Nos últimos meses, diversas manifestações, passeatas, acampamentos, ocupações e demais ações de rua vem sido noticiadas com alto grau de sensacionalismo. Busca a mídia oficial, justificar a reação da direita contra as formas de luta popular, com leis repressivas e razões de Estado. Independente destes motivos da direita para reprimir, cabe refletir um pouco das razões e estratégias dos atos de rua no contexto da luta popular brasileira. Vamos situar este texto nas passeatas e manifestações urbanas, considerando as especificidades das lutas no campo e na cidade, por mais que estas venham cada vez mais a se fundir. A princípio, listamos três grupos de motivações, cujas influências variam a cada situação, categoria em luta e campanha pública. Analisamos abaixo um a um.
A política de massas
Toda e qualquer passeata, ato relâmpago e manifestação de rua (com ou sem confronto), por princípio, implica em expressar publicamente uma luta específica. É na rua que a classe dá vazão e torna pública uma pauta de reivindicações, as razões de uma greve ou protesto contra esta ou aquela opressão do inimigo de classe. Tomando as ruas da cidade burguesa, a categoria ou setor estaria clamando a solidariedade dos demais oprimidos, tanto para apoiar a sua luta específica, como para outros setores aderirem a manifestação. Ao sair do seu local de trabalho, estudo e moradia e aderir ao cordão popular, o povo ganha forma, rosto e conteúdo, solidariamente se juntando aos companheiros em luta a partir de seu próprio cotidiano.
Fazendo isso, a classe consegue tornar pública e visível sua própria pauta e ponto de vista. Ainda que considerando tudo em termos ideais, mesmo reduzindo estes conceitos a termos de hoje, veremos que é exatamente isto que acontece. Quando há mais de 1000 pessoas na rua, por exemplo, podemos ter certeza que ao menos 4000 serão influenciadas diretamente pela passeata, isto porque dos 1000 manifestantes, cada um deve se relacionar com outras 4 pessoas (no mínimo), e comentar minimamente os lances mais espetaculares da manifestação. Ainda que este participante não conheça inteiramente os pontos da pauta de reivindicações. Se rompe o bloqueio da mídia oficial, já que esta sempre que pode, coloca a esquerda e o movimento popular na invisibilidade. Quando se cria palavras de ordem, gritos de guerra, canções de luta e outros mecanismos, cada tendência e categoria busca popularizar a sua linha de trabalho, concretizá-la na prática política, tornando-a pública em passeata e manifestação. Quase sempre, a corrente e linha hegemônica da categoria em luta, vai expressar nas suas palavras de ordem e canções seus conceitos básicos. Assim, numa conjuntura favorável, no coração da cidade capitalista, os conceitos vão saindo, dizendo aquilo que a classe em luta fala para si e ao povo a qual pertence.
O enfrentamento
Um cordão em passeata toma a avenida de um grande centro do país. Imediatamente, há uma interferência na vida da cidade capitalista. Cortar uma rua, é como parar uma artéria ou veia de um corpo humano. Quando o trânsito não anda, soma-se ao caos urbano o protesto popular, os carros e veículos coletivos não circulam, a economia e a vida social ordenada é afetada. O Estado como expressão institucional da sociedade de classes, tem de intervir. Fazer uma passeata, quando a luta é autêntica, não é pedir licença e sim tomar a rua. O povo em marcha ocupa e impede o trânsito na cidade, e uma vez que está em luta, busca atingir seus objetivos pré-traçados, como por ex: ocupar tal prédio público, pedir a solidariedade de estudantes, trabalhadores, moradores de rua e transeuntes, protestar em frente a tal lugar e até mesmo desafiar o aparato repressivo. Um exemplo disto é quando uma marcha pára em frente a uma delegacia para libertar um companheiro preso, ou protesta em frente a um banco ou o consulado dos Estados Unidos.
Uma outra característica é o enfrentamento em si. O povo em marcha enfrenta a repressão e isto faz parte até da formação política. Poucos são os militantes que continuam inocentes ou iludidos após enfrentar fisicamente a repressão. Desde a simples correria até o enfrentamento de rua sistemático, tudo faz parte de um aprendizado e também de uma prática política. Uma vez que a etapa é de acumulação de forças e luta a nível de massas, é o próprio povo, em quantidade massiva, que deve ser o protagonista da luta, incluindo aí o confronto em si. Quando o Choque avança em linha ou em meia-lua de centúria, escudos enfileirados, batendo com o cassetete no escudo, com capacetes, bombas e gás; a situação emocional se altera e a confiança balança. É uma prova de fogo para o militante. Obviamente, que o nível do enfrentamento de rua a nível de massas, deve ser sempre avaliado politicamente, quando e a que ponto, e sempre cumprindo com as linhas básicas definidas na assembléia da categoria em luta. Um outro aspecto interessante é a vitória num conflito específico. Isto aumenta a confiança da base organizada e fortalece as posições políticas dos setores de esquerda combativa.
A experiência política
Do momento que o setor ou categoria inicia a luta, ao instante que sai dela, tudo também é uma experiência política. Parte desta experiência é o ato de rua, de onde nenhum militante deve sair como entrou. É a experiência de prática política que fortalece cada membro de uma base organizada, e com o tempo, gera o caldo de cultura para se aprovar medidas radicalizadas. Tais como, a ocupação de espaços de trabalho e estudo com atividades em conjunto com as comunidades da área.
Muito importante para a luta popular, é quando a classe começa a perceber que tem seu próprio mecanismo de deliberação, e este mecanismo funciona. Neste momento, ainda que de forma muito tímida, brota a semente do Poder Popular. Fazervaler deliberações e demonstrá-las publicamente nas ruas da metrópole, é uma da funções das passeatas e atos de rua. Mesmo que por poucas horas, quando é tomada parte da cidade, percebe-se a capacidade de organização do povo. Fazervaler e avançar esta capacidade é a função da militância mais comprometida.