As apostas interferindo dentro de campo estão ficando cada vez mais comuns - Foto:Veja
As apostas interferindo dentro de campo estão ficando cada vez mais comuns
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20 de fevereiro de 2013, Anderson Santos (editor) e Dijair Brilhantes

Por mais contraditório que possa parecer, a FIFA pediu ajuda para federações e autoridades do mundo todo para tentar combater a manipulação de resultados. A entidade máxima do futebol, que já foi citada nesse espaço diversas vezes devido a supostos esquemas de corrupção, teme que o futebol perca a credibilidade.

Segundo as investigações da Europol, serviço europeu de polícia, mais de 400 pessoas, entre árbitros, jogadores e dirigentes estariam envolvidos com algum esquema de manipulação de resultados.

Mais de 600 partidas entre campeonatos de categorias de base, eliminatórias da África e América, e até mesmo um jogo da Liga dos Campeões e partidas da Eurocopa estão sob investigação. Suspeita-se que mafiosos tenham investido cerca de 2 milhões de euros,  tendo um retorno de aproximadamente 8 milhões.

Por conta disso, o presidente da FIFA, Joseph Blatter, veio a público pedir ajuda para tentar impedir um processo que, segundo ele, foge do controle e é praticamente impossível de ser combatido apenas pela entidade internacional.

Desta vez, temos que concordar com o suíço. Se pudéssemos realizar uma grande apuração sobre os casos de manipulação de resultados só a partir da Europa nas três últimas décadas teríamos que aprontar uma tese sobre como este esporte é utilizado para outros negócios, que envolvem os mais variados crimes. Alguns destes casos serão relatados a seguir.

Porém, antes disso, é preciso dizer também que as mesmas apostas que podem causar manipulação de resultados, também fazem parte de uma importante contribuição financeira aos clubes. Afinal, eles recebem uma quantia para ceder os direitos de usar a marca/nome nestes negócios.

Ao menos nos casos em que a legislação local permite que eles existam, que ainda não é o caso do Brasil. Apesar de vermos aqui ou ali propagandas de casas de apostas internacionais, e os jogos de clubes brasileiros participarem de apostas, não recebe-se nada por isso.

No caso europeu, além desse pagamento, grandes clubes são patrocinados por empresas de apostas, caso da bwin no Real Madrid e que até pouco tempo patrocinava a Taça da Liga, em Portugal – sendo proibida no início de 2012 de permanecer assim porque a legislação passou a proibir apostas online.

Um monstro com mais de 30 anos

A Itália é um dos países em que mais casos apareceram ao longo das últimas décadas. Lá, jogadores foram afastados da prática do futebol por meses ou anos; clubes, mesmo os maiores e mais ricos do país, foram rebaixados e/ou perderam pontos; e dirigentes foram expulsos do futebol. Ainda assim, segue sendo um local em que os casos continuam aparecendo.

Destes, recorda-se o que ocorreu em 1980. Para uma loteria esportiva clandestina, com o nome de Totonero, aliciava-se jogadores, árbitros e dirigentes para combinar resultados.

O atacante Paolo Rossi foi um dos acusados e acabou suspenso por 3 anos. Rossi conseguiu a revogação de 1 ano da pena para participar da Copa do Mundo de 1982. O azar acabou sendo brasileiro, já que o atacante permeia mentes de torcedores que viram o favorito time comandado por Telê Santana ser eliminado no “Desastre de Sarriá” após três gols do atacante.

Em 1986, a polícia italiana descobriu um novo escândalo. Treinadores e jogadores vendiam as partidas por dinheiro. Foram punidos: Udinese e Cagliari (Série A), Lazio, Vicenza, Triestena, Perugia, Palermo (Série B), Foggia e Cavense (Série C); além de 18 treinadores e cerca de 40 jogadores, com penas entre 3 meses e 5 anos.

20 anos depois veio um novo título mundial, com a vitória nos pênaltis sobre a França após empate em 1 a 1 no tempo normal. Veio também mais um grande escândalo, que acabou com uma promissora hegemonia da Juventus, que tinha, à época, jogadores como Cannavaro, Vieira, Del Piero, Trezeguet e Ibrahimovic.

Em 2005, o Ministério Público investigou uma denúncia de manipulação de resultados, mas a ação não andou. No ano seguinte, a mídia italiana divulgou áudios em que os jogos eram negociados, revelando o esquema, que teria ocorrido na temporada 2004-2005.

