A greve das federais e o jogo de forças políticas na interna do setor mais à esquerda do movimento docente são analisados neste artigo, sob o prisma libertário do autor.  - Foto:uipi.com.br
A greve das federais e o jogo de forças políticas na interna do setor mais à esquerda do movimento docente são analisados neste artigo, sob o prisma libertário do autor.
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Wallace dos Santos de Moraes [1] – setembro de 2012[2]

 

Durante a década de 1980 no Brasil, o fim da ditadura civil-militar formal, a volta do irmão do Henfil e de muitos exilados lutadores fez reacender a esperança de um país menos desigual. Embalados por tal esperança, os trabalhadores se organizaram em partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais dos mais diversos. A luta por dias melhores era a tônica. A criticidade do rock nacional e de alguns sambas de roda ditava o ritmo das reivindicações. Em resumo, tratava-se de um momento de extrema efervescência, cuja ação coletiva era a principal arma.

 

A greve fora o mais importante instrumento dos trabalhadores para garantia de direitos, salários, sempre buscando repartir o bolo do crescimento econômico em condições menos desiguais. Em 1988, por exemplo, 1516 categorias, segundo o IBGE, fizeram greves. A luta trouxe uma gama de direitos para os trabalhadores e, principalmente, para os funcionários públicos. A Constituição de 1988 foi sua maior expressão.

O quadro da década de 1990 foi absolutamente diferente. O controle sobre os grandes meios de comunicação foi muito maior e mais sofisticado. O individualismo era passado, ora, de maneira patente, ora, latente, pelas novelas e pelos telejornais. Simultaneamente, na medida em que os partidos de esquerda cresceram, começaram a caminhar ao centro e a direita. Os sindicatos, por sua vez, cada vez mais, ficaram burocratizados e instrumentos de partidos políticos e seus grupos eleitoreiros. Ganhar a direção de um sindicato passou a ser sinônimo de colocar-se como possível candidato às diversas eleições ou a utilização da máquina para eleger os preferidos de seu grupo político. Muitos sindicalistas se locupletaram dos grandes recursos obtidos com a contribuição compulsória dos trabalhadores, servindo, mormente, às candidaturas no afã de conquistas maiores, diziam. A corrupção passou a tomar conta de muitos sindicatos, centros acadêmicos no movimento estudantil e partidos políticos de esquerda. Estes que queriam mudar o mundo utilizavam as mesmas táticas egoístas e autoritárias dos capitalistas liberais. As bases foram se distanciando das direções e das lutas fratricidas entre os diversos grupos vermelhos, agora, desbotados. As pessoas começaram a temer a associação. Definitivamente, as lutas subordinavam-se às esperanças eleitorais.

 

Enfim, a luta sindical entrou em profundo descrédito junto aos trabalhadores que não conseguiram encontrar meios para afrontar a reestruturação produtiva, a acumulação flexível, as políticas neoclássicas, o desmonte do Estado, no seu veio social, e os altos índices de miséria e desemprego advindos destas ações.

 

A esquerda se degenerou e chegou ao poder. Vários mandatos nas câmaras e nas assembleias legislativas, depois prefeituras, seguidos por governos estaduais e por fim o governo federal foram conquistados pelo PT e seus partidos satélites. Entretanto, nada disso mudou qualitativamente a vida da maioria dos trabalhadores.

 

A proposta socialdemocrata defendida por Bernstein e seus seguidores, de acordo com a qual, a tomada do poder político, via institucionalidade, levaria ao socialismo, não se concretizou nem no Brasil, nem em qualquer outro lugar do mundo. István Mészáros (2010) em “Atualidade histórica da ofensiva socialista – uma alternativa radical ao sistema parlamentar” mostra o quanto o partido trabalhista renovou as medidas anti-sociais dos conservadores na Grã-Bretanha. No Brasil, aconteceu o mesmo: o PT não se opôs às políticas dos conservadores e liberais, e ainda as renovou.

