(...) Polícia Federal não é uma polícia do governo, é uma polícia do Estado. Então, mesmo na repressão, ela não agiu, ela fazia, inclusive sobrava para nós, quando os presos eram encaminhados para a Polícia Federal depois que o Exército fazia as prisões e nós fazíamos o inquérito.
(…) Polícia Federal não é uma polícia do governo, é uma polícia do Estado. Então, mesmo na repressão, ela não agiu, ela fazia, inclusive sobrava para nós, quando os presos eram encaminhados para a Polícia Federal depois que o Exército fazia as prisões e nós fazíamos o inquérito.”
Foto:Exame

Entrevista com o delegado federal ALCIOMAR GOERSCHLING, no momento da entrevista (D-G Paulo Lacerda, ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos) com o cargo de Diretor de Administração e Logística Policial (equivalente a Planejamento). A entrevista ocorrera em Brasília, na data de 07/08/2003, dentro do edifício sede do órgão, conhecido como “Máscara Negra”, na sala de trabalho do profissional entrevistado.

A mesma fez parte do trabalho de dissertação de mestrado em Ciência Política (PPG Política/UFRGS, com bolsa de dedicação exclusiva da CAPES), com o título:

“A Polícia Federal após a Constituição de 1988: polícia de governo, segurança de Estado e polícia judiciária.”

Uma vez que as entrevistas (são quatro) constaram como Anexo da dissertação e fica absolutamente impossível considerar sua publicação junto do livro fruto deste trabalho, optei por publicá-las aqui, em sequência, na condição de Teoria. Teoria por ser um trabalho direcionado, roteirizado, com objetivos analíticos precisos. O conjunto das entrevistas aparecera no texto final da dissertação como Anexo I.

Consta neste Anexo I, entrevistas com representantes das entidades estudadas e da Direção-Geral, gestão Paulo Lacerda. Todas as entrevistas foram realizadas em Brasília, no mês de agosto de 2003. Estão apresentadas em ordem cronológica, tem suas páginas numeradas e não foram editadas (estão na íntegra). Abaixo, antes de entrar nas entrevistas, nos pareceu interessante expor o roteiro inicial pensado para estas entrevistas, ainda no mês de junho de 2003. Estas perguntas não estão em ordem de importância, nem tampouco seriam feitas seguindo algum ordenamento prévio. Apresentar este roteiro nos pareceu interessante para expor o tipo de informação que queríamos, a busca do contraditório dos depoimentos e poder comparar entre o momento prévio e o que realmente foi obtido através destas fontes.

 

Com as perguntas previamente roteirizadas, procuramos expor um pouco do roteiro como um mapeamento analítico indireto. Deste mapeamento, obtêm-se uma dedução através de via de aproximação indireta. O guia básico dos conceitos embutidos no roteiro é:

Prerrogativas das FFAA (militares) por sobre o aparelho constitucionalmente válido (a PF) – Espírito de Corpo – Obediência a Justiça, ao Ministro ou a Presidência – Justiça X Direito – Lógica punitiva diferenciada como fator de desigualdade estrutural do Sistema – Autonomização dos Agentes Sociais mesmo no interior da PF – Autonomização burocrática no interior do Aparelho de Estado, mesmo sendo este um Aparelho policial – Espiocracia como forma de Burocracia – Criminalização do Capitalismo – Classe Dominante e Classe Dirigente com práticas criminalizadas de ordem estrutural – Organização Criminosa X Rede de Quadrilhas – Organização Criminosa X Fragmentação da(s) Forma(s) de Repressão – Concorrências, Competências e disputas Intra-Policiais – Disputas Internas da(s) Comunidade(s) de Informações e Inteligência – Limites do Jogo Democrático X Jogo real das disputas pelo poderes de fato em todos os níveis – Campo Jurídico + Burocracia Policial X Democracia Deliberativa – Repressão Seletiva, Repressão política (e das forças sociais) como forma de sub-seleção.

 

 

Roteiro prévio para as entrevistas

 

– Como o senhor analisa as acusações de ingerência dos EUA (a exemplo do dossiê da revista Carta Capital), através da embaixada e com financiamento direto de operações e treinamento por parte da CIA, DEA e FBI, no interior da PF? Estas denúncias procedem? Há setores que não respondem mais à hierarquia do órgão e sim diretamente às agências dos EUA? Se a afirmação for positiva, quais seriam as alternativas para realizar estas operações, equipagem e treinamento?

– Qual é, baseado na opinião do senhor e em sua experiência profissional, a relação e a possibilidade de trabalho em conjunto entre a PF e o GSI/ABIN? Quais seriam, ainda na opinião do senhor, os papéis precisos da PF e da ABIN? Quem deveria operar, aonde e sob qual tipo de coordenação? No plano do concreto, que tipo de influência exercia o general Cardoso sobre a PF e o conjunto da “comunidade de inteligência”, especialmente a partir da queda de Vicente Chelotti até o fim do 2o mandato de Fernando Henrique Cardoso?

– Como entende que deveriam ser as carreiras de delegado e agente na PF? Considera possível uma PF sob os moldes do FBI atual (pós-Hoover e com cargo único)? Considera possível uma PF onde os agentes ou outra categoria da carreira policial voltem a ter exigência de 2o grau completo ao invés de nível superior?

– O que o senhor pensa sobre as transformações no MJ? Deveria funcionar como um Ministério do Interior? Considera necessária a existência de uma Guarda Federal Fardada e com emprego a nível nacional? Existindo esta Guarda, como ficaria a relação com o Exército, especialmente em zonas que há Pelotões Especiais de Fronteira? Seria empregada esta Guarda somente na faixa de fronteira ou também para intervenção nos estados?

– Qual deveria ser, tanto o critério como a motivação para uma intervenção federal em estados, micro-regiões e/ou municípios? Poderiam justificativas possíveis, apenas para exemplificar:

Por calamidade pública? Zona de emergência? Por corrupção endêmica? Por rebelião de polícias? Área de segurança nacional? Descontrole do Estado, como no chamado Polígono da Maconha? Municípios na faixa de fronteira? Tratando de um caso específico, foi a favor da intervenção federal no Espírito Santo, a que não ocorreu, no ano de 2002? Porque?

– Pediria ao senhor que fizesse uma análise profissional e política, pormenorizada, dos seguintes profissionais, quando no exercício de funções de chefia e liderança no órgão:

– A gestão de Vicente Chelotti como DG da PF?

– A gestão de Romeu Tuma como DG da PF? A presença política e profissional de Tuma no órgão?

