Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2001
Este texto tem o intuito de buscar aprofundar o possível, ser didático e expor os motivos e processos reais que levaram aos atentados contra as torres do World Trade Center (WTC) em Nova York e no Pentágono em Washington, capital dos EUA. Partindo do fato que é por todos conhecido, tentaremos aprofundar a respeito dos agentes da ação e o processo que os levou a tomar como medida este tipo de atentado.
É necessário esclarecer que o nível de rigor não é muito alto, sendo que as informações mais precisas poderão ser encontradas na mídia e nas páginas de Internet especializadas, tanto as acadêmicas como as páginas oficiais dos atores envolvidos. Apesar de não utilizar o sobrenome paterno, eu, como autor deste texto, sou pela minha própria descendência, ambientado no tema. Além do interesse de estudos, tive alguma participação política, nos apoios possíveis à Causa Palestina, no Comitê pela Libertação da Presa política brasileira Lâmia Maruf Hassan (presa em Israel de 1985 a 1997) e me correspondendo com parte das forças de esquerda atuando neste processo.
Esclarecemos também que sou analista e militante libertário, comprometido com os processos desta corrente na América Latina. Assim, entendemos que ficará mais fácil para quem for ler o material compreender os pontos de vista e critérios de análise utilizados. Pede-se o máximo de frieza para apurar o maior rigor possível, e assim ao menos compreender e emitir uma opinião política a respeito do tema. Cremos que só a verdade liberta e só a realidade transforma, não podendo jamais um analista de rigor e/ou um militante sincero e dedicado, confundir os planos de seu desejo com os processos reais nos quais atua.
Apenas para contextualizar o tempo da produção deste material, este foi escrito depois do atentado e antes da retaliação. Não cabem aqui especulações futuras e sim compreender os processos até o momento da ação nos EUA.
1) A ação
Na manhã do dia 11 de setembro de 2001, 4 aviões de duas companhias estadunidenses (American Airlines e United Airlines) que fariam vôos de costa a costa (da costa leste à costa oeste) foram seqüestrados. A média de homens operando no seqüestro das aeronaves variou entre a 4 a 5 pessoas. A ação do foi efetivada partindo desses princípios:
-ameaça física ao pessoal de serviço de bordo utilizando armas brancas;
-ameaça de bomba através de explosivos atados ao corpo;
-a maioria dos seqüestradores sabia manobrar, em vôo, aviões comerciais, alguns deles inclusive com treinamento de aviação militar.
A seqüência dos atentados foi primeiro numa das torres, 18 minutos na outra e um terceiro avião, aproximadamente meia hora depois no Pentágono. O quarto avião foi derrubado por caças da Força Aérea dos EUA (USAF) sobre uma área rural do estado vizinho da Pennsylvania quando se dirigia para dois possíveis alvos: a Casa Branca ou o avião presidencial (Air Force One).
O intuito da ação não era necessariamente "militar" no sentido clássico do termo. Os operadores se suicidaram, levando com eles a tripulação e quem estava dentro das duas torres, de altos empresários a faxineiros, além de funcionários do Departamento de Defesa dos EUA. Contavam com o óbvio, a presença de câmaras de TV e a difusão do fato ao máximo (as definições de "terrorismo" vemos depois).
Alguns padrões são também óbvios no que diz respeito a origem dos seqüestradores. Segundo os inquéritos do FBI, eram árabes, de religião muçulmana (adeptos do maior de seus credos, o suni , chamado de sunita), de nacionalidade saudita, egípcia e libanesa, homens mais velhos, entre 30 e 40 anos. Estas nacionalidades, em especial a saudita, recebiam menos atenção por parte da Agência de Imigração dos EUA (INS), em função de serem países aliados dos EUA (Arábia Saudita e Egito).
Quanto ao treinamento de aviação, alguns deles, sauditas, também receberam treinamento militar, em típicos cursos de intercâmbio para países aliados ("nações amigas"). Os demais parece que treinaram dentro dos EUA, em cursos livres de aviação civil, treinando em simuladores de boeings.
Um cálculo simples, de no mínimo dois apoiadores para cada seqüestrador em ação, sendo 4 ou 5 por avião, chegamos a uma média de 16 a 20 homens no ato do seqüestro e outros 32 a 40 em terra, circulando em torno dessas células, nos EUA ou na Europa Ocidental (em especial Alemanha, Inglaterra e França).
Quanto aos prejuízos com o atentado, a última quantia girava em torno de US$ 40 bilhões de dólares apenas para a reconstrução da infra-estrutura urbana da parte sul da ilha de Manhattan. Mais alguns bilhões de dólares também no Pentágono, ainda que suas instalações principais estejam no subsolo, num bunker (abrigo defensivo contra bombardeio) de concreto e cimento feito para resistir a um ataque nuclear. Outro prejuízo é o aumento de custos com segurança, tanto na aviação comercial como no pagamento de resseguros, o que pode gerar recessão nos EUA vindo de encontro à queda do PIB deles, desaquecimento da economia, típicas medidas de governos do Partido Republicano. A indústria da aviação comercial iniciou uma quebradeira generalizada, que não dá sinais de parar tão cedo. Apenas para um dado comparativo, a ajuda anual dos EUA para Israel é da ordem de US$ 5 bilhões. Com o atentado contra o WTC, o prejuízo financeiro equivale, no mínimo, a 8 anos de ajuda militar e de infra-estrutura ao Estado de Israel
2) A motivação: O que é integrismo islâmico?
