“ (...) aqui no Brasil quando uma instituição começa a aparecer muito na mídia, passa a ser vitrine. Então começa a ser destaque, então para tentar denegrir a imagem, ou como se diz na gíria popular, ‘fritar aquele que está à frente’. E a pessoa, quando começa a aparecer, há ciumeira”.  - Foto:Diref
“ (…) aqui no Brasil quando uma instituição começa a aparecer muito na mídia, passa a ser vitrine. Então começa a ser destaque, então para tentar denegrir a imagem, ou como se diz na gíria popular, ‘fritar aquele que está à frente’. E a pessoa, quando começa a aparecer, há ciumeira”.
Foto:Diref

Entrevista com o delegado de polícia federal (aposentado) BOLÍVAR STEINMETZ, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) – quando da data do trabalho. A entrevista ocorrera em Brasília, no dia 05/08/2003, na sede da entidade corporativa dos delegados. A mesma fez parte do trabalho de dissertação de mestrado em Ciência Política (PPG Política/UFRGS, com bolsa de dedicação exclusiva da CAPES), com o título:

“A Polícia Federal após a Constituição de 1988: polícia de governo, segurança de Estado e polícia judiciária.”

 

Uma vez que as entrevistas (são quatro) constaram como Anexo da dissertação e fica absolutamente impossível considerar sua publicação junto do livro fruto deste trabalho, optei por publicá-las aqui, em sequência, na condição de Teoria. Teoria por ser um trabalho direcionado, roteirizado, com objetivos analíticos precisos. O conjunto das entrevistas aparecera no texto final da dissertação como Anexo I.

Consta neste Anexo I, entrevistas com representantes das entidades estudadas e da Direção-Geral, gestão Paulo Lacerda. Todas as entrevistas foram realizadas em Brasília, no mês de agosto de 2003. Estão apresentadas em ordem cronológica, tem suas páginas numeradas e não foram editadas (estão na íntegra). Abaixo, antes de entrar nas entrevistas, nos pareceu interessante expor o roteiro inicial pensado para estas entrevistas, ainda no mês de junho de 2003. Estas perguntas não estão em ordem de importância, nem tampouco seriam feitas seguindo algum ordenamento prévio. Apresentar este roteiro nos pareceu interessante para expor o tipo de informação que queríamos, a busca do contraditório dos depoimentos e poder comparar entre o momento prévio e o que realmente foi obtido através destas fontes.

 

Com as perguntas previamente roteirizadas, procuramos expor um pouco do roteiro como um mapeamento analítico indireto. Deste mapeamento, obtêm-se uma dedução através de via de aproximação indireta. O guia básico dos conceitos embutidos no roteiro é:

Prerrogativas das FFAA (militares) por sobre o aparelho constitucionalmente válido (a PF) – Espírito de Corpo – Obediência a Justiça, ao Ministro ou a Presidência – Justiça X Direito – Lógica punitiva diferenciada como fator de desigualdade estrutural do Sistema – Autonomização dos Agentes Sociais mesmo no interior da PF – Autonomização burocrática no interior do Aparelho de Estado, mesmo sendo este um Aparelho policial – Espiocracia como forma de Burocracia – Criminalização do Capitalismo – Classe Dominante e Classe Dirigente com práticas criminalizadas de ordem estrutural – Organização Criminosa X Rede de Quadrilhas – Organização Criminosa X Fragmentação da(s) Forma(s) de Repressão – Concorrências, Competências e disputas Intra-Policiais – Disputas Internas da(s) Comunidade(s) de Informações e Inteligência – Limites do Jogo Democrático X Jogo real das disputas pelo poderes de fato em todos os níveis – Campo Jurídico + Burocracia Policial X Democracia Deliberativa – Repressão Seletiva, Repressão política (e das forças sociais) como forma de sub-seleção.

 

Roteiro prévio para as entrevistas

– Como o senhor analisa as acusações de ingerência dos EUA (a exemplo do dossiê da revista Carta Capital), através da embaixada e com financiamento direto de operações e treinamento por parte da CIA, DEA e FBI, no interior da PF? Estas denúncias procedem? Há setores que não respondem mais à hierarquia do órgão e sim diretamente às agências dos EUA? Se a afirmação for positiva, quais seriam as alternativas para realizar estas operações, equipagem e treinamento?

