Sem saber utilizar as ferramentas contidas na caixa, uma caixa, cheia ou vazia, está sempre vazia de sentido para quem não domina seus recursos O mesmo vale para as ferramentas conceituais embutidas nos discursos ausentes de conteúdo analítico.


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Sem saber utilizar as ferramentas contidas na caixa, uma caixa, cheia ou vazia, está sempre vazia de sentido para quem não domina seus recursos O mesmo vale para as ferramentas conceituais embutidas nos discursos ausentes de conteúdo analítico.

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Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé, 22 de agosto de 2006

Em plena campanha eleitoral, uma das impressões recorrentes é estarmos vivendo um grande vazio político. Não falamos do clássico “vazio de poder”, coisa que na prática não existe. Mas, a afirmação é de sensação de vazio, onde a propaganda dos candidatos está muito desvinculada de sua capacidade de materialização. Semana passada, expusemos como a falta de informação estratégica implica no duplo discurso teatralizado. Neste texto, traremos um exemplo de conceitos fundamentais que passam a léguas de distância de todos os palanques.

Para trabalharmos com informação estratégica, é necessário reafirmar a idéia formadora do conceito de estratégia e informação. Comecemos pelo segundo. A informação, para ser utilizada além do rótulo, necessita passar por um processo de análise. Destes processos, o mais conhecido e popularizado em milhares de consultorias de marketing e administração, é uma versão civil do chamado ciclo de inteligência. Se fosse uma fábrica ainda fordista, a matéria prima passaria pela seguinte linha de montagem: coleta/captação – classificação – primeira análise (bruta) – segunda análise (fina) – processo (sempre comparativo) – destino e operacionalização.

Embora pareça algo complexo, tal processo é de uso comum de um sem número de espaços de decisão. Na ausência de análise e destino da informação, os dados pouco ou nada diferem de uma caixa vazia. Ou seja, ainda que tenha validade estética, a não ser que o objetivo seja colecionar caixas, uma caixa vazia serve para quase nada. O mesmo ocorre nas campanhas. Um candidato afirma que vai destinar uma certa quantia, X R$ milhões de reais para um setor de governo, digamos, o saneamento. Mas, sem a informação precisa de quantos milhões de reais são necessários para o investimento inicial no sistema cloacal, o eleitor fica sem saber se a quantia prometida é muita ou pouca. Ou seja, sem saber quanto é o investimento mínimo para um determinado empreendimento, R$ 10 milhões de reais podem ser muito ou pouco, significativo ou irrisório.

Já a idéia de estratégia é por si só alvo de desinformação. Em última analise, estratégia implica em conflito, antagonismo, disputa e luta. Considerando que ninguém age sozinho, a autonomia estratégica implica em supremacia na interação estratégica. A disputa em um cenário complexo necessariamente, passa pela aplicação do ciclo de inteligência sobre os demais atores presentes no contexto do conflito (manobras) e a resultante dos ciclos de análise e embates a cada teatro de operações (batalhas). Trazendo a comparação para o terreno da política brasileira, é notório e sabido que os lobbies e consórcios político-empresariais entram em conflito por diversos interesses simultâneos. Peleiam entre si no limite da sobrevivência de seus membros como setor de classe dominante. Na maior parte das vezes, a razão de classe fala mais alto e o instinto de auto-preservação e acordo superam os ódios gerados e geradores de disputa.

Assim, se a massa do eleitorado tivesse acesso não só ao jargão da análise, mas aos instrumentos dos analistas, seria mais fácil compreender e não ser surpreendido pelos jogos de bastidores. O instinto de preservação salvou os mensaleiros, boa parte dos anões do orçamento e retira da lista dezenas de sanguessugas. Este mesmo sentimento impede que Geraldo Alckmin saia de sua indecisão de aceitar a opinião do PFL e de setores tucanos e parta para o vale tudo eleitoral.