 

Durante toda a primeira década de 2000, a maior parte dos trabalhadores esperou passivamente as ações dos governantes com vistas à melhoria de suas vidas. Retirando o MST que lutou bravamente na década de 1990, e os sem-teto, que lutaram nos primeiros anos de 2000, foram duas décadas perdidas do ponto de vista da luta sindical.

 

No início dos anos 2010, mais precisamente em 2012, o funcionalismo público – base histórica do PT e da esquerda oficial em geral – entra em greve. Ela foi iniciada pelo ANDES, sindicato nacional dos docentes das instituições de ensino superior. Foi uma greve que conseguiu aglutinar quase que a totalidade das universidades federais. Algo que não se fazia há muito tempo. A direção do ANDES se surpreendeu com a disposição de suas bases. Foram várias assembleias em todo o país e o apoio ao movimento só crescia. Até seções do sindicato chapa branca – PROIFES (sindicato de docentes do ensino superior que apoia o governo) – aderiram a greve.

 

Outra característica deste movimento paredista foi as diferentes percepções do processo. De modo geral, nas universidades do norte/nordeste e nos campi do interior, ela foi mais radicalizada com amplo apoio dos novos docentes. Enquanto que nas universidades mais tradicionais, ela foi mais moderada. Tanto é que UFF e UFRJ, as duas maiores do Brasil, foram as últimas do ANDES a aderir a greve e as primeiras a apontar saída. É claro que isto também tem a ver com a direção vacilante do processo, como veremos adiante.

 

Após o ANDES parar suas atividades, praticamente, todas as demais categorias do funcionalismo público federal também o fizeram. Elas almejavam aumento salarial – reivindicação absolutamente legítima, sobretudo diante do que o governo destina para especuladores em geral. O ano de 2012, portanto, apresentava-se como um marco do revival da luta sindical no país.

 

Não obstante, a greve do ANDES era diferenciada, pois desejava um plano de carreira decente e melhores condições de trabalho. A expansão da universidade transformou muitas delas em “escolões” de terceiro grau, sem qualquer infra-estrutura para o desenvolver de pesquisas etc. A greve, portanto, era mais que legítima e tinha tudo para estar em consonância com os anseios da sociedade, pois era estimulada pelas aspirações por uma universidade pública, cem por cento gratuita e de qualidade.

 

Esse movimento paredista atentava contra os interesses diretos de três setores: 1) do governo, desgastando-o em ano eleitoral; 2) do PROIFES, desmoralizando-o e enfraquecendo suas bases de apoio; 3) dos fura-greves, que são tão individualistas que demonstram uma enorme incapacidade para fazer ação coletiva na ampla maioria das universidades. Eles chegam ao cúmulo de defender que a greve seja debatida por e-mail e votada pela internet. Em resumo, o ANDES e os seus opositores disputavam o apoio da sociedade para defesa de suas causas e/ou justificativas.

 

Por sua vez, os meios de comunicação fizeram um desserviço à sociedade e não explicitaram as reivindicações do movimento docente. Pior do que isso, as deturparam ou simplesmente as ignoraram. Diga-se de passagem, este historicamente foi o papel cumprido pela grande mídia: atuar contra todo tipo de greve. Todavia, a despeito da posição majoritária da grande mídia, o governo foi deveras desgastado e teve que ceder.

 

Depois dos primeiros meses do movimento grevista, o governo simulou um acordo com o sindicato PROIFES e cedeu 4,2 bilhões, mas não tocou nos pontos de condições de trabalho, e piorou o plano de carreira já existente. Este simulacro de acordo só aconteceu em função da luta. É importante ressaltar essa obviedade porque alguns grupos, para estimular as bases a sair de greve, começaram a deslegitimá-la enquanto principal meio reivindicativo da classe trabalhadora.

 

A categoria compreendeu que deveria continuar lutando e as assembleias em todo o país, algumas com mais de 800 docentes, mantinham a greve. Essa greve representara para muitos a retomada da possibilidade da luta sindical depois de 20 anos de inércia e descrédito.