– Qual é, baseado na opinião do senhor e em sua experiência profissional, a relação e a possibilidade de trabalho em conjunto entre a PF e o GSI/ABIN? Quais seriam, ainda na opinião do senhor, os papéis precisos da PF e da ABIN? Quem deveria operar, aonde e sob qual tipo de coordenação? No plano do concreto, que tipo de influência exercia o general Cardoso sobre a PF e o conjunto da “comunidade de inteligência”, especialmente a partir da queda de Vicente Chelotti até o fim do 2o mandato de Fernando Henrique Cardoso?

– Como entende que deveriam ser as carreiras de delegado e agente na PF? Considera possível uma PF sob os moldes do FBI atual (pós-Hoover e com cargo único)? Considera possível uma PF onde os agentes ou outra categoria da carreira policial voltem a ter exigência de 2o grau completo ao invés de nível superior?

– O que o senhor pensa sobre as transformações no MJ? Deveria funcionar como um Ministério do Interior? Considera necessária a existência de uma Guarda Federal Fardada e com emprego a nível nacional? Existindo esta Guarda, como ficaria a relação com o Exército, especialmente em zonas que há Pelotões Especiais de Fronteira? Seria empregada esta Guarda somente na faixa de fronteira ou também para intervenção nos estados?

– Qual deveria ser, tanto o critério como a motivação para uma intervenção federal em estados, micro-regiões e/ou municípios? Poderiam ser justificativas possíveis, apenas para exemplificar:

Por calamidade pública? Zona de emergência? Por corrupção endêmica? Por rebelião de polícias? Área de segurança nacional? Descontrole do Estado, como no chamado Polígono da Maconha? Municípios na faixa de fronteira? Tratando de um caso específico, foi a favor da intervenção federal no Espírito Santo, a que não ocorreu, no ano de 2002? Porque?

– Pediria ao senhor que fizesse uma análise profissional e política, pormenorizada, dos seguintes profissionais, quando no exercício de funções de chefia e liderança no órgão:

– A gestão de Vicente Chelotti como DG da PF?

– A gestão de Romeu Tuma como DG da PF? A presença política e profissional de Tuma no órgão?

– Qual é hoje, o grau de coordenação entre os MPs estaduais e Federal com a PF? Considera a atuação do GAECO do MP-SP e a Superintendência naquele estado como modelar? Qual seria então o tipo de coordenação, incluindo o nível dos recursos e o grau de autonomia tática, necessários para fazer frente as urgências investigativas e processuais?

– Como o senhor vê o papel da PF como órgão executor de repressão política e social? Esta função seria da ABIN? Seria da própria PF? Como se dariam então as antecipações necessárias para cumprir o trabalho? Deveria ser exercida, por exemplo, infiltração no MST e repressão às rádios comunitárias?

– O senhor vê a necessidade da figura do delegado no processo de instrução, presidindo Inquérito Policial? Para que serve então o IPL? Como funcionaria então uma polícia exclusivamente investigativa e judiciária?

– Como o senhor vê o papel da FENAPEF e dos sindicatos estaduais na PF? Como o senhor vê o papel da ADPF e as respectivas associações e sindicatos estaduais de delegados, na PF? Tanto hoje como durante a gestão de Chelotti?

– Se o senhor fizesse um mapeamento da instituição, quantos setores de fato existem hoje? Seus interesses são conflitantes, são confluentes? Seus projetos para o órgão são conflitantes, são confluentes? A hierarquia do órgão exerce de fato poder de mando no conjunto dos servidores? Que setores têm autonomia dentro da própria instituição?

– Existe continuísmo na PF? Existe continuísmo de resquícios e pessoal do regime militar? Que relevância tem esse continuísmo, caso exista, para a filosofia de trabalho do órgão?

– Existe alguma transparência na PF? Que tipo de transparência e relação com a sociedade, na opinião do senhor, deveria existir?

– Caso o senhor tivesse poder de mando e execução, que mudanças realizaria na PF?

ENTREVISTA

BRUNO – Dr. Bolívar, eu vou pedir para o senhor começar dizendo quando entrou no órgão, que funções exerceu?