A grande mídia corporativa vem bombardeando o conceito de "radical islâmico" desde há mais de uma década. Reforça este termo como fator motivador para os piores atentados e desumanidades chamados de "terrorismo". Simplesmente, este conceito de "radical islâmico", não existe e não tem fundamento nos países árabes e/ou de fé islâmica.
A idéia mais próxima do fator ideológico dos grupos assim acusados (à frente descrevemos brevemente quais são) é a denominação integrista ou fundamentalista. O que vem a ser isso? A grosso modo, é a aceitação integral, ou de todos os fundamentos, da interpretação legal em forma de lei, a sharia (leis, usos e costumes) das suratas, versos que seriam a descrição do Profeta das palavras de Deus.
É necessária uma breve explicação do que é e como funciona tudo isso. O islamismo é uma religião monoteísta (de aceitação de um Deus único) e revelada. As palavras básicas são escritas em forma de suratas, versos sagrados, recitados pelo Profeta (Mohhammad, erroneamente traduzido por Maomé) de cabeça após 3 dias seguidos imerso numa caverna. O anjo Gabriel os teria dito, frente à frente a Mohhammad (então, chefe de caravana), em nome do Deus único, o mesmo do Velho Testamento. As chances de interpretação da palavra escrita são muito poucas, uma vez que o Profeta era analfabeto e os disse para o escriba da caravana no dialeto de sua tribo, semita como as demais, e parte dos dialetos do idioma árabe.
Este local fica na Península Arábica, onde se localizam os Emirados Árabes Unidos, o Yêmen e a Arábia Saudita. No interior do país saudita fica a cidade de Meca (onde se localiza a Kaaba, pedra angular e sagrada da religião) e Medina , a segunda cidade sagrada do Islam; a terceira cidade sagrada é Jerusalém. É justamente neste país, o Estado que seria o protetor de Meca, onde estão baseadas grande parte das tropas dos EUA, defendendo as reservas de petróleo (2/3 das reservas mundiais) ali localizadas. Por mar, a 5a frota deles "protege" o Golfo Pérsico.
Retornando ao integrismo, este surgiu no século XVIII, numa seita muçulmana chamada de "wahabita", que deu as bases teológicas para sua versão mais política. No século XIX, o integrismo ganha sua linha política, como uma das linhas político-sociais nos países árabes para combater o Império Otomano (atual Turquia) que ocupava a maior parte dos territórios que hoje constituem Estados Árabes. Com o fim da 1a Guerra Mundial e a derrota Otomana, estes territórios passaram a ter mandato inglês ou francês em sua maioria. O integrismo teria surgido junto da outra versão de alternativa regional, o nacionalismo pan-arabista, criado por jovens egípcios, sendo a maioria destes militantes de origem cristã e de classe média. Os integristas egípcios ganham a definição de Irmandade Muçulmana, a partir da década de 1870.
Esta linha de organização político-social só veio a ser majoritária a partir de Revolução Iraniana (1979), mais acertadamente no ano de 1980, quando a teocracia xii (conhecido no ocidente como xiita, o segundo maior credo islâmico, geralmente com base nos setores mais pobres) com Khomeini à frente, derrotou as forças de esquerda suas ex-aliadas contra o regime do Xá, títere da CIA após um golpe no final da década de 1950. Outro fator que para isso colaborou foi a ocupação militar da ex-URSS sobre o Afeganistão, país de maioria sunita mas que, assim como o Irã e o Paquistão, não é árabe. A posição dos grupos de esquerda árabe, mesmo os mais tradicionais, como a Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP) e a Frente Democrática pela Libertação da Palestina (FDLP), de "acatar" a política externa soviética realmente caiu muito mal nas maiorias árabes e muçulmanas. Colaborando com tudo isso, o apoio da CIA e suas redes para incentivar os grupos integristas, a formação de voluntários "afganis" (argelinos, egípcios, sauditas, sudaneses que foram lutar contra as tropas soviéticas) e financiar a legítima resistência contra a ocupação estrangeira no Afeganistão. A base de apoio era a enorme fronteira com o Paquistão, país com maioria da mesma etnia que compõe a maioria do povo afegão.
O integrismo se dá a partir da interpretação de sábios (mullahs, muezims, muftis, xeikhs) sobre os textos sagrados do Corão, e tornando como válidas e únicas estas interpretações (chamadas de sharias, lei islâmica) para a vida social e política. A legitimidade se forma a partir da posição central das mesquitas como espaço mais sadio e preservado da vida nos países árabes e islâmicos.
