deyon sobre Amiens, de AdelineDaumard sobre a burguesia parisiense, de Georgelin sobre Veneza e de J. Nicolas sobre a Savoia.”(Burke, 2010.p.80.)

Ainda de acordo com Peter Burke, nesse período, houve um bom número de monografias sobre cidades modernas e sobre cidades mediterrâneas. (Burke, 2010,p.80) Mais adiante, na mesma pagina, Burke descreve as características metodológicas da “nova” História Local:
“Esses estudos locais, urbanos e rurais, têm grande semelhança, formando como que um grupo familiar. Quase sempre são divididos em duas partes, estruturas e conjunturas, e se fundamentam em fontes que possibilitam dados bastante homogêneos, do tipo que permite serem arrolados em séries de longa duração (…)” (Burke, 2010, p.80.)
As características dos estudos regionais desse grupo eram: iniciava-se com pela geografia da região, descrevia-se em seguida a estrutura econômica, social e mental e concluía-se com uma analise das atitudes políticas e com um balanço das transformações no tempo. (Burke, 2010, p.81) Destacam-se os métodos científicos produzidos pelas universidades que fazem parte da História Local a partir de 1960: “(…) os estudos regionais combinam estruturas braudelianas, a conjuntura de Labrouse e a nova demografia histórica.” (Burke, 2010,p.80.)
Cabe destacar a definição de História Regional feita por José D’Assumção Barros:
“Quando um historiador se propõe a trabalhar dentro do âmbito da História Regional, ele mostra-se interessado em estudar diretamente uma região específica. O espaço regional, é importante destacar, não estará necessariamente associado a um recorte administrativo ou geográfico, podendo se referir a um recorte antropológico (…). Mas, de qualquer modo, o interesse central do historiador regional é estudar especificamente este espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda compará-lo com outros espaços similares ou examinar, em algum momento de sua pesquisa, a inserção do espaço regional em um universo maior (…).” (Barros, 2004, p.153.)

A partir do que foi exposto, podemos definir a História Local Nova como uma prática historiográfica que tem por objetivo o estudo do local. Entende-se como local um lugarejo, aldeia, vila e cidade. As metodologias de pesquisa são herdadas das abordagens construídas pela Escola dos Annales utilizadas na História Regional.
Luís Resnik escreve, com o subtítulo “por uma outra história local”, que, nos aspectos historiográficos, as novas formas de fazer esse gênero de história são uma reação contra metodologias e eixos conceituais dimensionados pela história global e total. A História Local Nova é uma mudança na escala de observação, que, segundo o autor, pode construir uma nova densidade no quadro das interdependências entre agentes e fatores constitutivos de determinadas experiências históricas. Existe uma costura de relações sociais que ultrapassam os limites do local, do regional e do nacional. A história local não se opõe, dessa forma, às outras escalas de observação. (Resnik,s.d,p.03)

3. A Micro-História

Antes de definir conceitualmente o que significa a Micro-História, cabe descrever o processo de construção desta modalidade historiográfica e perceber como ela foi construída. É notório que a Micro-História nasceu na Itália – nos falta o conhecimento de como isso aconteceu. Segundo Espada Lima, a Micro-História italiana é fruto de um processo não-linear e de diversas práticas historiográficas nem sempre homogêneas. Para compreendera Micro-história, é necessário conhecer um pouco da trajetória dos historiadores italianos reunidos em torno da revista ”Quaderni Storici”. Esse grupo identificou um dado número de problemas e referências mais ou menos comuns que foram identificadas como Micro-História. (Espada Lima, 2006, p.25)