BOLÍVAR – Eu ingressei no que se chama na Polícia Federal antigo Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) em novembro de 1961, vindo diretamente do Rio Grande do Sul para fazer parte do Departamento Federal de Segurança Pública. Aqui nós ingressamos como guarda. Depois em 1964, eu recebi a qualificação de agente auxiliar da Polícia Federal, que nós tínhamos agente auxiliar de Polícia Federal e agente de Polícia Federal. E eu fiquei como agente auxiliar. Fui para Foz do Iguaçu, trabalhei em Foz do Iguaçu durante seis anos chefiando um posto de fiscalização de fronteira e após uma subdelegacia da Polícia Federal, hoje é a Divisão de Polícia Federal. Em 1970 eu retornei para Brasília, vindo a ser lotado na Divisão de Polícia Marítima e de Fronteira, onde aqui retornei aos estudos. Em 1975 eu concluí a Faculdade de Direito e em 1976 eu fiz o curso de delegado de polícia federal, tendo sido nomeado em 1976. Continuei a trabalhar na Divisão de Polícia Marítima de fronteira onde chefiei ao serviço de tráfico internacional, por muitos anos. Na minha gestão como chefe desse serviço foram criados os postos de fiscalização em códigos quantificados para facilitar o processamento de dados. Depois eu assumi a Divisão de Cadastro e Controle de Procurados e Impedidos. Eram um arquivos das pessoas que eram procuradas para deportação ou extradição, enfim, expulsão. E era diretor-substituto da DP9. Em 1984 eu me aposentei, com o direito de aposentadoria aos 25 anos de serviço. Fiquei um período com um escritório de advocacia, depois fui convidado a assumir lá no Ministério da Justiça a Divisão de Permanência de Estrangeiros, onde fiquei um ano, um ano e pouco. E em 1985 eu assumi a primeira investidura na Associação como presidente, porque como conselheiro já havia participado por diversas vezes. Para você saber melhor como é, a Associação era dirigida por um conselho diretor de treze pessoas eleitas, entre os mais votados assumem o cargo de conselheiros. E entre estes escolhem o seu presidente. E eu em 1985 fui escolhido presidente e fiquei até o final de 1986. Fui reeleito novamente mas em razão de problemas de família não exerci, não fiquei exercendo o cargo de conselheiro e fui para a família, para o Rio de Janeiro onde ali permaneci um ano. Retornando de lá vim para Brasília e aqui fui reeleito novamente. O meu primeiro mandato como presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal iniciou-se em março de 1985 e foi até 31 de março de 1987. Depois eu fiquei fora um período, retornei a Brasília; houveram outros candidatos que ficaram na presidência. Em abril de 1995 eu assumi, estando até hoje na presidência da ADPF.

BRUNO – O senhor serviu de 1961 a 1964, sob o regime anterior, serviu após o golpe de 1964 até 1985, e após 1985 com a volta da democracia. Nos três períodos, qual foi a grande mudança no órgão?

BOLÍVAR – A mudança mesmo iniciou em 1969, quando começaram os concursos externos, que até então não havia concurso. Foi com aberto a vinda dos policiais do então antigo Distrito Federal do Rio de Janeiro, porque com a mudança da capital para Brasília, porque eles teriam que acompanhar o governo. Mas muitos estavam com suas famílias lá e não quiseram sair do Rio de Janeiro. Aí houve necessidade de arregimentar gente em 1961 para compor a Polícia em Brasília. Foi aonde foi feito recrutamento no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e em Recife e nesse recrutamento feito no Rio Grande do Sul veio uma leva muito grande de gaúchos. Aqui alguns foram para a Academia Nacional de Polícia, onde fizeram curso de patrulheiro. Patrulheiro eram os que dirigiam as rádio-patrulhas, porque na época a polícia tinha jurisdição tão somente em Brasília, no Distrito Federal. Nesse período de 1961 a 1964 nós fizemos alguns cursos de aperfeiçoamento: curso de detetive, curso de investigação criminal, curso de informação e contra-informação. Em 1964, com a reestruturação do Departamento, onde houve a separação da Polícia Federal com a Polícia Civil, que desse antigo DFSP sai uma Polícia Civil do Distrito Federal e a Polícia Federal. E foi aberto novo voluntariado para os colegas do Rio, da Polícia do antigo Distrito Federal do Rio de Janeiro, retornarem sendo por opção a Polícia Federal. Alguns começaram a optar e ser lotados nos estados. Para eles era uma dificuldade muito grande porque o salário era baixo demais e eles com as suas famílias estruturadas no Rio de Janeiro, mas muitos deixaram as famílias e iam passaram os estados tão somente. Passavam até dificuldades financeiras, porque não podiam dividir esse dinheiro entre eles e as famílias. Mas em 1969 foi feito o 1º concurso para motoristas policiais e inspetores de polícia. Em 1972 começaram os novos concursos e hoje nós estamos vivendo aí uma renovação através de concursos. Então a Polícia Federal ela começou a ter força e corpo a partir de 1969, com os concursos que iniciaram naquela época.

BRUNO – Nesse período o cargo de inspetor equivaleria a delegado?