Esta interpretação pode ganhar contornos inclusive belicosos, com a convocatória da Jihad. Ao contrário do que a mídia divulga, Jihad não é guerra santa, mas simplesmente guerra. Mudjahid é o guerreiro que evoca e pratica a Jihad. O que sim tem relevância é a noção de que toda guerra só é aceita pela população caso tenha contornos sagrados, defendendo ou portando algum conteúdo ou bandeira passíveis de serem validados por alguma interpretação do Corão (causas justas, trabalho sério, esforço positivo). Assim, de forma aproximada, podemos traduzir Jihad por luta justa.
Nas mesquitas e em seu entorno, se encontram as instituições sociais mais fortes em sociedades com um grau baixíssimo de participação popular: as creches; as madrastas, escolas religiosas de instrução fundamental, que são grátis e dão roupas e alimentação para os alunos, o que já é muito para países miseráveis; no entorno delas sempre há um mercado popular e de venda direta; são espaços limpos e seguros onde é possível descansar e meditar; o pagamento de dízimo pelos homens de bem é obrigatório. Este dinheiro que todos pagam e colaboram com os fundos sociais das mesquitas, as sociedades beneficientes e a partir de tudo isto, o espaço social propício para criação e desenvolvimento de partidos integristas.
O Islam, ao contrário do catolicismo, tem uma difusão mais ampla. O fiel estudioso vai se aprofundando no estudo da língua árabe clássica escrita e quanto mais estuda o Corão e se funde na sua instituição local (mesquita e sociedade), vai ganhando autoridade moral e de conhecimento sobre os fiéis. Para o Islam, o corpo é o templo, sendo com isso incentivados costumes de higiene, alimentação e saúde (como quanto a carne de porco, a lavagem das mãos, não-fumar e não-beber). Outras considerações de costumes também são de responsabilidades dos muezins, até o ponto de validar como lei sua interpretação das palavras do Profeta.
É preciso compreender que sem a participação de autoridades religiosas aderidas, é impossível mobilizar a população mais pobre nos países árabes e nos demais países muçulmanos. É um posto de muito prestígio, e também de reconhecimento. Estes são países de maioria analfabeta (ex: o analfabetismo no Paquistão é da ordem de 60% e no Afeganistão quase 80% da população), e mesmo quando não-árabes, o Corão só é escrito na íntegra em árabe, portanto é necessário conhecer profundamente o idioma para corretamente interpretar as palavras de Mohhammad. Mesmo grupos e organizações mais à esquerda, como era a Frente de Libertação Nacional (FLN) argelina na guerra contra a ocupação colonial francesa (1954-1962) contava com autoridades religiosas apoiando e reconhecendo sua autoridade terrena sobre os problemas sociais.
Este é o fato diferenciador. O partido integrista concebe uma única autoridade, social e sagrada, regula a vida através da sharia e não admite contestações, a não ser do ponto de vista pragmático, ou seja, a partir de uma outra posição de força. Por exemplo, o HAMAS palestino dialoga com a esquerda palestina porque esta também opera militarmente e tem força social para disputar com eles o protagonismo na luta de libertação.
Além de não ter muito a noção do diálogo, o integrismo canaliza o descontentamento contra regimes corruptos e tão ou mais autoritários do que eles. Como já foi dito antes, a mesquita é o espaço preservado para uma maioria popular, miserável e analfabeta, e profundamente decepcionada e ofendida em sua dignidade enquanto árabe e muçulmanos em função da prepotência dos EUA e Israel. Além disso, há pouca ou nenhuma distribuição de renda e participação social em seus países.
Outra diferença da postura dos partidos integristas é a insurgência contra os regimes, atuando com muita flexibilidade tática. Tanto se realizam campanhas por "moralização de costumes", como combate às influências ocidentais (filmes, calças jeans, autonomia de hábitos para mulheres), disputas eleitorais e atentados violentos. Também se organizam pela base social, a partir das sociedades beneficientes das mesquitas, oferecendo serviços básicos de saúde e alimentação. Quando o Estado inexiste, como no sul do Líbano ou nos territórios ocupados de Gaza e Cisjordânia, aí os serviços sociais dos partidos integristas funcionam por vezes como a única garantia social para milhões de pessoas.
Cabe uma observação, que é a de que o integrismo não ocorre apenas em países árabes, mas também em países e populações de fé islâmica.Desde a província de Xinjiang, fronteira da China com o Paquistão, passando pela Chechênia sob ocupação russa até a Turquia membra da OTAN. Por outro lado, é impossível afirmar ao Islã sem se referir à centralidade árabe desta cultura e civilização. Se formos levar em conta apenas o fato de que o Corão só pode ser escrito na íntegra em árabe, que a maior parte dos muçulmanos (árabes ou não) é analfabeta em seu idioma de origem, dá para imaginar o que significa aprender uma outra língua e a relevância que esta língua (a do Profeta) tem para estas culturas. A língua e a compreensão da cultura árabe passa a ser um dos fatores de prestígio para populações não-árabes embora islamizadas.
Uma rápida descrição das organizações integristas, aquelas que não são governo, mais importantes no momento são:
– Movimento de Resistência Islâmica (HAMAS), fundado nos anos 1980, palestino e sunita, agindo nos territórios ocupados em 1967 por Israel
– Jihad Palestino, também fundado nos anos 1980, no mesmo terreno do Hamas e também sunita e palestino
– Hizballah (Partido de Deus), organização dos camponeses xiitas do sul do Líbano criada em 1983 para combater a ocupação desta região por Israel.
