Bruno Lima Rocha Beaklini – julho de 2022 (@estanalise)

Introdução

Infelizmente a desgraça não chega aos poucos mas em geral de uma vez só. Então, assim como temos o avanço da extrema direita, simultaneamente, a perda de organicidade nos partidos políticos, o culto à personalidade e os individualismos crescem a ritmos alucinantes. Proponho aqui um debate amplo, franco e sincero, sem censura prévia, entrando nos meandros do problema da manipulação identitária e do imperialismo multicolorido, aquele que vem junto com o selo do Partido Democrata dos EUA.

Antes que comece o cancelamento, que obviamente se dará, ressalto que quem escreve defende as lutas específicas, setoriais ou como queiram chamar a muito tempo, e pertenço a uma corrente de pensamento político que não vê no operariado fabril imaginário a centralidade de um processo histórico pré-evocado. Sugiro leitura atenta e aprofundada, sem preconceitos.

A luta contra a manipulação identitária

Sei que o tema é “polêmico”, mas tem uma distância abissal entre a defesa do direito ao reconhecimento e a política identitária. Em paralelo a Operação Lava Jato (o Lawfare que chegou no Brasil no final de 2014), estamos colonizados pela agenda do Partido Democrata dos U$A e toda a confusão que isso gera.

Mesmo que Bolsonaro perca nas eleições gerais de 2022, vai ser difícil voltar aos conceitos base de que “representatividade” vem de delegação coletiva e não uma condição dada pela pirâmide étnico-social. Enfim, “intelectual orgânico” está organizado e serve a uma causa coletiva e não apenas se serve dela.

Seguindo no tema. É evidente que é importante respeitar o estatuto da representatividade, em especial naquilo que é exposto para além das organizações. Mas, representar implica em delegação coletiva e, além de ter pertença étnica, de gênero ou origem territorial, estar de acordo e à altura do que a organização, partido ou movimento quer e expressa em suas instâncias coletivas. Fora do debate amplo e com democracia interna nas instâncias corretas, toda a discurseira é pura tirania multicolorida.

Também é óbvio que é importante ter representação social na interna de organizações e partidos políticos. E, a presença nas funções executivas podem ter um sistema de paridade. O que defendemos nas cotas, por exemplo, pode ser reproduzido nas internas políticas. Mas isso é um dos critérios.

O outro é o preparo. Se a militância não está preparada para as funções que tem de exercer, aí se sobrecarrega no discurso, no “ato e lugar de fala”, cada reunião vira um teatro e a vida orgânica um palco. Ao invés de decidir coletivamente, cada qual, cada uma, cada um cada unx vai se expressar como bem entender. O coletivo se transforma numa miscelânea sem propósito a não ser atender as demandas privadas ou quando muito setoriais. Assim não tem força política que consiga operar, talvez sequer existir.

O Partido Democrata e o identitarismo

Não adianta esconder a realidade, ao menos é a visão deste que escreve. Temos uma necessidade concreta de afirmação de políticas de gênero, étnico-raciais e a busca de outro padrão de desenvolvimento. Isso é uma condição absoluta.

Outra condição, danosa e daninha para a América Latina, é a reprodução da cultura política da “esquerda” do Partido Democrata dos EUA, que tende à fragmentação das lutas e a criação de uma versão mais “popular” do conceito de VIP.

Daí de “pessoa muito importante”, temos as “pessoas muito interessantes”, VIPs no plural da língua inglesa. E de personagem em personagem o debate político vai morrendo, o direito político sofrendo chantagens de cancelamento e os temas estruturantes – como a defesa de políticas públicas justamente para os setores mais vulneráveis – vão ficando reféns das estrelas de momento do algoritmo no capitalismo de plataforma.

A outra insanidade coletiva é o tal do “opressômetro”, onde a ação da estrutura social ficaria individualizada e personalizada. No alto da cadeia alimentar do capitalismo até a base do sistema, mas em termos de simbologia individual, logo individualista.

Assim, ao invés de termos saídas coletivas, por setores mesmo, temos pessoas afirmando algum tipo de reputação pública via redes sociais e substituindo a luta coletiva. Um fenômeno parecido se deu na febre das ONGs, dos “ongueiros profissionais”. Não tinha mais luta social, era tudo projeto de agenda positiva. Nada mais semelhante do que a ala progressista do Partido Democrata.

Os projetos institucionais não estão – neste modelo – subordinados à luta política e às instâncias com algum grau de democracia interna. Não, é ao contrário, e a representação da “sociedade civil” termina sendo uma ONG ou Fundação.

Agora piorou, porque indivíduos ganham reputação por algum canal – como por exemplo o sionista Jean Willys – e aí entra como chamariz de holofotes para a ação política. Tem por direita também, como a Tábata Amaral e demais projetos de clones do Lemann. Na ausência de debate coletivo, é uma espécie de meritocracia da representatividade, onde os exemplos reforçados pelos aparatos de mídia e afins só reforçam a regra.

As armadilhas da luta identitária nos EUA

Pode parecer estranho, mas tenho certa familiaridade com a esquerda dos EUA e suas múltiplas lutas modernas, desde o 1o de maio de Chicago em 1886, até os embates contra o trumpismo.

Tem ação afirmativa de sobra e política pública de menos. Os gringos trocaram o modelo econômico doméstico nos anos 80 após sua crise estutural nos 70. Resultado: cortar na própria carne e decretar a miséria e a drogadicção como arma de guerra interna.

Todos os índices de pobreza e miséria são mais fortes nas comunidades afro americanas e latino-americanas, a proporção é 20% de ingresso nas tomadas de decisão e domínio do PIB e os demais 80% sobrevivendo entre a repressão e as dívidas.

O governo Obama não mudou nada dessa estrutura, nada, mas recuperou a economia de empregos ruins, com baixos salários e com cada vez menos direitos trabalhistas.

No nível de base, as iniciativas são inúmeras e excelentes, mas, a articulação nacional passa ainda pela chantagem da “esquerda” do Partido Democrata e sua inclusão seletiva, como com a vice presidenta Kamala “Dirty” Harris, que fez sua carreira política mandando em cana negros e chicanos.

Basta pisar na Gringolândia que já somos latinoamericanos e não “brasileiros socialmente brancos” como aqui. É uma baita experiência política e ajuda a não reproduzir em nosso país as mesmas armadilhas.

As armadilha da luta identitária no Brasil como repodução dos EUA

Nada é mais poderoso no Brasil do que a massificação da luta anti racista e de libertação pós colonial. Justo por isso o capital, o liberalismo e industria cultural vão fazer o possível para construírem uma iconografía de ascensão social, produzindo Gil do Vigor, Jean Willys, Karol com K e mais um monte de gente sem formação política e com grande capacidade de influência via redes sociais.

A luta é bem cruel. Barack Obama e Kamala Harris apontaram o caminho a não ser seguido, mas que a social democracia pode abraçar o tempo todo. Intelectuais importantes como Silvio Almeida, quando se metem a fazer política ferram tudo, como ele mesmo caiu na armadilha do Carrefour. A Teia nos dá muita esperança assim como a Luta Quilombola, mas ao mesmo tempo, amplia o abismo entre campo e cidade.

Apontando alguma conclusão

Só reclamar não adianta e menos ainda ficar xingando gerações que nasceram como nativas da internet. O trabalho político organizativo ainda é insuperável e pode perfeitamente abarcar todas as lutas específicas e incidir no conjunto da sociedade. Se falta teoria política, ou se esta precisa ser retomada, é outra tarefa e cada vez mais urgente.

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