BOLÍVAR – O inspetor correspondia a delegado. Em 1976 ou 1977, se não me falha a memória, é que eles foram deixar de ser inspetores, foram para a nomenclatura de delegados de polícia federal.

BRUNO – Na atualidade o senhor acha que a Polícia Federal, pelas atribuições da Constituição, está com…

BOLÍVAR – Hoje, pela Constituição, em razão das inúmeras atribuições, em qualquer fato que venha ocorrer é chamada a Polícia Federal para ficar à frente. Mas o efetivo é muito reduzido. Nós teríamos que ter hoje cerca de 25 mil homens.

BRUNO – Que são 7 mil correto?

BOLÍVAR – Hoje está em torno de sete mil. Então é um número… há uma defasagem muito grande de policiais. É feito um grande milagre com esses policiais. Muito serviço tem sido feito em razão do respeito e do amor que as pessoas que estão em atividade têm pela instituição, senão não faria nada.

BRUNO – A que o senhor atribui o fato de que a opinião pública veja, que a gente pode ver, diferindo das demais, que o grau de respeito à Polícia Federal ser muito superior às polícias estaduais. A que o senhor atribui isso?

BOLÍVAR – É que a Polícia Federal é uma instituição mais nova. Então ela ainda não tem os vícios que as polícias estaduais têm, os desvios de conduta. Claro que na Polícia Federal existem os desvios de conduta, mas é bem mais reduzido em função do próprio efetivo. As polícias estaduais têm um efetivo muito grande, os salários baixos demais. Então, eu acho que o governo devia pensar um pouco mais naquelas pessoas que foram escolhidas para fazer segurança pública. Oorque o policial é um cidadão igual aos demais, só que ele tem uma missão a mais, ele faz um concurso, faz uma Academia, recebe uma carteira policial e uma arma para fazer a segurança da comunidade e dele próprio. E ele não é reconhecido, ganha um salário baixo, às vezes ele tem que arrumar bico, trabalhar em boate prestando segurança, essas coisas. Então, essa que é a razão da… o salário baixo que eles ganham. A Polícia Federal, eu não sei precisar a data, mas ela começou a partir da época do Presidente Figueiredo, ela começou a ter um salário mais condigno com as funções. Então melhorou muito a prestação de serviços. Apesar, que eu não quero dizer com isso, que lá atrás não era feito nada. Era feito, sim. É que as pessoas que ingressavam na polícia não foram atrás de dinheiro, entraram por uma vocação. O que acontece hoje, é que nós temos bons policiais, ótimos policiais, alguns foram felizes porque na época do concurso já estavam com formação em Direito, ou outro curso, que puderam fazer a sua faculdade de Direito ou outra faculdade, pessoas essas que foram aproveitadas como delegados ou peritos. Claro que não é porque chegou a bacharel em Direito, acabou a faculdade, que e fez um curso na área de Engenharia, que assumiu o cargo de delegado ou de perito. Eles se submeteram a uma seleção pela Academia. Muitos desses hoje estão concorrendo com esses jovens que saem de uma faculdade, para conseguirem serem delegados ou peritos. Isso é uma das grandes conquistas nossa, porque se torna muito pesado para os colegas da casa eles concorrerem com jovens saídos da faculdade, com conhecimentos jurídicos bem avançados. Os nossos colegas para fazerem concursos é uma dificuldade, não se preparam como deveriam porque não têm tempo ou em razão do trabalho. Então, concorrer já com uma certa idade com esses jovens de vinte e poucos anos ficou muito difícil. Então, na Lei Orgânica que está sendo feita aí agora, até então isto não havia. Pensa-se em abrir um espaço para que o pessoal da casa tenha oportunidade de concorrer para delegado e perito. Reservaram uma proporcionalidade de uns 40% ou 50% para que eles possam fazer o concurso para delegado e perito. O que nós temos que pensar é o seguinte: nós temos hoje essa moçada que está saindo da faculdade, com conhecimentos jurídicos dos melhores. Mas vão para a Academia e fazem um curso de três meses. Aí nós temos aqueles policiais que já têm 15, 18, 20, 20 e poucos anos exercendo uma atividade policial. Então, essas pessoas que estão exercendo a atividade policial são pessoas que conhecem de investigação. Enfim, são pessoas que se fazem o concurso para delegado, vai ter um equilíbrio. Oque está vindo de fora com conhecimento jurídico e o que está na casa com conhecimento na prática policial de segurança. Então, haveria um equilíbrio e teríamos uma Polícia à altura do que a comunidade espera de nós.