– Jihad Egípcia – de maioria sunita, mais antigo, seria o sucessor da Irmandade Muçulmana, também sunita
– Frente Islâmica de Salvação (FIS), frente política vencedora das eleições gerais na Argélia em 1994 e desencadeadora de luta armada no país após o autogolpe de Estado feito pelas Forças Armadas. Dentro da FIS está o GIA (Grupo Islâmico Armado), organização que tem maior volume operacional e comete maior número de atentados conhecidos. Também sunita.
Os Estados com governo integrista, ou ao menos hegemonia integrista são:
– Arábia Saudita, monarquia governada pela sharia interpretada a partir dos muezins seguidores e súditos da família real. País e regime de credo sunita, incentivador da seita wahabita, aliados dos EUA, e recentemente de Israel, "protetora" da Meca e hospedeira das tropas de ocupação da OTAN no Golfo Pérsico. Único país integrista aliado dos EUA.
– Irã, governado pela teocracia dos aiatollahs, autoridades do credo xiita, desde 1979, e desde 1980 como partido hegemônico. País de maioria xiita (único lugar onde este credo é secularmente religião oficial).
– Sudão, governado por uma minoria árabe sunita, fundamentalista, e detentora do poder sobre a maioria negra (também sunita) do país.
– Afeganistão, controlado majoritariamente pelo Partido dos Estudantes (Talibã em persa),desde 1995. País de maioria sunita, o Talibã é ex-aliado dos EUA, recebendo apoio da Arábia Saudita, Paquistão, Emirados Árabes e EUA na conquista do poder em 1995.
No plano operacional, os chamados terroristas operam em duas formas. Territorialmente nos países aos quais tentam ganhar as massas populares mais pobres, e com os tipos de atividades que já foram descritos. E a outra é na forma de rede, onde o tão falado Osama Bin Laden e sua Al Qaeda (A Base) é uma das redes mais fortes. É forte justamente por ser uma rede, ajudando e coordenando indiretamente células espalhadas em muitos lugares. Capital flutuante, bases de propaganda a partir de mesquitas, população que emigra e se auto-financia abrindo pequenos comércios (ex: as cidades de Chuí e Foz do Iguaçú), células com bom nível de autonomia (horizontalizadas), pessoal recrutado nas forças armadas dos regimes inimigos, nas camadas intelectualizadas e profissionais liberais, capacidade de crescimento de operadores, uma vez que quanto mais ações, mais voluntários surgem.
Apenas para citar o jornal O Globo , países e regiões árabes que os EUA alegam que tem atividade integrista com gente sendo recrutada para ações violentas hoje são: Argélia, Tunísia, Egito, Sudão, Territórios Ocupados da Palestina, Líbano, Jordânia, Yêmen, e Arábia Saudita.
Não-árabes: Afeganistão, Paquistão, Tadjiquistão, Azerbaijão, província de Xinjiang (China), Chechênia (Rússia) e Cachemira (Índia) (na Ásia Central); Malásia e Filipinas (Sudeste Asiático); Somália e Eritréia (chifre da África Oriental); Croácia, Bósnia, Albânia, Kosovo (Balcãs). Além destes, a terceira força política turca é uma Frente Integrista.
É necessário compreender que nem todos os países acima tem integrismo, mas sim população de fé islâmica que tem a religião como fator de identidade. Mas, é fato que na disputa da identidade popular e nacional, o integrismo cresce como referência ideológica, abrindo campo para ações de violência indiscriminada.
Alguns Estados tratam com integristas no plano tático (ex: a inteligência iraquiana, Líbia e Síria com o Hizballah) sem necessariamente vincular-se a ação. Campos de treinamento para distintos grupos árabes sempre existiram (Argélia, Líbia, Síria, Jordânia e Egito nos anos 70 80), isto quando a esquerda disputava a hegemonia, em especial através dos fedayin (guerrilheiros) palestinos. Apoio financeiro oficial vem do Irã e Sudão, além de empresários e militares fiéis em todo o mundo árabe e islâmico, em especial os sauditas (aliados dos EUA). Campos de treinamento para integristas são co-financiados e postos a disposição de distintos grupos das redes integristas, se localizando hoje em lugares onde quase não há presença do Estado, como no Sudão e Afeganistão. A noção de rede, com autonomia entre as células de uma própria rede, relações amistosas entre os partidos integristas e algum grau de manipulação por parte de Estados e serviços de inteligência que os apóiam são suposições bastante prováveis.
Os países europeus ocidentais com grande número de colônia e imigração árabe e muçulmana (França, Inglaterra e Alemanha, em escala de proporção) são propensos a receberem células, ou até formarem suas próprias unidades de combate com motivação integrista. A FIS e o GIA, por exemplo, tem forte presença na colônia argelina na França. Outra motivação é a onda de supremacia racial, anti-imigração, que tem aos árabes como um dos alvos clássicos. Como exemplo, citamos a população árabe parisiense, que é chamada de "os cinza" (porque seriam cinzas como os ratos de esgotos). Considerando a presença de muezins da FIS nas mesquistas para onde freqüentam estes jovens, é possível dimensionar o tamanho do potencial de crescimento integrista.