 

Neste momento, inusitadamente, quando nenhuma seção sindical do ANDES havia desistido do enfrentamento, começam a surgir as propostas de algumas agremiações políticas dentro do movimento para saída unificada da greve. Esse movimento foi liderado por grupos político-partidários dentro da ADUFF e da ADUFRJ. Aprofundaremos este aspecto mais adiante.

 

ENTENDENDO AS FORÇAS POLÍTICAS NO ANDES

 

Antes de continuarmos esse histórico, faz-se necessário entender a composição política dos militantes dentro do ANDES. As diversas forças da esquerda institucional estão lá representadas e agrupadas, como: o PSOL, o PCB, o PSTU e os independentes, que normalmente se afinam com um desses partidos ou com um amalgama deles. Ainda existe um movimento com significativa representatividade, chamado de MDA (Movimento em defesa do ANDES) criado no último congresso de Manaus, em 2012, composto por muitos professores independentes mais radicalizados. Até as novas eleições da nova diretoria, em maio deste ano, dirigiam o sindicato o PSOL, o PSTU e os respectivos independentes de lado a lado, sendo aquele majoritário. Ademais, todos compunham o ANDES-AD. No congresso de Manaus, em janeiro do corrente ano, ocorreu o racha, a partir do qual se formaram duas grandes correntes compostas: 1) pelo PSOL e os seus “independentes” e o PCB, que agora aparece com força por dirigir a ADUFRJ; 2) MDA, do qual o PSTU faz parte, mas não dirige.

 

Enquanto a aliança PSOL – PCB cada vez mais se consolida, estimulada, dentre outras coisas, pelo bom desempenho nas pesquisas do seu candidato comum, Marcelo Freixo, nas eleições para prefeito do Rio; por outro lado, no MDA, ocorre o primeiro grande desentendimento por ocasião das eleições para a diretoria do ANDES – quando o PSTU chamou votos para a chapa do PSOL, acusada pelos independentes do MDA de ter dado um golpe em Manaus. O segundo desentendimento foi durante a greve, quando o PSTU votou contra a mesma, enquanto os independentes do MDA a defendiam fervorosamente.

Destarte, as alianças no início da greve se formaram da seguinte maneira: de um lado, PSOL e PCB, majoritários que dão a linha na diretoria do sindicato; de outro lado, na oposição, o MDA, no qual fazia parte o PSTU.

 

Os resultados políticos da greve foram os seguintes. A principal força dentro do ANDES continuou sendo o PSOL. A greve consolidou ainda mais a aliança entre PSOL e o PCB, ficando o PSTU e a CSP-CONLUTAS como aliado eventual daquele. No âmbito do MDA ocorreu uma cisão. Os independentes acusam o PSTU de traição por votar contra a greve, e o partido chama os independentes de ultra-radicais. O PSTU, em detrimento da aliança com os independentes radicalizados, escolheu uma política que não vai de encontro com os anseios da diretoria do ANDES – hegemonizada pelo PSOL. Os independentes do MDA, por sua vez, criaram um novo movimento denominado “coletivo Andes na luta”, porém muito diminuto com relação ao que é o MDA.

 

Além das coligações partidárias, existem alianças em torno das seções sindicais do ANDES. A principal delas ocorre entre ADUFF e ADUFRJ, dirigidas respectivamente por PSOL e PCB.

 

A TRAIÇÃO POR DENTRO

 

Neste tópico optaremos por descrever como a greve foi destruída por dentro. Para tanto utilizaremos os comunicados do CNG (Comando Nacional de Greve) e dos CLG (Comando local de Greve) da ADUFF, além da nossa experiência de participação nas assembleias e no referido CLG.

 

A greve teve início em 17 de maio de 2012. A ADUFF não aderiu ao movimento imediatamente, somente parando as atividades no dia 22 de maio. Foram necessários alguns embates para tal. O grupo do MDA da UFF teve papel decisivo. Não obstante, depois de decretada a greve, a diretoria se colocou para dirigir o processo. Assim, o PSOL e o MDA conduziram o movimento grevista em conjunto, podemos dizer com certa harmonia, até a reunião do CLG do dia 20 de agosto, preparatória da assembleia do dia seguinte.