BRUNO – O senhor atribuiria o alto nível do trabalho da Polícia Federal na exigência de curso superior para agente?

BOLÍVAR – Não sei dizer isso aí, é que eles procuram , a administração preocupada em oferecer melhor serviço para a sociedade, eles abriram a exigência de 3º grau para o ingresso na Polícia Federal. Mas hoje a gente costuma ver aí, nesses concursos que abrem aí, como no Rio de Janeiro, bem recentemente agora, abriram um concurso para gari e estavam lá engenheiros, advogados, fazendo concurso lá para entrar como gari. Então, muito é a dificuldade de emprego aí fora que leva as pessoas a concorrer. Agora, a tendência – que pelo menos a gente espera – que venha a melhorar o nível de atendimento das pessoas. Porque se fala em Polícia do 3º milênio, quando se fala em Polícia do 3º milênio isso falam que é uma Polícia que tem que ter diálogo, que não use armas, que fica convencendo a criminalidade na base da conversa. É uma coisa que eu acho meio impossível, porque a cada dia que passa o mundo vem ficando é mais violento, né?

BRUNO – Uma pergunta que quero lhe fazer já de ordem interna mesmo. No debate da Lei Orgânica a gente acompanha de fora a proposta de cargo único. O senhor seria….

BOLÍVAR – Essa proposta de cargo único, ela houve uma rejeição muito grande pelos delegados. Para os delegados e para os peritos. Porque na proposta de Lei Orgânica que consta aí, você entraria por baixo, como agente de polícia, não teríamos mais escrivão, não teríamos mais papiloscopistas, seriam agentes. Aí eles iam galgar quatro carreiras para depois chegar na especial, da especial eles fazerem uma prova de seleção dada pela Academia. Não é um trem da alegria. Eles não vão chegar na especial e pular lá para a Academia, para fazer curso de delegado. Mesmo porque não teria, mas vai chegar uma ocasião que vai ter. Uma hipótese, não vamos exagerar, uns 5 mil especiais. Tem 200 vagas para delegado e 300 vagas para perito, você tem que selecionar para colocar o número. Se você dizer que é um trem da alegria, eu não acredito muito em trem da alegria, mesmo porque se tem só 300 vagas, vão ter de fazer uma seleção para botar só 300. Agora, eu acho que é ruim é que você deixa de oxigenar o órgão. Então , você fazendo como eu falei, tantos percentual para o pessoal mais da casa e o ingresso de pessoas de fora… é o que eu te falei: vem o preparo de uma faculdade bem feita, de quem teve tempo para estudar, com quem já fazia polícia. Faríamos uma ótima Polícia.

BRUNO – Dr. Bolívar, uma pergunta de fundo. Ontem eu recebi lá no edifício-sede a revista da Polícia Federal. E nas operações especiais, a maioria dos enquadrados que eu li ali são pessoas com grau de autoridade pública. Algum grau de autoridade e riqueza, como vereadores, políticos, empresários no caso de roubo de cargas, entorpecentes, etc. Pela atividade do senhor, o senhor acha que hoje necessariamente deveria haver uma vigilância maior sobre as autoridades?

BOLÍVAR – Eu acho que, óbvio que é claro que a Polícia ela não vê na frente um parlamentar como um cidadão comum, acho que todos os infratores devem sofrer as sanções do seu erro. Agora não quer dizer que ele é parlamentar, vereador, ou coisa que pode ter uma isenção. Ele é tratado pelo cargo que, fosse ou não eleito, ele teve uma preferência. Agora, você não pode considerar aquele cidadão ali como um marginal. Você vai apurar, vai ver as irregularidades para então puni-lo. Quer dizer puni-lo, fazer o que tem que fazer e a condenação compete ao Ministério Público a denúncia e ao juiz a condenação. A Polícia apenas faz as investigações, acareia as provas para os autos e depois o Ministério Público, o Judiciário é que toma a decisão. Agora, eu não sei se eu respondi a sua pergunta.

BRUNO – Deixa eu formular melhor: é possível investigar a rota internacional do crime sem apurar a lavagem de dinheiro, e é possível apurar a lavagem de dinheiro sem apurar a fundo o que os bancos fazem?