3) Israel, aliados dos EUA, subimperialismo e imperialismo
A presença do Estado de Israel e o apoio dos EUA ao país sionista sem dúvida é um fator de tensão na região e que se verifica em todo o mundo árabe e islâmico. Por outro lado, a existência do conflito árabe-israelense é o grande bode-expiatório para todos os males dos países árabes. Torna-se um excelente fator para a corrida armamentista, para gastar somas altíssimas com a "defesa", não investir nada na distribuição de renda e justificar todo autoritarismo de monarquias (Marrocos, Tunísia, Arábia Saudita, Emirados, Kuwait, Jordânia), ditaduras familiares com base militar (Síria e Iraque), ditaduras militares (Argélia, Egito) e composições étnicas sem divisão de renda (Líbano).
O papel do Estado de Israel equivale para a região à função de subimperialismo, da época das fronteiras ideológicas (1945-1991), como eram países como Brasil, África do Sul, Turquia e Tailândia em suas respectivas regiões. A presença israelense, garante supremacia militar, coagindo as reservas e os preços do petróleo em todo o mundo. Óbvio que o tema de Israel e o sionismo é mais complexo, e antecede o cenário traçado acima. Mas, fora as questões próprias da existência de Israel como um direito (em termos políticos é correto e "inevitável"), o país funciona como aparelho civilizador, a base de guerra, da economia e política do ocidente na região. Apenas para citar, também coage o conjunto das comunidades judias ao redor do mundo, hegemonizadas que são pela direita sionista e concordando com sua própria condição de classe (dominante).
Os EUA, Israel e o ocidente operam com outras formas de aliança, em especial de uns 20 anos para cá. O primeiro país a assinar acordo de paz e reconhecer o direito à existência de Israel foi o Egito, no governo Anwar Sadat (em 1981, a Jihad de lá mandou o presidente Sadat para o inferno). No início da década de 1970 (1970-1971), a guerra civil jordaniana contra a monarquia hachemita (país de maioria palestina) levou a expulsão da OLP para Beirute (posteriormente expulsa para Túnis, Tunísia, até assinarem os acordos de Oslo, em 1993) empurrou a Jordânia para o grupo de países "traidores da Causa Árabe". A Arábia Saudita, primeiro país fundamentalista e sempre alinhado com o ocidente, embora não reconhecesse Israel até os acordos de Oslo, é outro aliado clássico ocidental (em especial após a Guerra do Golfo). Dos aliados históricos do ocidente, os mais notórios são a monarquia marroquina (com a França) e as famílias cristãs dominantes no Líbano.
A partir da tomada do poder pela teocracia xiita no Irã, o ocidente articulou uma disputa de fronteiras quase inexistente, fortalecendo o poderio militar do Partido Baas (partido militar árabe, uma das linhas de libertação nacional árabe, no poder na Síria, Líbia e Iraque) na figura da família Hussein e seu chefe, Saddam Hussein. Nesta guerra, Irã-Iraque, se acentuou uma divisão na política interna dos países árabes e acirrou a contradição entre o projeto pan-arabista e o projeto integrista (se é que se pode chamar de "projeto político" integrista). O Baas iraquiano convocava uma unidade pan-árabe contra o antigo inimigo persa. O Irã convocava a unidade islâmica, em especial dos mais pobres, geralmente comunidades de credo xiita, contra a agressão do aliado do ocidente. Os EUA e a direita israelense riam de orelha a orelha e satisfeitas.
Outra contradição, em sintonia com esta, foi a ocupação soviética do Afeganistão. Obviamente que os EUA elegeram como aliado tático a resistência afgani, e compuseram uma rede de apoio aos voluntários árabes que foram lutar contra a invasão de um país do ocidente (a Rússia ortodoxa, inimiga histórica, travestida de país líder da URSS), que não conseguia "comover" sequer os países islamizados de sua União contra o Afeganistão. Isso gerou uma profunda comoção no mundo árabe e ajudou a virar de vez o jogo da hegemonia dos anseios populares para os integristas. Calcula-se que aproximadamente 20 mil voluntários egípcios e argelinos foram lutar contra as tropas soviéticas de ocupação (de 1979-1989). É esta a geração heróica da FIS (e a GIA mais barra pesada) e da Jihad Egípcia (e também da FIS do Egito, frente eleitoral) que hoje opera nestes países. O ocidente conseguiu destruir de vez a chance de unidade árabe por esquerda.
Na ocupação e guerra civil libanesa, se construiu uma frente palestino-árabe-muçulmana em Beirute Ocidental, contra os sionistas-cristãos-ocidentais. Esta seria a última grande aliança com a esquerda à frente da resistência árabe-palestina. O Hizballah foi criado justo em 1983, ano dos massacres de Sabra e Chatila (campos de refugiados palestinos), da retirada de Beirute dos fedayin (e da estrutura da OLP para Túnis) e da guerra civil palestina em função da dinastia corrupta da Fatah (partido majoritário da OLP, com Arafat à frente). O Hizballah superou a Amal (milícia sunita libanesa, mas satélite da Síria; hoje são aliadas eleitorais), com verba iraniana, convocando sua própria unidade árabe-islâmica, unificando os discursos e passando à frente na resistência contra a ocupação sionista do Sul do Líbano.
