3ª, 30 de janeiro de 2007, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé
Desde a decisão do pleito eleitoral e a confirmação das bancadas, uma nova tipificação de políticos profissionais vem sendo difundida pela mídia gaúcha. Deputados estaduais e federais, muitas vezes em condomínio e consórcio entre eles, administram casas de hospedagem para pacientes vindos do interior. Segundo os parlamentares, estas são casas “solidárias”. O senso comum apelidou de albergues aos estabelecimentos de assistência social privada, destinados a hospedar eleitores-pacientes que se deslocam para a capital para se internar em algum hospital conveniado com o SUS. E, os padrinhos destas casas, ganharam a conotação pejorativa de albergueiros.
O julgamento destes políticos já se tornara uma novela, levando ao estrelato os advogados de defesa especializados em direito eleitoral. Muito se especulou a respeito de absolvições, cassações e liminares sem fim. É preciso destacar que o assunto rendera, levando repórteres das rádios locais, alem da mídia impressa e telejornais do estado a darem cobertura exclusiva e plantões no TRE/RS. Iniciados os julgamentos em dezembro último, o assunto entreverou com interesses diretos e indiretos, como o Pacto pelo Rio Grande, o aumento do Judiciário e do Ministério Público e a posterior derrota do Tarifaço de Yeda Crusius e Aod Cunha.
No último capítulo da novela dos “albergueiros”, até agora se salvaram todos os involucrados. Os deputados estaduais do PTB/RS, Iradir Pietroski e Aloísio Classmann, e o pedetista Adroaldo Loureiro foram absolvidos pelo pleno do TRE no fim da tarde da quarta, 24 de janeiro. No dia seguinte, uma liminar no TSE garantiu a diplomação dos deputados estaduais Giovani Cherini (PDT) e Márcio Biolchi (PMDB), assim como o suplente de deputado federal Osvaldo Biolchi (PMDB). Na sexta-feira 26 de janeiro, o TSE assegurou, sob medida cautelar, a posse dos deputados federais Pompeo de Mattos (PDT) e Vilson Covatti (PP), além do estadual Gerson Burmann (PDT).
Os Recursos Ordinários ainda serão julgados pelo TSE, mas até esta definição, os parlamentares cujos processos de cassação de diplomas ainda tramitam, poderão assumir e exercer suas funções. Para debater o papel dos albergueiros e a função do assistencialismo como prática eleitoral, os conceitos da política têm importância mais relevante do que a argumentação jurídica.
Ainda que exista uma brecha legal para o trabalho de assistência, os deputados argumentam que o fazem como voluntários. Nada consta contra alguém que, de boa e livre vontade, receba pacientes do interior do estado para serem atendidos na rede hospitalar porto-alegrense. Assim, se e caso o trabalho fosse apenas humanitário, se podia manter estas casas nenhum tipo de vínculo com as candidaturas. Caso os parlamentares quisessem ajudar, poderiam fazer doações anônimas, sem contato direto com os eleitores.
Todos nós sabemos que nem a velhinha de Taubaté, ainda que ressuscitada, poderia crer em tamanha benevolência. Na ausência do funcionamento do SUS, representantes legais da sociedade operam nas lacunas do Estado. Na década passada, chegou a existir uma verba assistencial para trabalhos semelhantes. Toda uma rede de relações, incluindo listas de contatos e mapas eleitorais operam como atividade-meio deste “serviço voluntário”. A moeda de troca é o voto, onde uma cadeia de comando e influência atua vinda dos respectivos redutos eleitorais. Nada disso é especulação, até porque foi flagrado infindável material de campanha nos tais albergues.
Enquanto os albergueiros são absolvidos, a academia brasileira debate arduamente se ainda existe clientelismo no Rio Grande. Uma teoria torna-se absurda quando seus conceitos são inaplicáveis na sociedade real que os produziu. Não tem cabimento discutir se temos ou não relações de clientela e prebenda entre os políticos e o eleitorado gaúcho. Isto tem de ser tomado como dado de realidade, por mais horrível que seja a constatação. O tema de fundo é outro. Havendo relação clientelística, quais regras são necessárias para coibir e punir esta forma de fazer política?
Não resta dúvida de que estes deputados atuam nas falhas do Estado que eles mesmos são co-responsáveis por legislar. Sendo a vaga na fila do atendimento e a hospedagem na capital uma moeda de troca, é óbvio que a atuação deste tipo de parlamentar prejudica a melhora do Sistema Único de Saúde. Estes políticos profissionais são diretamente favoráveis a permanência da chamada “ambulaçoterapia”. Basta observar a rotina dos maiores hospitais de Porto Alegre e podemos notar ambulâncias de centenas de municípios diferentes e distantes. No vácuo da rede estatal esfacelada entra o serviço do albergueiro.
O cenário complexo nos oferece a inferência de raciocínio. Vejamos. A verba alocada para a saúde não passou de 6% no ano fiscal de 2006. Os hospitais filantrópicos estão à beira da falência, sendo que um ato em sua defesa, convocado pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), reivindicando aumento do repasse de verbas, está ocorrendo no exato momento que este artigo é postado. Na ponta do serviço público, 70% do atendimento hospitalar do SUS é realizado por médicos residentes, que se viram obrigados a fazer uma longa greve visando aumentar a remuneração de R$
Do outro lado do problema, de forma definitiva ou cautelar, a todos os albergueiros será permitida a diplomação. Embora pareçam ser novelas distintas, é a mesma trama social sendo orquestrada, e sem nenhuma coincidência.
Artigo originalmente publicado no blog de RicardoNoblat