BOLÍVAR – Não, isso aí tem que ser tudo casado. É um problema que hoje está acontecendo, a entrada de entorpecentes. Alguém está ficando rico com essa venda de entorpecentes. E o que ele está fazendo com esse dinheiro? Está investindo em alguma coisa, está fazendo lavagem de dinheiro. Ou ele está adquirindo imóveis, propriedades, fazendas, que hoje o governo se preocupa só com o dinheiro no banco, não se preocupa com aquisição de propriedades, fazendas, nessas áreas, nos estados do Mato Grosso, Amazonas e Pará, que são das regiões mais despovoadas. Então, muitos desses aí estão investindo dinheiro nessas áreas, estão fazendo lavagem de dinheiro. Agora, tudo é casado. No crime organizado tem a lavagem de dinheiro, tem roubo de carga, essas coisas. E a Polícia vai quando há uma denúncia ou levantando alguma investigação aqui. Ela tá investigando algo aqui acaba por surgir nessa investigação outras atividades coisa e ela não pode deixar de lado aquelas novas pistas que surgiram. Ela continua, vai se ramificando e fazendo as investigações em torno daquilo que aparece.

BRUNO – A respeito do crime organizado, a ADPF foi a favor ou contra a intervenção do Espírito Santo no ano de 2002?

BOLÍVAR – A ADPF não pode. Ela não se posicionou nem contra nem a favor. Não cabe a nós, isto aí é um ato de direção. Nós não entramos nas atribuições da PF, de sugerir à Direção-Geral de sugerir o que tem que fazer, ou o que não tem que fazer. O Departamento é dirigido por um delegado de polícia federal, mas ele é independente. A Associação é uma entidade de classe que presta os apoios na sua área, mas como entidade de classe. O social, os benefícios que as pessoas têm, o que possa acontecer no desempenho das suas funções, uma necessidade da contratação de um advogado. Então, esse é o papel da entidade de classe. Agora, dizer que deve tirar fulano ou botar cicrano, isso a Associação em 27 anos de existência nunca opinou por isso.

BRUNO – Eu teria mais uma pergunta nesse sentido. Lá embaixo, na entrada, eu vi, apenas como exemplo. O ex-Diretor-Geral, Vicente Chelotti foi presidente da ADPF. A ADPF ela tem um certo peso na categoria correto, respaldo na categoria?

BOLÍVAR – Eu creio que alguns pensem que ser presidente da Associação dá um status de vir amanhã ou depois pleitear o cargo de Diretor-Geral. Eu não acredito nisso. Não acredito porque outros já foram, delegados ativos, foram presidentes da ADPF e não chegaram ao cargo de Diretor-Geral. O Chelotti porque na época, houve um trabalho que o Ministro da Justiça era ligado à família dele no Rio Grande do Sul, Ministro Nelson Jobim, tinha conhecimento da família dele, conhecimento da vida profissional de Vicente Chelotti , isso motivou ele a ocupar o cargo de Diretor-Geral. Na época entre os nomes que foram apresentados o que lhe foi mais simpático foi o de Vicente Chelotti.

BRUNO – O senhor acabou de falar que a Associação não emite opinião a respeito, mas eu sou obrigado pela profissão a fazer a pergunta. Na gestão do Vicente Chelotti houveram vários casos na imprensa, de mídia. A que o senhor atribui isso? O caso do SIVAM, depois o Grampo do BNDES, depois o Dossiê Cayman, a que o senhor atribui isso? Houve excesso de visibilidade do órgão?

BOLÍVAR – Olha, eu creio que seja; aqui no Brasil quando uma instituição começa a aparecer muito na mídia, passa a ser vitrine. Então começa a ser destaque, então para tentar denegrir a imagem, ou como se diz na gíria popular, “fritar aquele que está à frente”. E a pessoa, quando começa a aparecer, há ciumeira. Então começam a querer derrubar a pessoa, ocupar seu cargo, eu vejo dessa maneira. O Chelotti na minha opinião foi um bom Diretor-Geral, ele teve suas falhas, mas eu acho que ele fez mais de bom do que falhas, ele prestou mais serviço à instituição policial e ao país do que as falhas de que estão acusando ele. Claro que há falhas, tem algumas falhas como o problema SIVAM. O problema das Ilhas Cayman; tão culpando ele por fatos. Tem fatos que ele tomou decisões que ele tomou ali, tem de tomar sempre decisões em razão do cargo dele. Em razão de preservar de certo eu não sei, não tô afirmando, o Presidente da República, outras coisas. Começaram a culpar numa época aí o ministro Motta, o governador de São Paulo, dizendo que tinha contas nas Ilhas. Mas não comprovaram nada. E agora eles continuam explorando. A mídia quer explorar, a mídia quer vender. Quanto mais chacoalhar uma notícia, mais mente o jornal.