Aliados táticos do ocidente, o agora famoso Osama Bin Laden (não por acaso saudita) e suas redes, ou a rede que é parte de outras, também funcionou no apoio contra o Iraque na Guerra do Golfo. Com as redes já prontas, e a infiltração da CIA através do Curdistão histórico (norte da Síria, oeste da Turquia, norte do Iraque, leste do Irã), mais dinheiro jorrou para as mãos dos integristas. Após a guerra, os integristas viraram seu objetivo (geral), apontando seus anseios para as conquistas dos bodes expiatórios da região: o Estado subimperialista de Israel e a agora forte presença dos EUA na região. Os constantes e infundados bombardeios sobre o Iraque (cujo governo de Hussein após a Guerra do Golfo, não caiu por opção da OTAN) e a queda no nível de vida e do preço do petróleo levaram às massas árabes a entenderem que não haveria saída pelos modelos anteriores nacional-árabe-progressista.
Para piorar de vez a situação, os acordos de Oslo, que não foram discutidos por nenhum outro partido palestino que não a Fatah (de Arafat), apontavam para uma rendição palestina e não a reconquista dos próprios territórios. Com isso levou a formação de um comitê opositor contra a direita palestina, da Autoridade Nacional Palestina (ANP), frente essa que põe a esquerda (FPLP e um ou outro grupo pequeno), os nacionais-militares (os grupos baasistas palestinos, como Al-Saika, outrora fortes) e os integristas sunis palestinos (HAMAS e Jihad Palestino) a formar um bloco. Isso, mais a manipulação do Hizballah pelo governo Sírio (que funciona como poder moderador no Líbano, durante e após a guerra civil) levou a outro bloco de alianças.
Estados com ou sem vínculos integristas (como Líbia e Síria, em menor parte o Iraque) passam a colaborar com estas redes. A queda da URSS brecou o financiamento bélico de vários países, o apoio da OLP ao Iraque quebrou o orçamento do governo palestino no exílio (de cada US$ 3 dólares que recebiam, passou a entrar só 1 ou 0,50 centavos), e mais uma vez funcionou o bloco de aliança tática ocidental (uma vez que a Liga Árabe nada fez, e o dinheiro saudita e dos países do Golfo acabou) quebrando qualquer discurso de unidade destes países. Para completar a "desgraça" nacional-árabe, as capitulações escancaradas do Egito, depois Jordânia, da direita Fatah (hegemônica na OLP), o fim da guerra civil libanesa sem alterar a correlação de forças internas nem a distribuição de renda ou poder, as conversações com a Síria e Israel, além da baixa de perfil da Líbia levou ao melhor dos cenários para os integristas.
Os Estados árabes, na sua quase totalidade, são ditaduras, e o pior, nem combatem mais o bode expiatório. Capitularam na única luta legítima que ainda tinham, contra o imperialismo e Israel. Já os integristas derrotam a URSS no Afeganistão, tem autonomia de política externa no Irã, não assinam acordo de paz através do HAMAS, derrotam Israel com o Hizballah, vencem a eleição na Argélia (tomam um golpe de força e encaram os militares) e declaram guerra ao governo traidor dos árabes, o egípcio. O integrismo passa a ser a "melhor opção" para as massas árabes, além de quebrar o discurso pan-nacional, substituído (na medida do possível) por um discurso pela reconstrução da Umma, rumo ao pan-islâmico.
Os ex-aliados contra a esquerda árabe, contra os movimentos de libertação nacional e, também é importante falar, contra a política externa soviética na região, viraram o jogo contra os ex-padrinhos e tomam à frente na luta contra o ocidente. Para piorar a situação, as tropas da OTAN (com os EUA à frente) estão ocupando a Arábia Saudita desde 1990. Discurso pronto, e legítimo, para expulsar os infiéis de Meca e Medina! Quais os objetivos estratégicos do imperialismo em ocupar o território saudita? A questão do petróleo e cumprir a pauta do ocidente em relação a pagarem o preço justo por terem perseguido aos judeus, desde Roma até a 2a Guerra mundial. As pautas sociais dos países árabes, assim como no mundo islâmico, não é nem será respeitada. Indiretamente, os integristas ajudam socialmente muito mais que os governos árabes e islâmicos corruptos (como os indonésio, malaio e paquistanês por exemplo).
Globalmente, o discurso anti-imperialista tem muito mais ênfase por parte do integrismo islâmico do que de toda e qualquer outra corrente de oposição ao capitalismo globalizado. O discurso é mundial, pan-islâmico, como proposta mínima de civilização, não-decadente e com condições melhores de vida. Os indicadores sociais do Irã após a guerra contra o Iraque, são melhores do que qualquer outro país da região, a não ser os emirados do Golfo.