 

Sobre o quadro da greve em todo o Brasil, o comunicado do CNG do dia 18 de agosto era absolutamente claro: contabilizava-se 59 IFEs em greve e a linha das avaliações dos diversos delegados era de continuar e intensificar a luta.

 

Diante do quadro supracitado, na reunião do CLG da ADUFF de 20 de agosto, os membros do PSOL, da diretoria, e seus independentes começaram a defender a saída unificada da greve, alegando que o movimento encontrava problemas em diversas IFEs. As palavras mágicas para justificar eram: “responsabilidade”, saída unificada” e a frase mais replicada era “temos que pensar no horizonte da greve”. Como tinham receio de usar as palavras: “saída” ou “limite”, utilizaram uma bem ambígua mais com o mesmo propósito: “horizonte”.

 

Por outro lado, os membros do MDA da UFF rebatiam defendendo que a greve estava forte e que nenhuma IFE tinha saído da greve até aquele momento. A reunião ganhou ares de grande tensão. Um dos membros da diretoria da ADUFF chegou a dizer: não estou entendendo porque vocês estão defendendo a continuidade da greve se o chefe de vocês , Zé Maria (PSTU; CSP-CONLUTAS) defendeu o fim da greve”. Ele não entendeu que o MDA da UFF não era subordinado ao PSTU.

 

Depois de aproximadamente 3 horas de discussão, na última fala, um membro muito ativo do PSOL no CLG da ADUFF, encaminha como indicativo para a assembleia a proposta de saída unificada da greve para a semana do dia 10 de setembro. Todos do MDA ficaram perplexos, atônitos, indignados, tentam reverter o quadro, mas não conseguem e então se retiram em conjunto do CLG. Entretanto o fato mais inusitado ocorreu quando ainda começava a reunião do CLG e então um membro do MDA da UFF recebe uma mensagem de texto de uma companheira da UFRJ, que também estava na reunião do CLG da ADUFRJ, dizendo que lá estavam afirmando que a UFF sairia de greve no dia 10 de setembro para justificar a saída da UFRJ. Tudo indica que estava tudo combinado entre as diretorias da ADUFF e ADUFRJ, aliança PSOL – PCB, para saída da greve.

 

A assembleia do dia seguinte, 21/08, ganhou status de grande embate. Como o comunicado do CNG não atendia aos anseios da diretoria e do CLG da ADUFF, então este produziu seu próprio balanço, induzindo aos docentes aceitarem a marcação da data do fim da greve. Como que se determinasse o fim do movimento por decreto.

 

Neste comunicado percebe-se aquilo que seria a grande marca do(s) intelectual(is) que o produziu(ram). A característica é começar, na primeira frase, alertando para o fato de já estarmos há muito tempo na greve, vejamos o comunicado que inaugurou esta indução do CLG do dia 21/08, seguido pelos demais: CLG, 21/08: “A greve dos docentes das Instituições Federais de Ensino ultrapassou os três meses de duração…” CNG, 25/08: “A greve dos docentes das Instituições Federais de Ensino (IFE) completou cem dias…”; CLG 30/08: “A greve dos (as) docentes das Instituições Federais de Ensino já ultrapassou os cem dias de duração…”; CLG 02/09: A greve dos docentes das IFE completou 107 dias em 31 de agosto…”.

 

Esse tipo de redação esteve em todos os comunicados do CLG, a partir daquele que queria o fim da greve, e em alguns também do CNG, mostrando a força e o dedo do CLG da ADUFF no comando nacional. A não ser que acreditemos em modelo único para comunicados de greve.

 

No comunicado do dia 09/09 do CNG, que tentou reverter a tendência de finalizar a greve, quando a hegemonia foi do grupo independente do MDA, a primeira frase dizia o seguinte: “A nossa greve em curso explicita toda a capacidade de luta e resistência dos docentes…”. Bem diferente, não?