BRUNO – Nesse sentido, o relacionamento com a ABIN, não teria chegado ao limite da hierarquia quando, no grampo do BNDES, não foi feita a acareação do agente Telmiro de Souza com o general Cardoso

BOLÍVAR – Nem sei se houve isso aí. A imprensa é que jogou ali que o general Cardoso estava querendo assumir a Polícia Federal. Havia um bom relacionamento com o general Cardoso inclusive com o Departamento. Especialmente na pessoa que assumiu depois como Diretor-Geral, depois do Dr. Chelotti, o Dr. Agílio, havia um bom relacionamento entre a ABIN e o Departamento de Polícia Federal. A ABIN na sua área de informações, com a função de manter o presidente informado e a Polícia Federal exercendo sua função de polícia, polícia judiciária da União.

BRUNO – Para encerrar, eu queria fazer uma pergunta anterior. O senhor é do Rio Grande, queria saber da onde no estado, e se por acaso era servidor da Brigada, da Polícia Civil de lá^?

BOLÍVAR – Eu venho da vida civil lá. Eu era estudante lá, vim para cá com 21anos de idade, eu morei e nasci em Osório, depois fui para Gravataí, e de Gravataí é que vim para Brasília.

BRUNO – Isso em 1961?

BOLÍVAR – 1961.

BRUNO – De lá para cá a residência do senhor é Brasília?

BOLÍVAR – Brasília. Estive seis anos fora, quando eu estive no Paraná a serviço, mas a maior parte do tempo foi em Brasília.

BRUNO – Mais uma, e isso de opinião pessoal mesmo. Hoje qual seria o local mais complicado para a PF atuar no país na sua opinião?

BOLÍVAR – A Polícia Federal tem tido muita dificuldade, inclusive há um plano do governo federal com relação à região Norte. O efetivo é reduzidíssimo, as vias fluviais, as fronteiras secas, fronteiras aéreas, na selva é humanamente impossível você controlar a entrada. Nós temos três países produtores de cocaína: Colômbia, Peru e Bolívia. Então o efetivo lá naquela região é mínimo. Ali é uma das regiões mais críticas, no que diz respeito à polícia federal, das suas atribuições constitucionais. Ou seja tráfico de entorpecentes, contrabando, biopirataria, essas coisas. Agora, em matéria de violência, isso nós temos no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, mas isso não é competência nossa, é da polícia civil e polícia militar.

BRUNO – Nesse sentido a guarda de fronteiras funciona? O senhor é a favor da criação de uma Polícia Federal Fardada, uma Guarda Federal Fardada?

BOLÍVAR – Falando de polícia fardada, nós já tivemos a proposta da criação de uma guarda fardada para tomar conta das fronteiras. Nós temos a Imigração, que é um serviço de controle de saída e de entrada nas fronteiras, posto de fiscalização. Isso já vem há muitos anos atrás, e na parte de Imigração, que era um dos órgãos que tomava conta era tudo paisano. A Polícia Marítima na época era uniformizada, aqueles que iam a bordo de embarcações, em lanchas. Que não era uma farda aquilo, era um uniforme semelhante hoje ao desses comissários de aeronave, era uma calça azul-marinho e uma camisa branca. Esse era o uniforme que a Polícia Marítima usava, eu disse a Polícia Marítima, que era um complemento da parte imigratória. A Imigração, a instituição que nós tínhamos e a Polícia Marítima. Hoje essa parte de Imigração, que pertencia ao então Ministério da Agricultura, passou para a Polícia Federal essas atribuições. Mas eu acho que farda ou não farda não resolve nada. O que nós temos que ter é gente para colocar nessas fronteiras. Que eu acho que você tem de ter um civil para fazer as investigações. Um exemplo, está acontecendo um crime numa rua ali. Aí chamam a polícia, vem a polícia com as sirenes ligadas, você acha que o ladrão vai ficar esperando? A própria polícia avisa que está chegando. E se você encontrar uma pessoa fardada numa fronteira; você pode botar uma pessoa uniformizada nos aeroportos para a pessoa saber que aquela pessoa uniformizada ali é um policial que está ali para a atividades imigratórias. Agora, numa fronteira, uma fronteira como Foz do Iguaçu, que lá não tem como controlar, que lá é que a Rua da Praia em Porto Alegre o movimento. Então, o que tu faz ali? Nada. Passa perto da fiscalização aqueles que querem ser fiscalizados, só os que vão ingressar no país, que vão a São Paulo, ou Rio de Janeiro, ou que vão passar pelo Brasil em trânsito. Senão, ninguém se preocupa com o policial e ele não tem como controlar essas pessoas. Pode estar fardado, pode estar lá do jeito que estiver, que não adianta. Então, está lá: Polícia Marítima/Imigração. Então aqueles que querem adentrar ao país já sabem que têm que passar na fiscalização para se submeter a um carimbo. Então não importa que esteja lá no cargo uniformizado ou civil. Só não pode estar esfarrapado, eu acho que ele tem que ter uma certa apresentação. Então é isso que eu acho que é interessante.