A capacidade de se insurgir contra uma proposta de Estado laico, identificado como opressor, corrupto e injusto (o que é verdade) e a capacidade de permanência (através de uma interpretação da fé) com populações com grande capacidade de sacrifício são bases de uma proposta de movimento por uma outra globalização, a partir da interpretação da sharia. Apenas para complementar, importa lembrar que como oposição ao imperialismo, o integrismo não propõe luta de classes, nem antes nem depois da tomada do poder ou da derrota do ocidente. Sua capacidade de reprodução e de crescer mesmo em setores com alto nível de instrução são o fruto do estímulo que o ocidente deu aos seus aliados táticos contra a esquerda árabe nos anos 1970 e 1980.
4) Terrorismo, martírio e combate anti-imperialista
Este talvez seja o tema mais delicado, que necessita ser avaliado com cuidado. Existe diferença entre terror generalizado e terror seletivo, este segundo como forma de desestabilizar uma elite, governo, infra-estrutura ou economia. Ou seja, "terror" que opere como fator auxiliar para uma luta conjunta, em distintas frentes, seja com um objetivo de libertação nacional ou de socialismo. Bem diferente a este terrorismo praticado à revelia ou indiscriminadamente.
Bakunin falava de terror seletivo, e o praticava, já no século XIX, assim como o Partido da Vontade do Povo Russo, onde militava Kropotkin. Nem sempre tudo é perfeito e convenhamos, nem toda operação poupa inocentes. Mas, admitir que não é o objetivo atingir inocentes ou civis, ou trabalhadores que passem pelo local na hora do atentado é diferente de ter como objetivo estratégico o pânico generalizado contra toda uma população.
O terror indiscriminado mais se parece com um bombardeio aéreo contra alvos de um Estado, como cidades, indústrias; ou mesmo a chamada terra arrasada, como foi feito pelos EUA no Vietnã e em El Salvador. É distinta da ação direta anarquista na Argentina dos anos 20, quando o grupo de Di Giovanni explodiu a embaixada dos EUA por causa do julgamento de Sacco e Vanzetti. Este mesmo grupo explodiu a embaixada da Itália então sob governo fascista. Os alvos eram subordinados à uma opção política, uma causa popular, e todos sabiam que seriam alvos fixos dos grupos anarquistas. Explosão de delegacias e restaurantes de elite (ações típicas dos anarquistas), atentados contra hotéis e centros turísticos sem vítimas (típica ação anti-franquista na Espanha dos anos 1960 e 1970) e mesmo eliminação física de presidentes, ministros, empresários e militares de alta patente sempre tiveram vínculo e compreensão da classe em luta. São um fator a mais, apoiando a luta popular com o povo à frente. Em suma, a luta armada defendida pelos anarquistas, tida como um dos níveis do enfrentamento total à ditadura de classe dominante e ao imperialismo não tem correlação com o terror indiscriminado.
Este terror decreta como alvos permanentes todos os naturais dos EUA e de Israel, civis ou não, trabalhadores ou empresários, autoridades ou faxineiros, pouco importa. A idéia é gerar o pânico em toda uma sociedade, não necessariamente vinculando o medo da elite sair às ruas como o choque entre um povo e seu opressor. Não tem objetivo militar ou econômico, a luta é de signos, o símbolo de uma civilização vai abaixo, é um modelo de sociedade combatido. A guarida e o abrigo se torna o conforto espiritual, a aceitação total da interpretação da fé (sharia), transcendendo à realidade, apontando objetivos de eternidade através da luta terrena. De forma inteligente, mistura ações legítimas e compreensíveis, como o ataque contra à fragata dos EUA patrulhando as águas do Golfo e o combate à invasão estrangeira sobre o solo afegão; com ações de sabotagem econômica (massacres contra os turistas do Egito, alegando que são infiéis), chacina contra civis que apóiam ou são coagidos pelo governo argelino até ações como esta do WTC e do Pentágono. Note-se que o WTC vem junto do Pentágono (um alvo legítimo), mas com a utilização de civis como munição viva.
Já o martírio, é muito anterior ao próprio Islam. A idéia do martírio e da Jihad, transcende as palavras do Profeta, foram incorporadas e desenvolvidas com a islamização dos árabes, através da luta pela tomada da Medina e da posterior "Avançada Verde" (verde é a cor da bandeira do Profeta – erroneamente chamada de marcha verde). É um conceito comum mesmo em regimes não-integristas. Nos livros de ensino fundamental sírios, por exemplo, a idéia de sacrifício por uma causa justa é difundida. Fedayin (significa, aqueles que se sacrificas) é o nome adotado pelos guerrilheiros palestinos das primeiras incursões contra os sionistas. É uma característica das palavras árabes entoarem esta idéia poética e ao mesmo tempo de força. A esquerda, os movimentos de libertação nacional e depois os integristas incorporaram este vocabulário e também estas idéias, enraizadas e legítimas no mundo árabe.
