Bruno Lima Rocha, 25 de março de 2009, da Vila Setembrina mirando o Planalto Central
Enquanto o Brasil acompanha a possível extradição do refugiado político italiano Cesare Battisti, outro personagem tem o seu destino traçado pelos votos do Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de Juan Manuel Cordero Piacentini, coronel da reserva do exército uruguaio e notório torturador da Operação Condor. Poucos sabem ou se dão conta, mas sua retenção se deu em solo gaúcho, em 26 de fevereiro de 2007. Este operador do Organismo Coordenador de Operações Anti-subversivas (OCOA, equivalente ao DOI-CODI daqui) está preso no Rio Grande do Sul, na cidade fronteiriça de Santana do Livramento, colada com Rivera (Uruguai).
Uma das causas da captura é o pedido de extradição expedido pelas Justiças de Uruguai e Argentina. Pairam sobre ele algumas acusações que justificariam um Tribunal de Nuremberg, tais como: desaparição forçada; seqüestro; roubo seguido de morte e tortura. Curiosamente, desde meados de dezembro, o autor de crimes de lesa humanidade, titular do centro de torturas clandestino conhecido como Automotores Orletti (manejado por uruguaios em Buenos Aires) se encontra em prisão domiciliar. Cordero, que é casado com uma brasileira e tem uma filha aqui, está vivendo na sua residência em Livramento. Segundo o jornalista investigativo Roger Rodríguez, o coronel Piacentini circula com desenvoltura pelo lado brasileiro das cidades gêmeas e recebe a amigos com freqüência.
Até o momento, dos sete votos contabilizados no caso, cinco são a favor da extradição – Ricardo Lewandowski, César Peluso, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto – e dois já se posicionaram de modo contrário – Marco Aurelio de Melo e Carlos Menezes Direito. Faltam votar Eros Grau, Celso de Mello e Ellen Gracie, e, caso dê empate, o voto de minerva é do presidente Gilmar Mendes. Na 5ª, 26 de março, é o início do futuro do homem acusado do assassinato de mais de três dezenas de vidas, incluindo as dos conhecidos dirigentes sindicais e militantes da FAU-OPR, Gerardo Gatti e León Duarte.
Embora a tendência dos votos indique pela extradição, nesses casos sempre há um perigo baseado na “teoria dos dois demônios”. Nesta hipótese absurda, inspirada na transição e perdão do franquismo na Espanha (conhecido como Pacto de Moncloa), os excessos cometidos pelos dois lados seriam perdoados para vivermos em democracia representativa. A Lei de Anistia brasileira se inspira nisso, assim como a Lei de Obediência Devida (Argentina) e a de Caducidade (Uruguai). Uma analogia rasteira pode tentar aplicar a teoria dos dois demônios comparando Cesare Battisti a Juan Manuel Cordero Piacentini. Entendo que isto seria um equívoco, atendendo somente aos anseios de histeria ao invés de políticas de direitos humanos consolidadas.
Está nas costas do Supremo o reencontro ou não do Brasil com seus pares do Cone Sul. Tanto podemos manter a triste de tradição de abrigar ditadores, como foi o caso do paraguaio Alfredo Stroessner, como podemos dar exemplo e remeter o genocida para as cortes que o julgarão.
Epílogo, que não constava no artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat: na 5ª, dia 26 de março, o STF misteriosamente retirou da sua pauta de votações o pedido de extradição do coronel Cordero. Estas manobras de nossa Suprema Corte já fazem parte do cotidiano político brasileiro, tal como a sensação de que vivemos numa mescla de cleptocracia organizada.