BRUNO – Eu quero te agradecer pela entrevista e espero seguir na pesquisa, voltando outras vezes.

BOLÍVAR – Ok, estamos aí. Você pode reparar que a polícia não tem direitos. Quem tem direitos humanos é marginal, policial não tem direito a direitos humanos. O policial, ele é um cidadão igual aos demais, recebe tratamento para zelar pela vida dele e pela vida daquelas pessoas. E no fim ele não pode, ele não presta assistência à sua vida, à sua família porque ele tem que prestar assistência ao cidadão que paga o seu salário. Agora, é um salário irrisório, que ele não pode nem botar o filho num colégio decente, não pode ter um imóvel para morar, não tem condições de comprar uma casa em suaves prestações. Eu acho que quem é policial, que está numa atividade dessas e que tem que se dedicar com exclusividade à segurança pública, não estou dizendo que tem que ter regalias e regalias, mas ele tinha que ser facilitado na questão da aquisição de uma casa própria, aquisição de um transporte para os fins de semana. Ele trabalhou uma semana toda na rua, num distrito, ou numa fronteira. Chega sábado e domingo, ele pega sua família, bota sua família num carrinho, vai lá para uma beira de rio, faz um churrasco, fica na sombra, vai jogar uma bola. Todos nós, todo o cidadão gostaria de ter esse benefício. Ah mas dizem que a gente quer regalia, e os outros que não tem?! Ah os outros, cada um tem as suas funções. Agora o policial que tem as suas funções que são as funções de segurança pública, ele deveria ser visto com outros olhos. Hoje direitos humanos só tem para marginal, e policial, ele não sofre represálias? Cadê os direitos humanos do policial? Essa parte de ter direito a ter uma casa e salário digno, isso são direitos humanos, mas isso ninguém vê.

BRUNO – A que o senhor atribui isso?

BOLÍVAR – Eu acho que ta errado. Acho que tem que ser, os governos têm que criar um setor pra ver. Você vê hoje em dia, um policial participa de uma barreira de estrada, um tiroteio, uma briga, seja o que for. Ele sai dali, ele não tem um acompanhamento psicológico, não tem nada. Quer dizer, ele vai se embrutecendo, vai ficando violento. Eu acho que tinha que ter um acompanhamento, uma assistência psicológica. E hoje se tem um problema de doença na família, que você hoje para se ter um plano de saúde, você paga uma Unimed da vida pagando uma fortuna para ter um plano de saúde. Vê a maioria desses policiais, qual o plano de saúde que tem? É hospital público, com uma dificuldade para ser atendido, ou ele está lá trabalhando com a cabeça voltada para casa, fica pensando “meu filho tá lá com febre e eu não tenho um serviço que atenda”. Então eu acho que nós deveríamos ter, o próprio Ministério da Justiça tem uma Secretaria de Segurança Pública dentro do Ministério, que devia ser voltada para esta parte da vida do cidadão policial.

BRUNO – O senhor diz então que antes de propor qualquer coisa teria de melhorar as condições básicas, é isso?

BOLÍVAR – Eu acho que tem de melhorar as condições básicas.

BRUNO – Seria o primeiro passo?

BOLÍVAR – Hoje você vê uma coisa, tem as punições, ao menos na Polícia Federal. Se houver um desvio de conduta de um policial federal, ele vai responder e ele perde tudo o que ele tem. Ele volta a ser cidadão comum. Ele perde direito às vantagens que ele tem. Então, se ele errar, ele perde tudo. Por isso é que eu acho que ele deve ter um salário bom para evitar as tentações.

BRUNO – Assim, como comparando com a situação do Judiciário. Tem bons salários para evitar…

BOLÍVAR – Eu acho que até a Polícia, ele poderia fazer parte do Judiciário. Aí nós teríamos a investigação a parte policial, a apresentação da acusação ou a denúncia pelo Ministério Público e a defesa e a acusação, aquilo é com o juiz.

BRUNO – O senhor diz, subordinar o órgão policial não vinculando com o Executivo?

BOLÍVAR – Digo ao Poder Judiciário de fato tudo.

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