– Qual é hoje, o grau de coordenação entre os MPs estaduais e Federal com a PF? Considera a atuação do GAECO do MP-SP e a Superintendência naquele estado como modelar? Qual seria então o tipo de coordenação, incluindo o nível dos recursos e o grau de autonomia tática, necessários para fazer frente as urgências investigativas e processuais?

– Como o senhor vê o papel da PF como órgão executor de repressão política e social? Esta função seria da ABIN? Seria da própria PF? Como se dariam então as antecipações necessárias para cumprir o trabalho? Deveria ser exercida, por exemplo, infiltração no MST e repressão às rádios comunitárias?

– O senhor vê necessidade da figura do delegado no processo de instrução, presidindo Inquérito Policial? Para que serve então o IPL? Como funcionaria então uma polícia exclusivamente investigativa e judiciária?

– Como o senhor vê o papel da FENAPEF e dos sindicatos estaduais na PF? Como o senhor vê o papel da ADPF e as respectivas associações e sindicatos estaduais de delegados, na PF? Tanto hoje como durante a gestão de Chelotti?

– Se o senhor fizesse um mapeamento da instituição, quantos setores de fato existem hoje? Seus interesses são conflitantes, são confluentes? Seus projetos para o órgão são conflitantes, são confluentes? A hierarquia do órgão exerce de fato poder de mando no conjunto dos servidores? Que setores têm autonomia dentro da própria instituição?

– Existe continuísmo na PF? Existe continuísmo de resquícios e pessoal do regime militar? Que relevância tem esse continuísmo, caso exista, para a filosofia de trabalho do órgão?

– Existe alguma transparência na PF? Que tipo de transparência e relação com a sociedade, na opinião do senhor, deveria existir?

– Caso o senhor tivesse poder de mando e execução, que mudanças realizaria na PF?

ENTREVISTA

BRUNO – Dr. Alciomar, como de praxe, vou pedir um breve resumo da carreira, que eu sei que é longa, e depois eu vou entrar na entrevista mais política em si.

ALCIOMAR – O Departamento de Polícia Federal é um órgão de carreira instituído por lei e está previsto na Constituição Federal artigo 144. Ele está estruturado em cargos de delegados de polícia federal, peritos criminais federais, agentes de polícia federal, escrivães de polícia federal e papiloscopista policial federal. Esses são os cargos do quadro da carreira policial federal. E nós temos as estruturas dos órgãos centrais que estão aqui em Brasília e os órgãos descentralizados, as unidades descentralizadas que são nas Superintendências em cada estado da federação e as delegacias implantadas estrategicamente em certos lugares do país num número de 78 atualmente hoje e 27 Superintendências. E nós temos aqui no edifício-sede onde está a Direção Geral, que é um Diretor-Geral auxiliado por 7 diretores que são as Diretorias. Tem a Diretoria Executiva, a Diretoria de Combate ao Crime Organizado, Diretoria de Inteligência Policial, Diretoria Técnico-Científica, Diretoria de Administração e Logística Policial, Diretoria de Gestão de Pessoal e uma diretoria que se chama Corregedoria Geral de Polícia Federal. Esses são os sete diretores que auxiliam o diretor geral na missão do DPF.

BRUNO – Qual é o cargo que o senhor ocupa hoje?

ALCIOMAR – Eu sou atualmente Diretor de Administração e Logística Policial. E dentro dessas diretorias tem várias Coordenações Gerais e Coordenações para facilitar o trabalho. Para facilitar o trabalho, para otimizar, foi montada essa nova estrutura para viabilizar uma maneira mais eficiente, mais eficaz de cumprir as atividades da Polícia Federal, as suas atribuições constitucionais.

BRUNO – O senhor entrou no Departamento quando?

ALCIOMAR – Eu entrei em 1980 como agente de polícia federal. Em 1983 eu fiz concurso interno para delegado de polícia federal, na época era permitido concurso interno. A partir da Constituição de 1988 não existe mais concurso interno, só concurso externo e aí eu passei a ser delegado. Estou há 3 anos em Brasília, trabalhando no edifício-sede, aqui junto, nos órgãos, no escalão superior da Direção Geral.

BRUNO – O que essencialmente modificou, eu sei que lendo a lei a gente tem acesso; mas na prática, o que mudou na atividade profissional de vocês depois da Constituição de 1988?

ALCIOMAR – O que realmente alterou e entendo que dificultou o trabalho da Polícia Federal foi que acabou a permissão do delegado de polícia federal expedir o mandado de busca e apreensão. Antes da Constituição de 1988 o delegado podia assinar o mandado e os policiais se dirigiam a algum local, prédio ou residência, e após o ler o mandado eles adentravam e apreendiam bens e objetos frutos de crime. Por exemplo, no nosso caso, entorpecentes, contrabando, vestígios de todo e qualquer crime da competência da Polícia Federal. Então, para fazer o levantamento das provas, os policiais, munidos desse mandado, eles tinham acesso a isso. Hoje, com a Constituição de 1988, nós só podemos entrar em qualquer residência com um mandado judicial, expedido por um juiz federal ou estadual, depende da comarca onde está a unidade da Polícia Federal. Munido desse mandado é que nós podemos adentrar numa habitação. Isso dá um transtorno porque, o princípio da oportunidade nós perdemos. Porque antes o policial que está fazendo uma investigação, está na campana, está na rua, está acompanhando, ele levanta o local, o depósito, a casa onde está guardado o produto do crime, ele vinha diretamente ao delegado, o delegado imediatamente expedia o mandado, os policiais iam lá e apreendiam com 100% de eficiência. Hoje nós temos que, o policial se dirige ao delegado, o delegado precisa fazer um ofício circunstanciado, justificado, encaminhar ao juiz, o juiz vai mandar muitas vezes usar toda a burocracia, protocolar o documento, movimentar na distribuição do fórum, até chegar ao juiz, e passa por muitas mãos esse documento. Então muita gente vai estar sabendo onde a Polícia vai bater, onde vai fazer uma busca, onde vai fazer uma diligência. E também a demora, porque até chegar à mão do juiz, o juiz está em audiência, o juiz está despachando, o juiz está julgando algum outro assunto e nós temos que aguardar ele concluir o seu trabalho para nos atender. Algumas exceções existem, tem juiz que nos atendem, interrompem uma audiência para nos atender e do próprio punho nos autorizam, no rosto do documento que o delegado expediu. Mas tem que ter um trabalho muito fechado, muito azeitado entre o juiz e o delegado para poder fazer isso aí. Senão ele manda por caminhos normais para chegar até ele, e aí nós perdemos o princípio da oportunidade. Quando se vai fazer a busca o traficante já fugiu, ou já dispensou a droga, já sumiu com o contrabando, ou com qualquer outro tipo de produto do crime.