Assim, a disputa se dá na forma de combater o imperialismo, e não se há combate ou não. Óbvio que se torna mais difícil fazermos a analogia com nossa realidade aqui na América Latina, mas é preciso compreender que a luta contra Israel e o imperialismo é um sentimento popular e legítimo. E, não será através de nenhum acordo secreto, como o de Oslo, que vai acabar. Entendemos que é impossível hoje a destruição de Israel, ou conforme os objetivos da extrema-esquerda da região, promover a luta de classes inter-étnica. Quem for hegemônico na prática de combate ao imperialismo na região, pode determinar a luta popular e mesmo o sentido de existência dos setores mais desesperados do mundo árabe. O mesmo se aplica ao mundo islâmico, aí sim distribuído por vários contextos, promovendo uma luta global contra a atual etapa do capitalismo, mas propondo um modelo de sociedade única e bastante autoritária.
É preciso lembrar que o Islam não é uma religião apenas de árabes, e embora centralizada na cultura e na região arábica, trabalha com a hipótese de conversão e aceitação do Islam (rebatizando o fiel na língua e no padrão cultural do Profeta). Apenas como exemplo, o avanço do Islam na África sub-saariana destruiu ou submeteu culturas milenares, sem no entanto alterar a condição de vida dessas populações.
5) Comentários do cenário local, América Latina e Brasil
Cabem algumas poucas observações para completar esta breve análise. Primeiro é quanto às populações de origem árabe que vivem na América Latina. Em alguns países, como Brasil, Argentina e Equador, os patrícios e brimos (como nos chamamos) são parte atuante das elites, alguns da direita mais corrupta e fascistizante, como é o caso já "caricato" de Paulo Salim Maluf. Estes descendentes são de maioria de árabes-cristãos (melquitas, maronitas, ortodoxos e antioquinos) e quando islâmicos, de maioria sunita. A imigração xiita é pequena e recente. O poder da direita árabe é maior do que parece. No Equador já fizeram dois ex-presidentes, ambos derrubados por corrupção e desmandos. Na Argentina, Saul Menem, vinculado a máfia de contrabandistas sírios, fez uma década de governo tão corrupto quanto neoliberal.
Não são hipóteses válidas uma possível perseguição a famílias de classe média e elites brancas, ainda que árabes, na América Latina. A imigração árabe para os EUA pouco ou nada tem a ver com a que veio para cá. Ainda que a mídia se esforce por caricaturar todos os árabes, elite alguma gera contradição em seu seio sem motivos válidos. E, o atentado para isso não é motivo algum.
Áreas sensíveis são as zonas de fronteira no Brasil, Corumbá (MS), Chuí (RS) e mais do que nenhuma outra, Foz do Iguaçu (PR). A imigração palestina tem por hábito se estabelecer em áreas de fronteira, e são casos típicos estes acima. Em Foz do Iguaçu a situção é complicada, pois é corredor de passagem e possibilita as redes funcionarem, para todas as funções e causas, a integrista inclusive. Atentados como a da Embaixada de Israel (1992) e da AMIA (1994, ambos em Buenos Aires), passaram por lá, com apoio da inteligência iraniana, da extrema-direita argentina e com verba da máfia menemista no poder. A situação foi tão séria, que para evitar a investigação dos atentados os sócios do Menem mataram seu filho num atentado contra o helicóptero onde o rapaz passeava. Isto considerando que a Argentina mandou tropas para a Guerra do Golfo, como fato político de alinhamento automático com os EUA. Para quem conhece estes códigos, como Menem conhece, sabe o que isto significa.
Um perigo latente para a esquerda combativa daqui é associar, através da mídia, toda e qualquer proposta revolucionária com atos contra a "civilização". No plano do discurso, as propostas anti-ocidentais dos oprimidos latino-americanos (ou seja, o ideário anti-imperialista daqui) pode perder fôlego simbólico com o bombardeio ideológico do ocidente. Por fim, a contradição entre as comunidades árabes e judias tampouco parece que vai acontecer. São setores elitizados, incluídos, globalizados e brancos, justo o
Uma possibilidade muito remota seria a luta de classes no interior destes setores. Tradição de esquerda há, em especial nas comunidades judias asquenazis (da Europa do Leste), incluindo as latino-americanas. Nas famílias árabes é mais difícil, embora exista presença, em especial em grupos marxistas mais intelectualizados. A volta da brasileira-palestina Lamia Maruf Hassan, presa política em Israel de 1984 a 1997, ao invés de ajudar, acabou atrapalhando. Vinculada a Fatah, ela promove discussões entre intelectuais e profissionais liberais burgueses de ambas comunidades, sem nenhuma relação com a contradição destas comunidades e o capitalismo brasileiro.
Como primeiro estudo, parece suficiente. Só vale um último comentário. Não se pode submeter toda uma pauta local e nacional das lutas populares latino-americanas em função de mais uma agressão imperialista e prepotente dos EUA em qualquer parte do mundo. Nossa pauta nesse ponto continua sendo o combate e a denúncia ao Plano Colômbia e a luta anti-globalização de perfil popular (e não-europeu ou estadunidense). No plano tático, seria interessante alguma solidariedade às esquerdas que existem no Oriente Médio, em especial a esquerda palestina.
Esperamos com este texto haver colaborado para a discussão coletiva e o entendimento do problema.