3.1 Da “História Local Nova” a Micro-História

A Revista Quaderni Storici nasceu em Ancona, uma cidade portuária da Itália, na costa do Adriático, em 1965, sob a direção de Alberto Caracciolo. A primeira edição foi no ano de 1966 e teve o titulo “Quaderni Storici delle Marche”. Manteve esse título até 1969. O título “della Marche” é significativo para ilustrar a marca pelo interesse “local”. Nessa edição inaugural é publicado um texto de Fernand Braudel – “História e Ciências Sociais”. Que aborda a questão da longa duração. (Espada Lima, 2006, p.26) A intenção nitidamente observada na Revista é fixar uma tensão vinculada ao caráter local – colocado no próprio recorte geográfico do título – e monográfico (em oposição ao generalizador e teórico) e o geral. O geral estava expresso na “longa duração” de Braudel. A ideia era conectar as pesquisas locais com problemas muito mais amplos, mediadas pelas discussões historiográficas de vanguarda. (Espada Lima, 2006, p.27) Como já foi feita a referencia, eles queriam uma “nova história local”. Para estes historiadores italianos: “a dimensão local como um campo de testes, de experimentação, marcava então de modo importante o caráter central da revista.” (Espada Lima, 2006, p.29)
Para argumentar em defesa da ideia da proximidade e influência dos Annales na historiografia italiana do período, cabe destacar que um dos coordenadores do “Quaderni Storici delle Marche” – Alberto Caracciolo estudou na École Pratique des Hautes Études, “quartel general” de Bruadel nas décadas de 1950 e 1960. (Espada Lima, 2006, p.40)
A partir da década de 1970, os debates sobre a “microstoria” aparecem na Revista “Quaderni Storici”. São discussões em torno da História Social, dos estudos de famílias e comunidades, da antropologia histórica etc. Depois de 1970, um grupo maior de historiadores passou a dividir a organização e direção da Revista que, além de Pasquale Villani e Alberto Caracciolo, tinha:Edoardo Grendi, Angelo Ventura, Ernesto Galli Della Loggia, Raffaele Romanelli. Somam-se ainda, entre outros, nos anos seguintes, Giovanni Levi, Carlo Poni e Carlo Ginzburg. (Espada Lima, 2006, p.59.)
Segundo Espada Lima, ao analisar os primeiros doze números dos “Quaderni Storici” é possível perceber como seu programa original foi implementado. Segundo o autor, “já não se tratava de seguir no terreno regional as ‘grandes questões nacionais’, mas de pensar a partir da amostra.” (Espada Lima, 2006, p.41)
A Micro-História deriva, ou melhor, é uma “evolução” no sentido de transformação, da História Local Nova na Itália. A Micro-História deixa de ter na “delimitação espacial” seu objeto de estudo e passa a se preocupar com problemas gerais da historiografia utilizando-se da redução de escala, ou seja, “pensar a partir da amostra”. Segundo Espada Lima:
“Em primeiro lugar, no que dizia respeito à escala de analise: em vez de deter-se sobre as tendências de longa duração e os largos espaços geográficos, propunha-se o estudo intenso sobre comunidades, grupos familiares ou mesmo indivíduos. A justificativa dessa redução de escala estava no fato de que apenas no âmbito microscópio seria possível articular de modo consistente os vários perfis que as fontes seriais produziam – originalmente independentes entre si – em uma compreensão coerente da realidade social. As fontes seriais, tratadas em escala reduzida, não deveriam, portanto, ser consideradas separadamente. Ao contrario, seriam combinadas entre si de modo a revelar, ainda que indiretamente, o conjunto de estratégias comuns e individuais que constituem o concreto das relações sociais. (…)”(Espada Lima, 2006, p.62.)

Para diferenciar a Micro-História da História Local, é importante o comentário de José D’Assumção Barros, que escreve assim:
“A escolha da micro-historiográfica também pode incidir sobre determinada comunidade microlocalizada, mas tal como já dissemos, nunca o verdadeiro objeto de que se ocupa o historiador será a comunidade em si mesma (como seria o caso da história local), e sim determinado aspecto que incide transversalmente sobre essa comunidade.” (Barros, 2004,p.160.)

É possível observar a diferença de História local e Micro-História em uma frase. O micro-historiador Giovanni Levi parafraseia Geertz e diz que “Os historiadores não estudam as aldeias, eles estudam em aldeias.” (Levi, 1992, p.138.)

3.2 A Micro-História

Além da trajetória das pesquisas dos historiadores italianos, a Micro-História também teve a influência do dialogo entre historiadores e antropólogos. Os dois trabalhos mais destacados e conhecidos da Micro-História vêm da França e da Itália: “Montaillou” de Le Roy Ladurie e “O Queijo e os Vermes” de Ginzburg. Isso mostra que a Micro-História pode não ser o resultado de uma transformação dos estudos locais/regionais, mas também o resultado da crise dos paradigmas e da influência da antropologia. Muito embora tenha ocorrido um acúmulo de experiências em História Local/Regional na França também.
Segundo Giovanni Levi, a micro-história pode ser entendida como uma prática. Essa prática historiográfica é “essencialmente baseada na redução da escala de observação, em uma análise microscopia e em um estudo intensivo do material documental.” (Levi, 1992, p.136.) É importante destacar que não devemos ficar presos a ideias de “espaço” e escalas no sentido geográfico. Por isso, é importante a observação de José D’Assumção Barros, que destaca:
“O objeto de estudo do micro-historiador não precisa ser, desta forma, o espaço micro-recortado. Pode ser uma prática social específica, a trajetória de determinados atores sociais, um núcleo de representações, uma ocorrência ou qualquer outro aspecto que o historiador considere revelador em relação aos problemas sociais ou culturais que se dispôs a examinar. Se ele elabora a biografia de um indivíduo (e frequentemente escolherá um indivíduo anônimo), o que o estará interessando não é propriamente a biografia desse indivíduo, mas sim os aspectos que poderá perceber através do exame microlocalizado dessa vida (…).” (Barros, 2004, p.153.)