BRUNO – A gente vê mesmo como leigo, até por filme e leituras, por exemplo, que a polícia americana trabalha em conjunto com a Justiça, isto em tese, não sei se funciona isso na prática. Essa morosidade brasileira facilita o delito?

ALCIOMAR – Com certeza. A dificuldade em ter mais agilidade em conseguir os mandados de busca, os mandados de prisões, isso acaba acarretando uma dificuldade para a Polícia agir, embora a gente tenha todo e qualquer delito em flagrante, a polícia pode já prender. Mas para ingressar em habitação geralmente tem que ter esse cuidado para evitar incorrer em abuso de autoridade. Porque se tem quase certeza que tem um produto de crime dentro de uma residência e por infelicidade for um policial lá sem o mandado de busca, que é flagrante, que é um crime permanente, por exemplo, tá uma droga lá dentro e nós não conseguirmos encontrá-la, nós estaremos cometendo um abuso de autoridade, invasão de domicílio. Então é por isso que sempre tem que se precaver em ir munido de mandado de busca. Agora, nós, a Polícia, ela faz o levantamento dos fatos, identifica os autores e indicia os autores, ouve testemunhas, faz os laudos periciais, relata o inquérito, encaminha à Justiça; que por sua vez leva ao conhecimento do procurador, que faz a denúncia ou pede outras diligências, ou pede o arquivamento daquele inquérito. Ele fazendo a denúncia e o juiz aceitando, transforma-se em processo, daí em diante é um processo já formado, é um processo judicial, que vai correr na Justiça. E aquelas provas que foram trazidas para os autos laudo inquérito, elas têm que ser convalidadas. As testemunhas vão ser reinquiridas, exceto o laudo, porque não precisa ser feito novo laudo, ele tem validade, porque ele é totalmente. Porque o inquérito é uma peça informativa, como dizem os juristas, mas na verdade, ele é a prova, a base da denúncia do procurador, é a base do processo. Sem o inquérito não tem as peças levantadas, não tem os elementos subjetivos e objetivos do crime. Então nós, através do inquérito, nós montamos todos os detalhes, quando, como, onde e por quem cometido esse crime.

BRUNO – Entrando nesse tema que seria uma polêmica atual, então o senhor seria a favor da manutenção do inquérito?

ALCIOMAR – Sim, a manutenção do inquérito é primordial. Sem o inquérito nós vamos dar mais margem para o bandido atuar livremente. Porque hoje, com o inquérito, ele vai ter que vir na polícia, ele vai ser identificado criminalmente, nós vamos ficar com todos os dados dele no prontuário criminal, que fica no Instituto Nacional de Identificação aqui em Brasília, centralizado. Conforme o caso as impressões digitais vão ser coletadas também, qualquer dúvida na identidade dele ou se ele não tiver identidade nós vamos coletar, embora ele já tenha dito que tenha sido identificado civilmente. Porque a partir da Constituição de 1988 também todo aquele que tem identidade, que foi identificado civilmente, não é mais como se dizia antigamente, “tocar piano”. Porque antes, até 1988 todo o cidadão que fosse indiciado em inquérito, ele tinha que coletar as impressões digitais dos 10 dedos, isso vinha também para o prontuário. Hoje a Polícia Federal está adquirindo um sistema de identificação criminal, com o sistema novo todos os prontuários, onde todas as impressões datiloscópicas serão jogados para dentro do sistema e ele vai depois processar milhões de algoritmos e vai dizer quem é quem. Se nós pegarmos num local de crime, um fragmento, uma impressão digital, nós vamos recolher, jogar para dentro do sistema, ele vai processar e ele vai dizer se a pessoa já foi indiciada na Polícia Federal ou não. Ou, depois, quando estiver tudo interligado na Polícia Civil, pela Secretaria de Segurança Pública, ele vai dizer que aquele fragmento, aquela impressão digital é de tal pessoa. É, aí nós temos condições de com certeza afirmar. Hoje isso é feito manualmente, a olho, com lupa, a pessoa vai fazer a classificação, pois cada dedo tem um tipo de impressão, pela impressões, pelo sistema de classificação. Então tem uma classificação e em cima daquela classificação ele vai ser arquivado. Mas aí a pessoa tem que manualmente, quando se pega um suspeito se colhem as impressões eles vão classificar, depois vão nos fichários fazer manualmente, e isso é muito demorado e até passível de erro, às vezes.

BRUNO – Deixa eu retornar a uma coisa da Constituição de 1988 que é a manutenção das fronteiras. Em relação ao controle das fronteiras, o Departamento, ou mesmo o senhor é a favor da criação de uma Guarda Fardada dentro do Departamento. Ou de um órgão novo, como o senhor vê essa proposta?

ALCIOMAR – Nós tivemos, inclusive foi antes, no final do governo Fernando Henrique Cardoso, nós propusemos, a Polícia Federal propôs a criação de uma Polícia Fardada. Então, um segmento fardado da Polícia Federal, nem era fardado, era uniformizado, é um segmento uniformizado da Polícia Federal. Seria um concurso com o nível médio de escolaridade, que hoje para ingresso na Polícia Federal, todos eles tem de ter nível superior. Para agente, o escrivão, papiloscopistas que é um nível intermediário dentro da Polícia Federal, ele tem que ter nível superior, eles exigiram ter 3º grau completo. E para esse segmento fardado teria que ter apenas o 2º grau. Então nós teríamos um pessoal a mais para trabalhar direto, inclusive sendo subordinado até ao agente. Que podendo, ele seria um coordenador da operação no local onde estaria. E nós teríamos uma equipe muito maior e uniformizada, se identificaria os policiais nas fronteiras, nos portos, nos aeroportos, e seria um trabalho até mais braçal praticado por esse servidor.

BRUNO – Essa Guarda seria subordinada ao Departamento?

ALCIOMAR – Sim. Não seria Guarda. Quando esta exposição de motivos foi para o ministro e o ministro mandou para o Congresso é que eles trocaram, botaram “guarda fardada”. Foi aprovada essa Medida Provisória número 51 no ano passado e depois foi rejeitada pelo novo governo, foi arquivada essa Medida Provisória, essa Medida acabou. Aí que foram criados agora os cargos de administrativos, que foi permitido a contratação por concurso de 1.500 técnicos administrativos de nível médio e vai ter também nível superior. Isso para ser um quadro auxiliar da Polícia Federal para auxiliar nos trabalhos.

