15 de agosto de 2012, Bruno Lima Rocha
Por obrigação profissional li a matéria de capa de Veja, datada em 12 de agosto deste ano. O texto da reportagem de Carolina Rangel e Otávio Cabral, é atravessado por uma agressiva linha editorial, trata-se de um libelo a favor do empresariado e, obviamente, anti-greve. Surpreende a capacidade da revista semanal da família Civita ainda causar espanto. Em pleno momento quando a publicação, o grupo controlador da revista e um de seus repórteres especiais estão como supostos alvos de investigação federal, a matéria de capa termina por se aproximar do lado mais à direita da política econômica da economista Dilma Rousseff.
O argumento central do texto reflete a moral conservadora cruzada com rudimentos de economia neoclássica, que de forma vulgar circula como neoliberalismo. O elogio para as medidas de Dilma vão ao encontro das premissas neoliberais, obviamente todas anti-estatistas e contra qualquer demanda por direitos dos trabalhadores, em especial os do serviço público. A lógica do texto é simples. O governo teria interesse em promover o desenvolvimento de áreas estratégicas ao país. E, para isso, abriria mão de intervir na infra-estrutura básica do país (como transporte e energia), sendo que o BNDES seria um financiador parcial ao menos. Assim, estradas, portos e ferrovias retornam para a condição do século XIX, quando obras de infra-estruturais eram da iniciativa privada e o Estado, à época gendarme, garantia suas funções básicas de saúde, educação e segurança.
Já a virtude, segundo o texto, estaria no empresariado consultado pelo Executivo e futuro gestor das ditas obras. Participariam do processo de escuta os empresários André Esteves, Eike Batista, Jorge Gerdau, Marcelo Odebrecht e Sergio Andrade. Ora, se os capitães de indústria são apresentados como parte da solução, já os funcionários públicos grevistas seriam os anti-heróis. São caracterizados pelos autores como um reflexo do sindicalismo, que seriam desconectados com a realidade! O real fruto da experiência vivida pela humanidade, ainda segundo Veja, é oposto da retórica anti-mercado. Para a publicação da família Civita e seus sócios do Grupo sul-africano Naspers, “nenhum outro sistema da história humana foi mais revolucionário e tirou mais gente da miséria do que o capitalismo, mas o bacana é posar de crítico engajado em alternativas que ninguém sabe quais, para que ou como implementá-las”.
Assim, Veja naturaliza o sistema e o associa com a democracia política, como se capitalismo e democracia fossem sinônimos. Também isenta a própria lógica do sistema (afirma serem excessos) pela “crise” de 2008, chamando de “desarranjo produtivo” a quebradeira geral que vem ocorrendo nas economias de capitalismo avançado (como Europa ocidental e EUA), fruto da jogatina estrutural que subordina os processos decisórios da democracia representativa.
Para além de Veja, um pouco das obviedades da Economia Política não fazem mal a ninguém
Aquilo que Veja chama de “desarranjo produtivo” é simplesmente a Síntese do sistema. Pois o valor de uso perde para valor de troca; depois, o valor de troca já não vale nada, mas a representação desse bem que não pode ser resgatado implica num rombo colossal nas reservas financeiras de todo o mundo. Depois, estes dementes dizem que os "mercados são racionais". São sim, racionalizam a maximização de lucros a todo e qualquer custo!
Já o libelo anti-greve tem uma razão de ser. Para o capital, e em especial para a fome gananciosa das bestas financeiras, os direitos são travas para a circulação do capital especulativo e sua garantia de volta, os ganhos que advêm de recursos coletivos, garantidos pelo Estado.
O problema de fundo do “desarranjo produtivo” (segundo Veja) é que aqui como lá, nos enfiam goela abaixo que o risco dos bancos é risco sistêmico. Eu diria que a existência das instituições financeiras tal como elas se organizam hoje é que é um risco para qualquer forma de vida em sociedade. Não geram valor real, montam uma cadeia de transferência inventando moeda sem lastro algum na forma de crédito e na maioria das vezes jogam no limiar das possibilidades. O Estado Espanhol passa hoje por isso, e ao invés de intervir nos maiores bancos, permitem que a besta dilapide patrimônio e opere sobre as Caixas autônomicas e provinciais.
Os bancos são causadores da farsa com nome de crise, assim como as agências de "análise" de risco, as empresas de certificação de auditagem, as mega-corretoras de operações em bolsa, as seguradoras e as autoridades a ocupar postos-chave em processos decisórios delicados. No fundo do poço, se raspa o cofre para dar recursos a quem os sugou da sociedade. Mas, como o valor é antes que nada socialmente construído, vive-se sob o mito da credibilidade e confiança. Balela perigosa.