A micro-história tem suas raízes dentro do círculo dos historiadores e possui laços muitos próximos à antropologia. A Micro-História, após iniciar suas observações à massa documental (empírica), não busca impor sobre estes dados e informações uma teoria do tipo legal. A Micro-História parte do conjunto de sinais significativos e busca ajustá-los em uma estrutura inteligível. (Levi, 1992, p.141) Nessa passagem a seguir, Giovanni Levi demonstra esse aspecto interpretativo da Micro-história:
“A abordagem micro-histórica dedica-se ao problema de como obtermos acesso ao conhecimento do passado, através de vários indícios, sinais e sintomas. Esse é um procedimento que toma o particular como seu ponto de partida e prossegue, identificando seu significado à luz de seu próprio contexto especifico.” (Levi, 1992, p.154.)
Pelo seu Carter interpretativo, a Micro-História rompe com a ideia tradicional de realidade objetiva. Um dos princípios unificadores da prática micro-historiográfica é a ideia segundo a qual um problema abordado pelo microscópio revela questões e respostas que o telescópio não pode captar. Para a micro-história, não é a escala o objeto de análise e estudo, mas sim um problema que é analisado de forma mais densa.

4. Considerações finais: encontros e desencontros

A História Local é uma modalidade de historiografia muito antiga; porém, no mesmo período em que houve uma renovação nas metodologias e abordagens, surgiu a Micro-História. Pode-se afirmar que a História Local Nova e a Micro-História surgiram do encontro de novas técnicas, metodologias e abordagens que a historiografia estava passando na Europa, no mesmo período histórico. Surgiram no mesmo “lugar” e momento. Esse é um fato marcante do que estas modalidades têm em comum
Existem duas formas de História Local: uma “tradicional” e outra “nova”. A emergência da História Local Nova na França e na Itália se deu num período de ruptura de paradigmas historiográficos e como resultado de um acumulo de estudos sobre as regiões e localidades. Esse debate vai chegar mais tarde ao Brasil. O interesse pela História local e pela Micro-História no Brasil deve-se, também, pelo fato de ocorrer um acumulo de pesquisas globais e totalizantes, assim como pela ampliação e disseminação dos cursos de graduação e pós-graduação.

Se analisarmos alguns aspectos como os objetivos, as fontes, a metodologia e os aspectos relacionados à teoria – veremos que não existe encontros entre as modalides de História local e Micro-História. Isso não significa que um historiador, que pratica uma modalidade de História, não possa se interessar pelos estudos do outro. Os historiadores de questões locais e regionais podem utilizar o método da Micro-História para conhecer aspectos da região ou local que estudam. Um historiador local pode utilizar um estudo Micro-histórico para ilustrar uma trama ocorrida em determinado espaço geográfico. O Micro-Historiador pode utilizar um estudo regional e local para compreender e interpretar um problema analisado em escala reduzida. A História Local Nova e a Micro-História se encontram na Escala. Uma utiliza a escala como fim e a outra como meio.

5. Bibliografia

ARAÚJO FILHO, Luiz. O Município de Alegrete. Alegrete: Gráfica Coqueiro, 1908.
BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia.2 ed. São Paulo: Editora da Unesp. 2010.
BURKE, Peter. Abertura: A nova história, seu passado e seu futuro. In: A Escrita da História: novas perspectivas /Peter Burke (org.). São Paulo: Editora da UNESP. 1992.
ESPADA LIMA, Henrique. A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006.
LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: A Escrita da História: novas perspectivas /Peter Burke (org.). São Paulo: Editora da UNESP 1992.
MARTINS,Marcos Lobato. Os estudos regionais na historiografia brasileira. WWW.minasdehistoria.blog.br/…/historia_e_estudos_…_Acesso:22/04/2012, 09:49 (Texto:p.01-19).
REIS, José Carlos. História & Teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
REIS, José Carlos.Escola dos Annales: a inovação em história.São Paulo, Pz e Terra, 2000.
REZNIK, Luís. Qual o lugar da história local? www.historiadesaogoncalo.pro.br/txt_hsg_artigo_03.pdf. Acesso: 22/04/2012, 10:00.

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