BRUNO – Uma pergunta sobre a fronteira e intervenção federal. O senhor e/ou o Departamento, não sei como o senhor responderia. O objetivo meu seria a opinião pessoal, mas vale a do Departamento. A proposta anterior do general Cardoso, de criar para uma Guarda Nacional, qual é a posição do Departamento?

ALCIOMAR – É, a Guarda Nacional, aí eu não tenho nada o que opinar, isso aí já é uma questão de governo, a Guarda Nacional. Agora, o que eu falo é a questão do segmento fardado da Polícia Federal, que eles colocaram depois “guarda fardada”, mas não é isso aí. Seria um segmento fardado, de policiais federais, da Polícia Federal só que um segmento fardado. Para cuidar das fronteiras, portos e aeroportos, ficando melhor identificados e inclusive podendo ter um trabalho mais braçal, mais direto, podendo fazer inspeção em bagagem, inspeção em veículos, subir em caminhão, olhar nas fronteiras o que é que ta tendo. Então seria esse pessoal para atender. Mas infelizmente não foi avante isso aí. Saiu como medida provisória e depois com o novo governo mandou arquivar isso aí. Agora, a Guarda Nacional é um vai-e-vem. Esses comentários, essas sugestões de criar e não criar. Isso aí te que ser muito bem pensado porque isso aí seria uma força, eu entendo que quase que meio paralela da Polícia Federal. A Polícia Federal já é nacional, ela atua em qualquer parte do Brasil. E uma Guarda Nacional só seria um segmento fardado também. Então eu acho que se deveria dar mais condições para a Polícia Federal, aumentar substancialmente o efetivo da Polícia Federal, que nós atenderíamos às atribuições que estão na Constituição, que competem à Polícia Federal sem problemas.

BRUNO – Por exemplo, numa intervenção federal como a do Espírito Santo que não houve, caberia ao Departamento também fazer uma ocupação ostensiva do estado, já que todo o comando da PM de lá estava sob suspeita?

ALCIOMAR – Se o governo federal….foi feito um convênio lá, inclusive. A Polícia Federal está atuando lá, inclusive fazendo um trabalho que até é da competência da polícia estadual por força de um convênio entre o governador e o ministro da Justiça. Agora, lá no Rio de Janeiro não, é, no Rio de Janeiro é atuação única e exclusivamente da Polícia Federal diretamente trabalhando nas suas atribuições, ela não vai fazer nenhuma atividade que seja da competência da polícia estadual, tanto a militar quanto a civil. Nós estamos lá fazendo o que é da competência da Polícia Federal, o que está na Constituição: combater o crime organizado, combater o tráfico de entorpecentes, combater o contrabando, combater a sonegação fiscal, combater a lavagem de dinheiro, o tráfico de armas. Isso é o que está sendo feito no Rio de Janeiro, por isso não precisa convênio nem nada. Nós estamos dentro de nossa atribuição. Já lá no Espírito Santo não houve uma intervenção, que foi pedida mas não houve, houve um convênio. E a Polícia Federal foi lá auxiliar o estado a combater o crime organizado. Inclusive fazendo operações, que teve lá, que era tudo competência da polícia estadual. Por esse motivo foi feito um convênio.

BRUNO – Doutor o que chega para nós como leigo, através da mídia mesmo é que a PF teria um nível de enfrentamento maior com o crime organizado. Ou seja, quase que a PF enfrentaria mesmo o crime organizado e as polícias estaduais enfrentariam quadrilhas e bandos. Para enfrentar uma organização criminosa hoje no país a gente normalmente esbarra em lavagem de dinheiro, correto? Isso eu acho que é quase inevitável. Daria para colocar que parte da elite financeira do país, parte da elite empresarial do país, estaria envolvida com esse tipo de atividade, seria parte sob suspeita?

ALCIOMAR – Olha, eu não posso dizer isso aí, eu não tenho elementos para te afirmar isso aí. Agora, a lavagem de dinheiro, a sonegação fiscal e a evasão de divisa são grandes. Isso está provado que nos últimos levantamentos, inclusive o caso do Banestado é uma prova, mais de 30 bilhões de reais que saíram dos cofres do Brasil via lá inclusive Foz do Iguaçu. Mas o que acontece é que o crime só cresce porque existe um expressivo abastecimento de recursos. Então, nós temos como exemplo a aquisição de armamento pesado pelas quadrilhas, porque eles têm recursos, eles contrabandeiam armas, porque eles têm maneira de adquirir isso facilmente, de trazer, transportar. E, da onde que vem este dinheiro? Do roubo de cargas, que agora a Polícia Federal criou uma Delegacia Especializada em Combates aos Crimes Patrimoniais. Então, roubo de carga interestadual praticada por quadrilha ou bando é também de competência da Polícia Federal. Então, o que acontece, através desses crimes é que eles abastecem com recursos, porque hoje todas as empresas têm seguro das cargas, dos caminhões. Então dificilmente é divulgado, é combatido com mais eficiência, mais eficácia esse roubo. Porque muitos nem vão na polícia se queixar, vão lá pedir e apelar para descobrir. Eles só fazem o registro para fins de receber o seguro. O seguro é nas nuvens o valor do seguro, porque as seguradoras estão pagando fortunas em seguro devido a grandes roubos. Carga de medicamentos, carga de material de informática. Isso aí depois os assaltantes conseguem repassar isso aí para grandes redes o furto, o roubo, esse produto do crime. Então, o que acontece? Isso produz recurso, produz dinheiro, é uma forma de financiamento ao crime. As quadrilhas querem parar de assaltar banco, mas tão roubando carga. Então, até diminuiu o número de assaltos a bancos, hoje é o crime de tráfico de drogas, que está muito grande, e a sonegação fiscal. Então agora começou a aparecer a ponta do iceberg, em muitos casos aí a Polícia Federal desvendou, levantou, de evasão de divisa, de lavagem de dinheiro.

BRUNO – Um exemplo poderia ser Banestado?

ALCIOMAR – Um é o Banestado. Começou tudo com aquele famoso esquema PC, né, naquele negócio é que começou a aparecer. E onde a Polícia Federal começou a se estruturar.

BRUNO – O titular do inquérito foi o atual D-G né, o delegado Paulo Lacerda?

ALCIOMAR – É, ele foi que começou, quando deu início a uma Divisão de Combate ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais, antiga DECOI. E ele foi o precursor, foi o que chefiou essa Divisão, e foi o que presidiu o inquérito PC. Depois foram vários outros inquéritos desmembrados daquele ali.

