Sede da Sociedade Italiana de Alegrete publicada em 1908. - Foto:
Sede da Sociedade Italiana de Alegrete publicada em 1908.
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Não existem pesquisas que abordem de forma sistemática e com rigor metodológico a imigração na Campanha Sudoeste do Rio Grande do Sul. Este trabalho tem a modesta intenção de contribuir no sentido de discutir a presença de imigrantes nesta região do Pampa Riograndense. Uma primeira versão do texto foi publicado pela primeira vez em 2007 na Revista do Imigrante em Alegrete.

Por Anderson Romário Pereira Corrêa.
Alegrete, 31 de março de 2009.

Os estudos sobre imigração tornaram-se uma “especialidade”, várias instituições no Brasil e no exterior desenvolvem Linhas de Pesquisa que tratam do fenômeno migratório. Este trabalho procura abordar a o tema “imigrantes” em Alegrete (1889-1930), a partir de dois fragmentos de textos, caracterizados como “memórias”. A memória tem sido explorada pelos historiadores, não como testemunho, mas sim, como indicio; ou então, no campo das mentalidades e representações sobre o passado. É uma forma de construção da identidade, que utiliza a memória enquanto subjetividade, e não como “ciência” Histórica. Não se busca aqui, ver o que o autor quis dizer, mas sim, o que é possível entender a partir do que ele disse. Um dos textos é de Laci Osório e o outro de Sérgio Faraco. No primeiro, explora-se a historicidade do fato narrado e no segundo, elabora-se uma “análise de conteúdo” – uma crítica histórica aplicada à memória.
O primeiro texto, do poeta alegretense Laci Osório (1979:16), que escreveu: “(…) Vovô Germano Scherwenski, aqui aportou, jovem emigrante da Alemanha. De origem eslava, ucraniana, dizem que possuía mãos de ferro, que revolviam a terra. E eram suaves, acarinhando sua descendência de frutos e crianças.” Laci Osório, poeta social e comprometido, escreve este texto em uma obra de poesia e memórias. Crítico social manifesta em sua poesia a defesa do regionalismo, dos trabalhadores do campo e da cidade. A obra publicada no período discricionário, da “ditadura militar”, se analisada na integra, é uma memória de luta. Embora o autor não necessite de apresentações, fez-se este breve comentário, para ver o quê estas linhas de suas memórias podem dizer.
Dos imigrantes que vieram para Alegrete no século XIX e início do século XX, os alemães foram os primeiros a marcar sua presença. Uma das características que podemos notar, observando as fontes, é a forte ligação dos mesmos, com o movimento operário local e organizados como Socialistas (A Fronteira:1898), compondo um “Partido Socialista” em Alegrete. Em 1897, no Estatuto da Sociedade Operária, Mutua Proteção Operária, temos os nomes de Eduardo Mallmann, Pedro de Souza Bisch, Pedro Antero Krug, Felipe Krug, José Zimermann. Como profissionais são artesões (sapateiros, marceneiros, alfaiates, etc.) (APERGS). Estes alemães ou descendentes, figuram entre uma centena ou mais destes que estabeleceram-se em Alegrete a partir das Guerras de fronteira com os países do Prata. Alguns, possivelmente exilados políticos de revoluções socialistas na Europa do século XIX. Os Mallmann faziam parte dos colonos de 1824. Já os Krug (LEMOS, 1993:447), por exemplo, faziam parte do exército imperial como mercenários na luta Cisplatina (década de 20, do século XIX). Laci Osório ao escrever: “dizem que possuía mãos de ferro que revolviam a terra,” faz referência ao trabalho na agricultura, ao trabalho rural. Luiz Araújo Filho publicou em 1908, o recenseamento do município feito em 1890, logo no inicio do período republicano. Os dados publicados por Luiz Araújo Filho foram:
– Cidade e subúrbios: 305 estrangeiros, 4.221 brasileiros, somando um total de 4.526 pessoas;
– No Primeiro Distrito fora da cidade: 291 estrangeiros, 4.924 brasileiros, somando um total de 5.215 pessoas;
– Segundo Distrito: 185 estrangeiros, 2.869 brasileiros, total de 3.054 pessoas;
– Terceiro distrito: 215 estrangeiros, 3.325 brasileiros, total de 3.542 pessoas.
Ao todo são 998 estrangeiros, 15.339 brasileiros, somando 16.337 habitantes no município.