 

Os comunicados do CNG, como eram produzidos coletivamente e existia uma grande disputa entre projetos, acabavam por expressar ambiguidades com análises otimistas, pró-greve, e pessimistas, anti-greve.

 

Nos dias que antecederam ao comunicado do Comando Nacional de Greve (CNG) do dia 25/08/2012, ADUFF e ADUFRJ enviam seus delegados e lá tentam articular a saída unificada para o dia 10 de setembro. Perderam por grande margem de diferença, pois a ampla maioria das seções sindicais entendia que a luta era forte e devia continuar. Nesse momento, nenhuma seção sindical havia saído. Essas propostas foram rechaçadas pelos outros representantes do país. Então, o documento do CNG indicava continuidade da greve com radicalização. Mas eles não se contentaram e começaram a construir a saída pelos CLGs e pelas articulações político-partidárias.

 

A TRAIÇÃO DA GREVE GANHAVA FORÇA PARA SE TORNAR IRREVERSÍVEL

 

Na semana anterior, o presidente da CSP-CONLUTAS – José Maria de Almeida, do PSTU – havia visitado o CNG do ANDES e defendeu que já estava na hora de apontar para uma saída unificada. Depois desse indicativo, como era de se esperar, a maioria dos militantes do PSTU, que é um partido centralizado, passou a votar contra a continuidade da greve, ou se absteve em momentos chave decisórios em todo o país, ou deixou de defender publicamente a continuidade da greve.

 

Para a assembleia da ADUFF do dia 30 de agosto, por exemplo, o CLG ignora o comunicado do CNG, que defendia a greve, e produz o seu próprio comunicado para sua base apontando para a saída unificada para a semana do dia 10/09. O comunicado do CNG foi até distribuído aos presentes, mas apenas o do CLG foi lido no microfone para a plenária. Além disso, como mais um subterfúgio para por fim a greve, um dos membros de CLG discorre muito tempo sobre a saída do SINASEFE da greve, e pela primeira, e única vez, o comunicado do SINASEFE que apontava a saída para o dia 10 de setembro (coincidência?) foi distribuído para os presentes na assembleia.

 

Muitas pessoas não entenderam. Como? Sair por que se estamos fortes e não alcançamos nossos objetivos?

 

Em resumo, as diretorias e os CLGs da ADUFF e da ADUFRJ foram para suas bases e construíram a saída em conjunto da greve. É importante ressaltar que se trata das duas maiores universidades do país. Estava tudo dando certo, até que a base na UFF rejeitou a proposta de saída da greve para o dia 10 de setembro. Os docentes da UFF em contrário ao defendido pela diretoria da ADUFF e do CLG rejeitaram a proposta de saída unificada. É mister destacar que, quando, a base atropela a diretoria, deve-se levar em conta que a greve está radicalizada.

 

Na UFRJ foi diferente, a diretoria indicou a saída da greve e ganhou. É necessário um esclarecimento sobre este caso. Lá, diferente da UFF, a continuidade da greve foi ameaçada pelo voto e foi com base neste argumento que o CLG da ADUFRJ indicou a saída da greve, antes que fosse atropelada pela base. Não obstante, isso não poderia servir de desculpa para o próprio CLG defender a saída de greve, sobretudo porque o movimento nacional estava forte. Mesmo supondo uma derrota, o CLG da ADUFRJ não tinha o direito de enviar seus delegados para o CNG para defender o fim da greve. A ADUFRJ independente do movimento em contrário na UFRJ comprou para si a saída da greve. Isto está mais do que claro.

 

Caso parecido aconteceu com a ADUFF, mas com um tom piorado, pois em momento algum a greve fora ameaçada pelo voto dos docentes nas assembleias. As argumentações pelo fim da greve apresentavam-se porque as outras estavam com dificuldades de manter a greve. Portanto, tínhamos que sair o quanto antes, diziam. Como que olhassem para uma bola de cristal, eles asseveravam que tinham que acabar com a greve unificadamente. A ADUFF e a ADUFRJ se colocaram como dirigentes nacionais da greve, ou melhor, contra a greve.