BRUNO – Mas a pergunta que eu lhe faço como leigo é. Se vocês apuram, chegam tão perto e por que nunca prende ou quase nunca pega?

ALCIOMAR – Olha, o que acontece, geralmente o crime do colarinho branco é praticado por quem tem dinheiro. O pessoal que está sonegando, tem dinheiro. Tendo dinheiro, entra em todas as brechas da lei, em todos os recursos que a lei permite ele entra. Ele contrata as melhores bancas de advogados, eles impetram tudo o que é recurso, agravo de tudo o que é maneira e que até ser definitivamente combinado ou absolvido, demanda muito tempo. Por exemplo, no caso do Lalau (obs. nossa, juiz do TRT de São Paulo, Nicolau dos Santos Neves) foram muitas idas e vindas e agora está em liberdade, em prisão domiciliar, praticamente em liberdade. Ta em prisão domiciliar, está em casa. Então são idas e vindas porque tem como entrar com recurso, tem como pagar advogado e o advogado realmente vai procurar na lei tudo o que é maneira de poder defender seu cliente. Já uma pessoa, um pobre que não tem recurso, não tem como contratar um advogado ou contrata um advogado, que está começando em carreira ou que não é expressivo no meio jurídico, até isso pesa. Se pega um advogado de renome, isso pesa, quando a Justiça vai julgar, porque o cara tem cacife, o cara tem defendido grandes empresários, grandes pessoas e que têm às vezes teses que ele defende que têm inclusive jurisprudência afirmada, às vezes em cima. Então ele consegue fazer a sua tese.

BRUNO – O que eu lhe pergunto é quase no senso de justiça. Vou lhe dar um exemplo, eu não sou de Brasília, estou vindo aqui pela segunda vez. Confesso que tomei um susto, porque caminhando pelas ruas, de cada três obras uma pertence ao Grupo Paulo Otávio outra do Grupo OK. Dois alvos de CPI e indiciados e investigados pela Polícia Federal. Dão dá uma sensação de impunidade?

ALCIOMAR – São grandes empresários, com poder financeiro grande, com influência na comunidade. Agora, existem realmente apurações, e a Polícia Federal faz sua parte, faz o inquérito, foram feitos inquéritos, que foi feito desses empresários e foi para a Justiça. Até o ex-senador Luís Estevão que é do Grupo O K já foi preso pela Polícia Federal. Mas é o Judiciário que, também eles não tão fazendo nada arbitrário. Eles usam e têm que cumprir a lei também. Então, se os advogados impetram mandato de segurança, impetram habeas corpus, recursos, agravos, tudo o que existe na lei que permite, eles estão tomando todos os remédios jurídicos. Então, obviamente que a Justiça tem que ser pautada pela lei, não pode fugir da lei. Então, obviamente que dá a sensação de impunidade, e a morosidade com que se chega o processo. Por isso que dá a sensação de impunidade, porque leva tanto tempo para depois ser condenado anos e anos depois, o cara já está com mais de 70 anos de idade, tem privilégios, ou morreu. O que aconteceu? O cara não foi punido, como foi o caso do PC. O PC não chegou a ser preso, ficou só um pequeno período como preventiva, mas condenado, pena ele não cumpriu, e isso dá uma sensação de impunidade. O Lalau mesmo, ele ficou um tempo aí e agora já está com uma prisão domiciliar. Quanto tempo ficou aí dando entrevista e passeando, e carrões, e apartamentos, e a Justiça quanto tempo levou para conseguir chegar depois no final do processo, não é?

BRUNO – Citando o caso do juiz Nicolau, eu gostaria de lhe fazer uma pergunta. Era público e notório que ele havia sido nos anos ’70 um dos financiadores da OBAN, da Operação Bandeirantes em São Paulo. Esse círculo de influência desse tipo de gente não esbarra em outra comunidade de inteligência que ainda está atuando? Vou lhe dar um exemplo numérico que nós como leigos, temos. Lá na ABIN, 2000 efetivos continuam e que foram do antigo Serviço, não é? É e foram feitas apenas 80 vagas para concursos de fora após a democracia. apenas. Isto não esbarra em outro tipo de comunidade de inteligência que seria concorrente ou disputa o mesmo espaço?

ALCIOMAR – Não porque a ABIN é uma agência de inteligência do governo federal, ele abastece o presidente da República com informações de interesse do presidente da República. Conforme o governo, muda o tipo de interesse das informações que ele precisa, que ele quer, que ele necessita. Ele tem que estar sendo informado do que está acontecendo para ele tomar medidas que antecedam algum caos ou algum problema. Ele tem que saber de todas as áreas, e eles são analistas experientes, que trabalham há anos no Serviço Nacional de Informações, antigo SNI, depois na SAE e hoje na ABIN. E foi feito concurso para repor alguns quadros, realmente eles alegam que tem defasagem, mas eles atendem exclusivamente a Presidência da República. Então sobre toda e qualquer atividade do país eles têm que estar inteirados, têm que estar acompanhando e informando em tempo hábil a Presidência da República e o Gabinete de Segurança Institucional, né, Eles têm que estar abastecendo de informações. Já a Polícia, por exemplo, nós temos nosso serviço de inteligência mas ele está voltado para o crime, para a corrupção, para o desvio de conduta.

BRUNO – Essa pergunta que eu lhe faço, não esbarraria num jogo de interesses de gente que ocupa posições de poder hoje fundamentais?

ALCIOMAR – Eu acho que não porque as instituições elas não podem ser partidárias, elas não são de cores partidárias, e nem por governo. Ela é um órgão de Estado, é uma unidade, é uma instituição do Estado. A Polícia Federal ela está acima, trocou um partido, trocou o governo, ela continua fazendo seu serviço independente, antes era o Fernando Henrique hoje é o Lula. Antes era o PSDB agora é o PT. Não importa, a Polícia Federal está acima disso aí, a Polícia Federal foi instituída para proteger a sociedade, para combater o crime. Então, é isso que ela faz. Ela está atrás do crime, do criminoso, não é polícia do governo, ela não é uma polícia do Presidente da República. Nós estamos a serviço do presidente, nós estamos a serviço da sociedade, do país, do Estado, nação brasileira.

BRUNO – Uma pergunta mais de ordem técnica: hoje para dar resposta à tecnificação do crime organizado como organização criminosa, que tem hierarquia, que funciona como uma empresa, por vezes como uma transnacional, o que o senhor como técnico orientaria, qual seria a primeira medida para apurar e dar esse combate ao crime organizado?