Fernando Collor de Mello não teve este pudor, trouxe a Miriam Cordeiro para a campanha de 1989 e venceu a disputa na base da baixaria, escorado na edição do Jornal Nacional e com dinheiro jorrando do caixa 2 das transnacionais. Em compensação, a oposição sofrida e o abandono de seus ex-apoiadores esgotaram sua capacidade de governo. Mesmo nos piores momentos de FHC, o PT como estrutura partidária evitou embarcar em situações complicadas como a do Dossiê Cayman (tanto o falso como o verdadeiro) ou então abordar temas de ordem pessoal, como o da jornalista da Rede Globo, Miriam Dutra.

Particularmente entendo que a disputa eleitoral não deveria grassar pela baixaria. Mas, do ponto de vista estrito da atual oposição, ou a aliança de PSDB e PFL aponta o alvo para o presidente, ou então é melhor desistir da disputa presidencial. Se por um lado, a informação estratégica a respeito de ex-mulheres e ex-amantes é importante para uma campanha teatralizada, por outro, para a população isto não é nada estratégico. Até porque não implica em nenhum interesse irreconciliável sendo disputado. Ou seja, para a maioria dos brasileiros não passa de fábula folhetinesca de quinta categoria.

Com o intuito de aportar, minimamente, para este debate público, desejo ir além da baixaria de campanha e trazer alguns elementos conceituais. Traduzindo para linguagem corrente, trago algumas ferramentas e no artigo seguinte concluo a análise crítica oferecendo uma projeção de possível emprego destes conceitos. Este exercício seria parte de um treinamento básico para os eleitores, se e caso vivêssemos sob um regime de democracia participativa, direta e deliberativa. Isto é, justo o oposto do regime de mando indireto, delegativo e de hiato de representação. Assim, algumas informações básicas que em nossa opinião deveriam ser pauta obrigatória para os elementos de discurso dos candidatos são as seguintes orientações de governo:

– concessões públicas: os serviços concedidos pelo público através do Estado e sua necessária regulação; um exemplo são as concessões para canais de rádio e TV.

– política econômica: as fontes de receita e administração do Estado, a carga tributária, a aplicação do orçamento; como é o caso da muito aplicada e pouco discutida DRU, a Desvinculação dos Recursos da União, contingenciando verbas e canalizando-as para o esgoto da ciranda financeira.

– economia política e infra-estruturas necessárias: os modelos de serviços e negócios aplicados área por área e suas necessárias cadeias produtivas; tal é a situação da cadeia de semi-condutores e de micro-eletrônica, especificamente na urgente necessidade de fabricação de chips no Brasil.

– políticas públicas: as ações de governo para atender demandas da sociedade, universalizando o acesso a bens, serviços e oportunidades através de pesado investimento público; este é o caso emergencial da inclusão digital e do acesso a conteúdo e produção de informação.

Estes quatro conceitos e as respectivas informações correspondentes para sua execução no mundo real deveriam ser pauta da disputa. Este debate, assim como a matriz energética a ser aplicada em nosso desenvolvimento, a política externa do Brasil, o modelo agrícola e fundiário, dentre outros, seria informação estratégica para as maiorias do país. Uma vez que a campanha não passa por decidirmos nosso destino, mas somente alguma variável de um destino pré-traçado, o conflito antagônico que veremos é entre candidatos, e não entre propostas de fundo.

Quando a luta popular não pauta as decisões, nos resta apostar na capacidade de convencimento dos marketeiros de plantão. Se e caso Geraldo escutar seus aliados do PFL, a campanha pode ao menos ficar mais emocionante. Então, teremos a “alegria” de assistir passivamente a uma telenovela real, um choque indireto entre atores do quilate de Ricardo Sérgio de Oliveira e Eduardo Jorge Caldas de um lado, e Delúbio Soares e Paulo Okamotto do outro.

Do jeito que a campanha anda murcha, não teremos a disputa na forma da baixaria das acusações reais de Caixa 2, dentre outras irregularidades. Infelizmente, nesta arena também não vai entrar em jogo o destino do povo e do país.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat

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