 

Com efeito, depois de ADUFRJ e ADUFF enviarem seus delegados para o CNG para novamente acabar com a greve, a diretoria do ANDES intervém a favor da saída e com algumas resistências conseguem o objetivo em parte: indicam para as assembleias discutirem a saída unificada no comunicado do dia 02 de setembro. Esse indicativo causa um estrago enorme no movimento. A partir daí, muitas assembleias começaram, com a ajuda dos militantes dos partidos que queriam a volta ao trabalho, a indicar a famigerada saída unificada. Mais um detalhe importante é necessário informar. Segundo o regulamento do ANDES, só tem direito a voto no CNG, as seções sindicais que continuam em greve. Logo a ADUFRJ não poderia votar mais sobre os destinos da greve, todavia, a diretoria do ANDES interveio a favor dos que saíram da greve unilateralmente e por conta própria.

 

Os militantes independentes do MDA se articulam em todo o Brasil e enviam seus delegados para tentar reverter o estrago causado com o comunicado do dia 02 de setembro e manter a greve. O comunicado sai radicalizado e pró-greve, sem indicação de saída, mas não tinha mais solução, a destruição da greve era irreversível.

 

A pergunta que não quer calar é por que sair da greve se praticamente todas as assembleias indicavam a permanência? Como argumentar que o movimento estava fraco? O indicativo de saída da greve favoreceria a quem? Quais setores queriam o fim da greve?

 

As análises, segundo as quais o movimento estava fraco, através de grande articulação, foram ganhando força até que se transformaram em realidade. É a autoprofecia que se cumpre. E, finalmente, votando junto com aqueles que sempre lutaram contra a greve, as diretorias do ANDES, da ADUFF e da ADUFRJ e as forças políticas que a compõem conseguiram acabar com a greve docente nacional.

Algumas perguntas ainda ficam no ar. Por que essas diretorias quiseram acabar com a greve justamente com a proximidade das eleições? Quais grupos políticos lideram essas associações? A esperança eleitoral venceu novamente a luta direta?

 

Os grupos que compõem e dirigem essas diretorias estão ligadas a dois partidos políticos: o PSOL e o PCB. A UFF e a UFRJ foram as últimas a entrar em greve. Isto já demonstra que não foram impulsionadoras da greve docente federal. Depois de ser empurrada pelas bases se viram obrigadas e aderir ao movimento e depois quiseram dirigi-lo. Quando nenhuma instituição do ANDES havia saído de greve as duas propuseram, juntas, a saída, alegando dificuldades em manter a luta diante das bases que queriam sair. Na UFF, particularmente, as assembleias votavam maciçamente pela continuidade da greve. Aqueles que eram contrários a greve nunca passaram de 15% da plenária. Durante todo o processo foram muitas as vezes que a assembleia votou unanimemente pela permanência da greve.

 

Em resumo, a união entre PSOL e PCB, a partir, principalmente, da ADUFRJ e ADUFF e com a anuência participativa do ANDES e depois com a ajuda do PSTU e da CSP-CONLUTAS conseguiram acabar com uma greve forte dos docentes. Resta saber em nome do que fizeram isso?

 

Como tentativa de resposta, levantamos algumas hipóteses explicativas: a primeira questão a se entender é que o PSOL, que já nasceu burocratizado, diferentemente do PT, é hoje praticamente um partido institucionalizado voltado para a disputa eleitoral, portanto, eleitoreiro. Quando dizemos eleitoreiro queremos chamar a atenção para o fato de que o partido não pensa mais nos marcos da revolução que visa impulsionar toda luta do trabalhador a qualquer preço.