ALCIOMAR – É o trabalho de inteligência que está sendo feito, é isso aí, é um trabalho de inteligência. Não adianta chegar, ninguém tem bola de cristal para chegar no lugar e saber quem é criminoso e quem não é criminoso, se tem quadrilha, se não tem quadrilha e quem são os componentes da quadrilha, não se tem isso aí. É através de um trabalho de inteligência que demanda tempo e recurso. E isso realmente demanda muito recurso e muito tempo. Não é do dia para a noite que se vai conseguir levantar toda uma quadrilha. É que não adianta também começar a pegar alguns dados e começar a estourar, porque também não vai adiantar nada, tu não vai conseguir desmantelar a quadrilha. Tu tem que aprender a apreender o produto do crime e prender os criminosos. Não adianta só prender alguns, não adianta, tem que quebrar eles financeiramente também.

BRUNO – E quando o produto é uma moeda virtual, que é a moeda digitalizada. No caso da moeda virtual, que é uma moeda vinculada à lavagem de dinheiro, implicaria, por exemplo, em praticar inteligência financeira?

ALCIOMAR – Também, aí tem o COAF, que é um órgão do governo, pertencente ao Ministério da Fazenda, que faz todo um levantamento de crimes de lavagem de dinheiro. Se eles suspeitam de crime de lavagem de dinheiro, de evasão de divisa, eles acompanham, então, eles já recebem todos os dados sigilosos do Banco Central e, sendo acima de determinado valor, eles examinam, acompanham. Inclusive depois o governo pode repatriar recursos, valores, como no caso da Georgina, além de outros tantos aí. Que o governo depois, é certo que é uma burocracia, mas o governo tem tentado trazer e tem trazido alguma coisa de volta ao país.

BRUNO – Quando o senhor colocou sobre a questão do princípio de oportunidade. Há alguma obrigação legal para, por exemplo, fazer uma infiltração numa empresa suspeita hoje?

ALCIOMAR – Ainda não. Eu não saberia te dizer exatamente. Foi pedido, numa ocasião, através de um decreto que teve mas foi vetado na época pelo Fernando Henrique Cardoso, infiltração de policiais em quadrilha. Me parece…como eu não sou dessa área, a minha não é de crime, a minha é de modernização, planejamento, essa outra parte vinculada à logística, então eu não saberia te dizer como está isso aí, se já foi ou não, mas me parece que já estava sendo permitida a infiltração, mas me parece, teria que levantar essa informação com a área policial mesmo, com a área operacional, que poderia te dizer até a questão da parte do crime organizado nosso. Essa do crime organizado é uma nova Diretoria foi criada, Diretoria de Combate ao Crime Organizado, onde nós temos 3 Divisões: uma de Repressão aos Crimes Financeiros, uma de Repressão aos Crimes Patrimoniais e uma de Repressão ao Tráfico Ilícito de Armas, especificamente para agir em todo o Brasil nesse focal, nesses pontos.

BRUNO – Nesse sentido, eu como leigo, eu para formular esta pergunta eu serei obrigado a fazer duas. Não haveria a necessidade de ter mais adido policial lá fora, como especificamente em Miami e no Paraguai, além de outras rotas?

ALCIOMAR – Com certeza. Nós estamos trabalhando para criar novas adidâncias; inclusive uma no Uruguai, uma nos Estados Unidos, uma na França, uma em Portugal, não lembro a outra, são 5 adidâncias já bem adiantas para serem criadas o todo… Isso nos dá realmente uma troca de informações, agiliza a troca, eles auxiliam os embaixadores lá no país, os nossos adidos, e facilitam o intercâmbio de informações junto as adidâncias policiais dos outros países, especialmente onde eles estão ali creditados. Então isso facilita muito.

BRUNO – Há convênio hoje com a Itália, com a polícia anti-máfia italiana, e especificamente nas políticas anti-máfia da Itália?

ALCIOMAR – Existe troca de informações com todas as polícias através da Interpol, que está em 161 países, mas existe também aquele o intercâmbio lá dos juízes, que vêm dar palestras palestras para os juízes brasileiros.. Inclusive aquele juiz que morreu, o Falconi, tem até um Instituto Falconi né, que foi criado. Então eles até vieram no Brasil, deram palestra, de como combater a máfia, como eles fizeram para combater a máfia italiana, foi um trabalho chamado Mãos Limpas, né…

BRUNO – Dr., eu queria entrar no último ponto da entrevista, que é a discussão de modelo. Quando o ministro Márcio Thomaz Bastos declara, diz que gostaria ver a PF como quem vê o FBI, eu entendo que aí se cai na discussão da Lei Orgânica. Na proposta da Lei Orgânica, o senhor e/ou o Departamento, são a favor do cargo único hoje?

ALCIOMAR – Olha, eu não vou entrar nesse mérito, porque é o seguinte: foi feito um trabalho por uma comissão, uma comissão instituída com representantes das entidades de classe, com representantes de todas as categorias, delegados, peritos, agentes, escrivão, papiloscopistas. Todos estiveram presentes, tiveram acento, e fizeram o trabalho a quatro mãos e apresentaram para o Diretor, e o Diretor que mandou para o Ministério. Está lá, isso vai para o Congresso, devem sofrer feitas algumas alterações, algumas discussões, aperfeiçoamentos e eu entendo que como está estruturada a Polícia Federal, está funcionando bem, porque nós estamos calcados em cima da hierarquia e da disciplina. Nós temos hoje as nossas classes, os nossos cargos estão estruturados, e isto já vem há muitos anos assim, desde o início. E isso, eu entendo que nós precisamos de uma Lei Orgânica para fortalecer ainda mais a instituição, para ficar mais forte, indestrutível e seguir a sua carreira mesmo. E quanto à declaração do ministro, que ele realmente queria deixar no padrão do FBI, que ele cita. Mas, a Polícia Federal, quando foi instituída da também, ela foi estruturada em 1964, ela foi dentro dos padrões das polícias do Canadá, da Inglaterra e dos Estados Unidos. Houve esse apanhado do que tinha e foi estruturado mais ou menos dentro do que estas polícias tem. Só que a Polícia Federal é uma polícia que em outros países são várias polícias que têm. Aqui a Polícia da imigração é dentro da Polícia Federal, enquanto nos Estados Unidos é separado. Nós temos a inteligência dentro da Polícia Federal, nós temos a Interpol dentro da Polícia Federal, nós temos a entorpecentes dentro da Polícia Federal, os crimes financeiros dentro da Polícia Federal, os crimes de contrabando dentro da Polícia Federal, os crimes ambientais dentro da Polícia Federal, os crimes previdenciários. Todo tipos de crime, todo tipo de combate, de atividades ilícitas e outras atividades de tipo administrativa, como segurança privada, que controla todas as empresas de vigilância, de transporte de valores, as agências bancárias que tem os planos de segurança tudo é controlado pela Polícia Federal. No Brasil é tudo uma polícia só. Então é uma gama de atribuição muito grande na Polícia Federal, tudo dentro de um Departamento. Então é muito pequeno o nosso efetivo para dar conta disso aí e assim mesmo a gente consegue fazer um bom trabalho.