Então tricampeã italiana, a Juventus perdeu os dois últimos títulos, das temporadas 2004-2005 e 2005-2006 (este ficou com a Internazionale, segunda colocada) e o time foi rebaixado para a segunda divisão nacional com 17 pontos a menos que os concorrentes.

Ainda com o título da Série B na temporada seguinte, a Vecchia Signora só voltaria a vencer um Scudetto na temporada 2011-2012. Custou caro a participação de seus dirigentes, com destaque para o gerente-geral Luciano Moggi, no esquema de manipulação de resultados que contava também com jogadores, árbitros e diretores da Federação Italiana de Futebol.

O Calciopoli, ou Moggiopoli, chegou a rebaixar também a Fiorentina e a Lazio, mas os clubes conseguiram a diminuição da pena para se manterem na primeira divisão, com menos 19 e 11 pontos, respectivamente. O Milan iniciou a temporada seguinte com menos oito pontos e não participou da Liga dos Campeões da Europa.

Em 2011, mais um escândalo envolvendo manipulação de resultados acabou com a suspensão do técnico Antonio Conte, da Juventus, do lateral Criscito e na prisão de Stefano Mauri, da Lazio. Jogadores da seleção italiana como o goleiro Buffon, o zagueiro Cannavaro e o volante Gattuso foram citados, mas nada foi provado.

No Brasil

No início da década de 1980, a Revista Placar denunciou uma rede de manipulação envolvendo a loteria esportiva. Mais de 100 pessoas foram acusadas, nada foi comprovado e ninguém foi punido.

O caso mais emblemático aconteceu em outubro de 2005. André Rizek publicou na Revista Veja a “Máfia do Apito”, matéria que desvendava um sistema de compra de árbitros para fabricar resultados nos Campeonatos Paulista e Brasileiro. No comando dentro de campo, o árbitro FIFA Edilson Pereira de Carvalho.

A Polícia Federal entrou no assunto durante as investigações para a reportagem, que mostrava a ligação do árbitro com um grupo de empresários liderado por Nagib Fayad – ambos presos no dia seguinte à publicação da revista e que assumiriam participação no crime.

Para cada partida em que aceitou ajudar o esquema, Edilson recebeu entre R$ 10 mil e R$ 15 mil – o que expôs, também, o problema de o árbitro não ser uma profissão regulamentada no país.

Edilson virou uma estrela nacional. Conhecido pela singularidade de beijar várias representações de santos antes das partidas, chegou a cobrar no período a quantia de R$ 5 mil para dar entrevistas sobre o assunto. Admitiu ter sido contratado para manipular 11 jogos da Série A do Campeonato Brasileiro e que em alguns deles não teria surtido efeito. Além disso, ficou até o início da temporada seguinte como sinônimo de “ladrão” nas arquibancadas do Brasil.

Os jogos foram anulados, mesmo os que Edilson admitia que o resultado contratado era outro – o que beneficiou o Corinthians, que seria campeão nacional daquele ano. O árbitro paulista foi banido do futebol e responde pelos crimes de estelionato, formação de quadrilha e falsidade ideológica.

O árbitro Paulo José Danelon, que apitou jogos da Série B, também admitiu participar do esquema e foi afastado do quadro de árbitros da CBF. Armando Marques, ex-chefe da Comissão de Arbitragem da CBF, e Reinaldo Carneiro Bastos, vice da Federação Paulista de Futebol, saíram de seus cargos após serem acusados por Edilson de pressionarem-no a participar do esquema.

De lá para cá, além da carreira destruída do agora ex-árbitro, pouco foi julgado sobre o caso.

Os sites de apostas pela internet são proibidos no Brasil, o que não impede que os brasileiros participem. Elas podem ser feitas abertamente em sites internacionais.

A Caixa Econômica Federal, proprietária da antiga Loteria Esportiva, atual Loteca, e da Time Mania, deve apresentar uma proposta para o funcionamento de apostas esportivas pela internet. No entanto, para entrar em vigor, será preciso alterar a lei.

Enquanto isso, o futebol vai se perdendo em meio às tentativas exaustivas de extensão de sua mercantilização. Com tantos paraísos fiscais e governos que fazem vistas grossas com assuntos econômicos de empresários de grande patamar, parece que pode virar algo comum o que ocorreu com Tuta, atacante que passou por Palmeiras, Fluminense e Grêmio. Em 1998 ele atuava pelo Veneza e marcou o gol da vitória do clube sobre o Bari. Os companheiros de equipe não o abraçaram e o capitão do adversário chegou a dar um tapa na sua cara por atrapalhar o negócio.

Isso é e não é coisa de futebol, um jogo aproveitado e manipulado por outros jogos.

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