 

Por conseguinte, com a proximidade das eleições, a greve nas universidades prejudica, sobretudo por dois motivos: a) nas universidades está parte considerável da militância do partido e os possíveis eleitores; b) os candidatos do partido são questionados sobre as greves, tal como ocorreu com o candidato Marcelo Freixo no Rio, e jogados contra a parede, pois parte da sua base estava na greve, mas ao mesmo tempo precisa ganhar votos dos que não gostam de greve. Assim, o referido candidato, quando questionado no RJ/TV sobre se cortaria o ponto dos grevistas foi obrigado a dizer categoricamente: “depende”.  Resposta mais em cima do muro do que essa não seria possível.

 

Por outro lado, não conseguimos vislumbrar outros motivos que fizessem alguns quadros do partido se empenhar tanto em acabar com a greve do ANDES.

 

Definitivamente, as eleições burguesas e principalmente a possibilidade mesmo que remota de vitória, leva ao abandono da luta em prol a todo custo da vitória eleitoral, conduzindo os partidos ao centro e depois à direita. A história do PT e de praticamente todas as agremiações que nasceram socialistas e chegaram ao poder pelo mundo ratifica essa premissa (Ver Mészáros, Michels, Chomsky). Além do mais, é bastante significativo ressaltar que o único grupo organizado que quis manter a greve não tinha vínculo de subordinação a partidos políticos.

 

A hipótese explicativa para definir a posição do PSTU é um pouco mais complexa, pois não se trata meramente de um partido eleitoreiro. Vamos a ela.

 

O PSTU teve uma grande vitória e uma grande derrota com a criação da CSP-CONLUTAS. A vitória foi dirigir uma central sindical muito maior que o partido, aumentando o número de militantes e de aparelhos sindicais sob sua influência direta. A derrota advém desta mesma questão, pois o partido não tem pernas para dirigir a central e tem que fazer diversas concessões ao PSOL. Ademais, depois que o PSTU criou a CSP-CONLUTAS seu principal objetivo passou a ser fortalecê-la. Como o ANDES é dirigido pelo PSOL, para não perder a filiação do mesmo à CONLUTAS e sua generosa contribuição financeira, o PSTU cede e inclusive fica refém daquele partido. Em poucas palavras, o PSTU impõe limites à luta direta econômica em função de acordos burocráticos, por dinheiro, e para manter a direção de uma central sindical muito maior que o partido.

 

Mészáros (2010, op cit) ao historiar a luta do movimento operário afirma que o mesmo nasceu revolucionário e extraparlamentar, no entanto, no último terço do século XIX, os partidos de massa ganham força e a estratégia de chegar ao socialismo pela via eleitoral se coloca como hegemônica, marginalizando a ala radical do movimento operário por várias décadas. O autor ainda destaca com propriedade que a proposta de chegada ao socialismo pela via parlamentar de Bernstein, e seus descendentes, adotada como prática pela segunda internacional, nunca logrou êxito.

 

Mészáros (2010: 19) destaca ainda que o fato mais emblemático aconteceu com os partidos da terceira internacional. Vejamos:

 

“é que alguns dos partidos mais importantes em termos eleitorais, bem-sucedidos da esquerda radical, constituídos no âmbito da Terceira Internacional na enérgica condenação explícita do irrecuperável fracasso histórico da Segunda Internacional socialdemocrata, seguiram – dessa vez, de fato no devido tempo – o mesmo caminho desastroso dos partidos que antes haviam denunciado de forma veemente.”

Além do mais, Mészáros (2010: 17) reflete de maneira arguta sobre a participação dos partidos operários nas contrarreformas das últimas décadas. Vejamos:

 

“pois o irônico e de muitas formas, trágico resultado de longas décadas de luta política dentro dos limites das instituições politicas de autointeresse do capital revelaram que, sob as condições hoje prevalecentes, a classe foi espoliada de todos os direitos em todos os países capitalistas avançados e não tão avançados. Essa condição é marcada pela completa conformidade dos vários representantes da classe trabalhadora organizada conforme as regras do jogo parlamentar”.