BRUNO – Entrando nesse mérito, seria um dos último. A gente como observador de fora do meio, a partir da ótica da sociedade, para a maioria dos casos se vê uma a PF como uma exclusão no meio policial brasileiro, ou seja, a comparação não existe. A que o senhor atribui isso?

ALCIOMAR – Eu atribuo essa grande visibilidade, esse grande depósito de confiança da sociedade brasileira faz na Polícia Federal devido à sua estrutura em cima da hierarquia e da disciplina. E da sua determinação em não compactuar com desvio de conduta. A Polícia Federal quando descobre, como foi, to te dando um exemplo de ontem, foram 11 policiais federais, ela corta na carne, ela corta na própria carne. Ela prende o cidadão, ela instaura um processo disciplinar, ela propõe a demissão porque só quem demite é o presidente da República, ela faz tudo para apurar o crime dando inclusive todas as garantias de defesa desses maus policiais, que assim permite a nossa Constituição e as nossas leis. Como também nós fizemos no início desse ano a Operação Sucuri lá em Foz do Iguaçu, quando se prendeu três policiais rodoviários, quatro técnicos da Receita Federal e 23 policiais federais, que trabalhavam na ponte. Todos foram presos, em flagrante, todos estão sendo processados e inclusive a parte disciplinar está sendo realizada. E não é só aí, nós já prendemos delegados da Polícia Federal, peritos, agentes, escrivães, não é só o policial de nível intermediário, ou o que está na rua não, é qualquer um. Nós tivemos casos, muitos casos de apurar e que vem sendo apurados, nós temos uma Corregedoria Geral muito forte e em cada Superintendência tem uma Corregedoria Estadual. E nós temos ainda o nosso serviço de inteligência que trabalha em cima dos crimes, mas também dos desvios de conduta, que ela acompanha, ela sabe. Então isso aí dá um poder de acompanhar pari passo as atividades policiais. Então nós podemos prender, ós somos pagos pelo Estado para defender o Estado, somos pagos pela sociedade para dar uma sociedade justa e sadia. Nós não podemos permitir que pessoas, porque estejam escudados numa carteira e numa arma estejam atrás da trincheira cometendo crimes. Então nós temos que expulsar, que expurgar esses elementos realmente, não podemos permitir. Por isso que a credibilidade da sociedade depositada na Polícia Federal é grande. E nós temos a cada dia, o ministro da Justiça colocando a Polícia Federal à disposição para trabalhar, ontem por exemplo colocou a Polícia Federal para ajudar a descobrir o assassino do diretor, os autores do assassinato do diretor de Bangu 3, que foi morto ontem. Isso não é competência da Polícia Federal, é um crime comum da competência da polícia estadual, mas a Polícia Federal colocou seu trabalho à disposição. Nós estamos em operação em todos os lugares do Brasil, nós temos operação em Pernambuco, Operação Vassourinha, foi chamada, em que fizemos prisões de policiais nossos também lá. Fizemos operação no Espírito Santo, combate ao crime organizado; operação no Rio de Janeiro, contra o crime organizado, operação grilagem aqui em Brasília, tem até um parlamentar, um deputado distrital preso e oito outras pessoas, inclusive um policial civil também. Então, são operações que são feitas com critérios, levantamentos, por isso é que eu digo é o trabalho de inteligência, que tem que ter, não pode chegar e dizer “ah, esse cara é cúmplice, é culpado” Não, nós temos que ter certeza, temos provas que foram levantadas com bastante antecedência num trabalho difícil, árduo, mas que deu elementos para chegar no momento e pedir um mandado de prisão para o juiz, pedir um mandado de busca, e realmente cumprir, e está aqui a prova. Porque, porque a Polícia Federal faz isso com critério, faz isso com inteligência, usando a inteligência, então ela sabe quem é quem na história.

BRUNO – Uma pergunta mais de fundo histórico, A PF era foi quase que imaculada no regime militar, seria porque ela atuou pouco na repressão política?

ALCIOMAR – Ela, é porque eu sempre digo, a Polícia Federal não é uma polícia do governo, é uma polícia do Estado. Então, mesmo na repressão, ela não agiu, ela fazia, inclusive sobrava para nós, quando os presos eram encaminhados para a Polícia Federal depois que o Exército fazia as prisões e nós fazíamos o inquérito. Então a Polícia Federal não teve assim uma repressão violenta, por esse motivo ela sempre agiu também dentro da lei, né? Então esse é o motivo que a Polícia Federal não teve essa pecha, de ter sido a Polícia de repressão na época da subversão e tudo o mais. Então ela saiu assim. Foi estruturada sempre dentro da carreira, e a Polícia Federal ela primou pelo cumprimento da lei, sempre fazendo cumprir a lei e sempre dentro das garantias individuais. Até o hino da Polícia Federal, ele já reflete isso aí, num dos versos ele diz: “defendemos os direitos humanos”, já desde 1964 a Polícia Federal já cantava seu hino, que é executado todos os meses pela Polícia Federal, uma vez por mês, que é um dia de hasteamento da bandeira, de forma solene, se executa o hino do DPF. Então é quando que nós mostramos, que isso não é de agora, é desde de 1964, quando o nosso hino foi feito.

BRUNO – Uma última pergunta, em outros depoimentos eu ouvi sempre em relação ao capital humano que a PF tem. A infra seria muito deficitária, pouco orçamento, mas alto capital humano. Isso aí é devido à exigência de ensino superior?

ALCIOMAR – Especialmente a partir de 1996 quando saiu a reestruturação da Polícia Federal, que foi exigido então 3º grau completo. Então, de lá para cá só entram pessoas com terceiro grau. E nós temos visto, assistido e participado, que eu também leciono na Academia da Polícia Federal, e a gente vê também pessoas com mestrado, doutorado, profissionais liberais de todas as áreas, auditores do Tesouro Nacional, auditores do Banco Central, promotores, juízes estaduais, advogados, psicólogos, farmacêuticos, bioquímicos, engenheiros de todas as áreas, dentistas, veterinários, de todas as áreas profissionais nós temos tido uma fluência muito grande, o pessoal tem vindo. Então, isso aí só tende a elevar cada vez mais o nível da Polícia Federal. Hoje o policial federal tem um curso superior e tem uma especialização, ele vai fazer um trabalho, faz um verdadeiro laudo. Então nós temos ainda os peritos, que são especializados só para fornecer laudos, fazer as perícias, examinar, que são as pessoas altamente especializadas. E a Polícia Federal está sendo dotada das melhores condições agora com o projeto que a gente tem aí chamado Projeto Pró Amazônia Promotech, que é um projeto de 425 milhões de dólares, financiamento externo, exclusivamente para reaparelhar e equipar a Polícia Federal. Começamos em 2000, agora estamos no terceiro ano, e é até 2006 que vai. Então nós estamos utilizando esses recursos exclusivamente para a Polícia Federal, adquirimos já 4 helicópteros, adquirimos 5.700 computadores, adquirimos 10 botes, adquirimos 6 carros blindados para segurança de dignatários, para transportar autoridades internacionais, ministros, etc, que vêm visitar ao Brasil. Tem em São Paulo, Rio e em Brasília esses veículos. Estamos construindo nosso Instituto Nacional de Indentificação, que hoje é de 1400 metros, vai para 10 mil metros quadrados e vai ter todos os laboratórios dos mais modernos que existem, desde DNA, de droga, balística forense e tudo o mais. Então nós vamos dotar todo esse nosso Instituto no que tiver de mais moderno existe em tecnologia para fazer análises laboratoriais, balística, meio ambiente, endocrinoscopia, tudo o que existe desde de DNA e drogas, vai ter.

BRUNO – O senhor é afirmou por várias vezes que a função e o funcionamento da Polícia Federal sendo baseada na hierarquia e na carreira. A pergunta que eu lhe faço é a seguinte: quais foram os efeitos da greve de 1994, e se foi uma conquista dessa greve a exigência do ensino superior?

ALCIOMAR – Olha, eu acho que como a Constituição de 1988 permitiu que a manifestação de opiniões, de idéias e até permitiu o movimento sindical, a criação de sindicatos, que as polícias mesmo montaram sindicato. Toda a reivindicação, eu acho que é justa, desde que seja pacífica, desde que seja ordeira, então eu acho que ela é válida. Pois quem não quer melhorar as condições de trabalho, quem não quer melhorar seu salário? Todo o mundo quer, qualquer um, desde a iniciativa privada, eu acho que é justa, mas tem que ser ordeira, tem que ser pacífica, tem que ser racional, isso eu concordo. Agora, subverter a ordem e as leis, aí eu acho que nós estamos cometendo um crime, não é nem a reivindicação, aí já estamos cometendo um crime. Como aconteceu ontem no Congresso lá (obs. nossa, o delegado fala das manifestações contra a Reforma da Previdência, quando no período da tarde, manifestantes quebraram alguns vidros da entrada do Congresso Nacional), no momento em que as pessoas começam quebrar vidraça, já estão cometendo um dano a um patrimônio público, ainda mais que é um patrimônio tombado, patrimônio da União, patrimônio mundial e tudo o mais. Então isso aí eu acho que já degringolou a coisa, já acaba partindo para a esculhambação, para a anarquia. Eu acho que tem que ser tudo organizado. A Polícia Federal realmente, a partir daquela greve, que anos depois ali foi feito, foi equiparado, equiparado não, aumentado os salários substancialmente dos agentes, dos escrivães e dos papiloscopistas, e não tem nada a esconder, melhorou substancialmente o salário deles e até o relacionamento que existia antes. Existia um problema que o pessoal alegava que a classe dos delegados estava muito alta de salário e a deles estava muito baixa. Então existia aquele descontentamento. No momento que praticamente um policial, um agente no fim de carreira está ganhando igual a um delegado em início de carreira, então agora eu acho que as coisas estão bem niveladas. Então eu acho que está bom. São bandeiras que os sindicatos levantam e defendem, né. Claro que nós temos que ter bom senso, tudo tem que ser trabalhado com bom senso, com racionalidade. É como eu digo, todo mundo quer melhorar de vida, eu acho que isso é justo.

BRUNO – Dr., as perguntas terminaram, teria alguma coisa que o senhor queira adicionar ou deixar em depoimento?

ALCIOMAR – Eu acho que é interessante seu trabalho, até a gente gostaria de depois, se tiver condições, depois que defender a dissertação, de mandar uma cópia da monografia, manda para nós para a gente ter também aqui nossos anais aqui mostrando. E é coisa assim, também que a gente precisa desmistificar, as pessoas acham assim que a Polícia é uma caixa-preta e não é. A Polícia Federal não tem nada a esconder, nós temos, claro, certos trabalhos que fazem parte da inteligência policial, mas POLICIAL, né. Então é um trabalho estritamente profissional, do qual não podemos dar conhecimento enquanto não estourar, então depois que estourar é que se dá conhecimento, sai na televisão, na mídia, nos jornais, ou dar conhecimento por aí sobre a prisão desses próprios policiais. Policial prendendo policial, agente prendendo agente, né. E eu digo aliás que esses não são nem policiais, são bandidos. Porque depois que está com uma carteira e uma arma, e cometendo crimes, é mais bandido que o bandido, porque está com informações privilegiadas. Agora, está aí a credibilidade. O próprio policial vai lá combater outro policial, o que está cometendo a coisa errada, aquele que se desviou do caminho certo. Então, foi uma opção que ele fez e ele vai ter que arcar com as conseqüências, e cabe à Polícia Federal estirpar, apurar e identificar o joio do trigo. E nós estamos fazendo isso aí. Eu acho que a Polícia Federal está de portas abertas, a sociedade precisa conhecer a Polícia Federal, precisa apoiar a Polícia Federal. A Polícia Federal tem feito, não digo só porque eu estou dentro da casa, mas tem feito relevantes e inúmeros trabalhos de interesse de toda a nação. Tem feito independente de cores partidárias, independente de seja quem for, a Polícia Federal tem feito ótimos trabalhos. É só pegar aí os últimos anos, ver pela mídia o que foi feito com grandes empresários, com políticos, juízes, até desembargadores a Polícia Federal conseguiu, através de um trabalho sério de investigação, apresentar até aos tribunais gente de dentro que estava envolvidos com facilidades. Então, isso acontece através de um trabalho que a Polícia Federal desenvolve sério. E a sociedade precisa apoiar. Nós precisamos ter o apoio, tendo o respaldo da sociedade, nós poderemos trabalhar sempre em prol da sociedade.

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