 

Em resumo, a maioria dos partidos pelo mundo caminha à direita por causa do crescimento dos seus parlamentares e pela prioridade máxima dada às campanhas eleitorais. O PSOL caminha a passos largos nesse sentido, embora nunca fosse um partido de massa, pois nasceu praticamente sem base social consistente. O PSTU vai à direita por causa do crescimento de sindicalistas burocratizados e para manter estruturas corporativas sindicais. O PCB segue a mesma trilha dos diversos Pcs pelo mundo. Por conseguinte, a luta direta econômica é posta em segundo plano. Vale ver a crítica de Castoriadis que dedicou quase a vida inteira para denunciar como a burocracia no movimento de esquerda emperra o avanço revolucionário.

 

Por tudo exposto, num futuro bem próximo, o PSTU, o PCB e o PSOL estarão juntos, mas meramente como partidos institucionais, eleitorais e reformistas e só usarão a greve quando lhes favorecer nas eleições. Estes partidos marxistas tinham dois caminhos a seguir: 1) ditado por Bersntein e Kautsky, pelo institucionalismo e o reformismo, subordinando a luta às esperanças eleitorais; 2) ditado por Rosa e Pannekoek, pela revolução. Escolheram o primeiro caminho.  Triste fim lamentável.

 

Antes de terminar cabe a última observação. Muitos militantes valorosos em todo o Brasil tentaram reverter esse quadro, mas não foi possível lutar contra as máquinas dos sindicatos, das centrais sindicais e dos centralismos dos partidos, aliados, ainda, aos fura-greves. Perdemos. Para finalizar, na UFF aconteceram falas inusitadas realizadas por militantes do PSOL, segundo os quais a greve não era o principal instrumento de luta, que existiam outras formas e por fim que tínhamos que acabar com ela. Outros, ainda, começaram a ver grandes vitórias na greve com os mesmo objetivos. Mas a pior de todas vinha da diretoria e do CLG da ADUFF. Como eles tinham vergonha de assumir que estavam propondo o fim da greve, usaram o subterfúgio de dizer que mantinham a greve, porém apontando a data da saída, era o tal do horizonte.

 

Esdruxulamente, em uma assembleia de professores universitários o encaminhamento do CLG foi o seguinte: ponto 1: manutenção da greve; ponto 2: saída da greve… para o dia tal. Esta dicotomia constitui-se em absurdo lógico sem limites que representa a crise de valores e paradigmas na qual vivemos. Com a votação desta maneira o CLG ficava mais confortado e sem peso na consciência de ter votado pelo fim da greve e, portanto, contra ela, pois votavam no primeiro ponto a favor da greve, pela sua continuidade e no segundo ponto, em absoluta contradição, votavam pelo fim da greve no dia marcado!! Em seguida iam para casa tranquilos, pois votaram pela manutenção da greve!

 

Por fim, a greve acabou sem alcançar os propósitos almejados. Por consequência, saem efetivamente vitoriosos o governo, a grande mídia, o PROIFES e os fura-greve. Saem derrotados do processo: os diferentes lutadores do MDA (Movimento em Defesa do ANDES) composto por professores independentes que defenderam a greve até seu último suspiro bem como a Universidade pública e de qualidade.

Em resumo, saiu derrotada a luta direta econômica, cujos destinos estão nas mãos dos trabalhadores, saiu vitoriosa a democracia minimalista burguesa, cuja tônica resume-se a votar de tempos em tempos e aguardar o que farão os “iluminados representantes”. Lamentável característica do nosso tempo. Tomara que os derrotados de hoje sejam os vitoriosos de amanhã, para podermos ter uma universidade e um mundo melhor que só será possível na sua plenitude no socialismo autogestionário.

 

[1] Prof. do Departamento de Ciência Política da UFRJ.

[2] Este texto foi escrito com base na minha experiência enquanto professor da UFF e participante do comando local de greve da Associação dos docentes da UFF (ADUFF). Em uma perspectiva Kropotikiana, segundo a qual, todo o conhecimento produzido na sociedade é fruto do trabalho coletivo, me vali de muitas discussões e debates junto com os colegas da oposição da ADUFF. É claro que assumo toda a responsabilidade sobre o que está escrito aqui, sendo, portanto, apenas minha percepção do processo.

 

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