Nota-se nos números expostos acima, que o número de estrangeiros na cidade e subúrbios, é praticamente igual e equilibrado aos números do 1º distrito fora da cidade. Estes estrangeiros fora da cidade, no primeiro distrito, seriam agricultores? Sendo assim, pode-se deduzir que havia um equilíbrio entre imigrantes artífices urbanos e imigrantes agricultores ou trabalhadores rurais? Por mais que os imigrantes possuíssem também suas oficinas na área rural, o número é demais expressivo. Tem-se como exemplo, alguns nomes italianos como trabalhadores rurais registrados no livro dos Sócios da Sociedade Italiana: Giovani Bado – agricultor, Caetano Pelusio – agricultor, Nicola Bianchi – leiteiro; além de outros tantos nomes conhecidos, na Coxilha, nas Pedreiras, no Capivari, Cavera e nos Pinheiros. O exposto acima aponta para a existência de imigrantes (alemães e italianos) com atividades profissionais em zonas rurais.
Por falar em italianos, o segundo texto do escritor Sérgio Faraco publicado no livro “Nós, os italo-gaúchos”, cai como uma luva neste caso. A obra faz parte das comemorações dos 120 anos da colonização italiana. É interessante destacar a presença deste escritor alegretense entre tantos escritores descendentes de imigrantes do Rio Grande do Sul. Embora Mario Maestri escreva na abertura do livro, que os autores escolhidos são descendentes de imigrantes colonos de zonas rurais. Faraco não é descendente de “ imigrante, colono de zona rural”, na verdade o que verifica-se a seguir, é que Faraco descende de “imigrante, artesão para zona urbana”. Sergio Faraco é considerado um dos melhores escritores alegretenses, talvez de todas suas experiências, uma relação que pode ser feita entre Laci Osório e ele, é que em algum momento de suas vidas e cada qual de sua maneira, possuíram algo em comum: o Comunismo. “Sérgio teve longa experiência de Universidade em Moscou, na União Soviética (…)” (Clemente:1991), antes de 1965, onde teve algumas desilusões.
No início do texto Faraco (1991:133) “A lua com sede”, ele escreve: “Na troca do século, meu futuro avô trocou a Itália pelo Brasil. Deixou Lauria, pequena cidade ao sul de Nápoles, entre a Basilicata e a Calábria, e veio dar no Alegrete com sua jovem mulher e a esperança de prosperidade e paz no Novo Mundo.” Desvendando generalidades e particularidades a partir deste trecho: Em 1890, dos 998 estrangeiros que não aceitaram a nacionalização, aproximadamente 200 eram italianos (LRN: Intendencia Municipal); de acordo com Mauricio Goldemberg (1993:21), em 1905 aproximava-se dos 300 imigrantes italianos. Do livro de registro de sócios da sociedade italiana “Guilherme Marconi”, pode-se fazer algumas reflexões: são 61 registros de imigrantes, onde a maioria passou pela diretoria da Societa di Mutuo Socorso Unione Italiana. Dos 61 nomes, 10 não apontam o local de nascimento, e seis são nascidos na América. Do total de 48 restantes nascidos na Itália, 18 são da Basilicata e destes 11 da Lauria. Se acrescentarmos o registro do imigrante da Sicília e o de Salermo, podemos dizer que da nossa “amostra”, a maioria de italianos é composta de meridionais. O ano de nascimento destes imigrantes, de acordo com a fonte, 22 deles nasceram antes de 1870; 15 entre 1870 e 1880; 05 entre 1880 e 1890 e, 04 depois de 1900. Metade deles, viveu no período da luta pela unificação italiana. Observa-se também, que muitos deles vieram a partir da década de 1880, então, não faziam parte dos projetos de colonização para as colônias agrícolas, eram imigrantes com recursos próprios e não subvencionados pelos governos.
De aproximadamente 20 atividades profissionais observadas entre esses imigrantes, existiam 12 comerciantes, 07 Sapateiros, 04 barbeiros, 04 alfaiates, 04 industriais, ou seja, eram pessoas ligadas a atividades urbanas. Da Basilicata havia 1 médico, 03 negociantes, 5 sapateiros, 1 leiteiro, 1 barbeiro e 2 alfaiates.
A hipótese é que, foram apontados somente, nomes de pessoas que tiveram algum tipo de significação para a sociedade, como os membros da diretoria, os presidentes e seus ícones. No livro dos sócios, o que possuiu o maior número de linhas escritas, pelo que significou e exerceu entre os italianos de Alegrete, foi Braz Faraco. Sob o registro número 62, Faraco Biagio, Filho de Francesco, alfaiate, nascido a 02 de maio de 1876, em Lauria – Basilicata. O registro diz que: em 1918 é o terceiro ano que ocupa o cargo de presidente. Fez o importante trabalho de reforma do Estatuto Social. Resumindo,: foi “Delegado da Croce Rossa Italiana em 1911. Conselheiro e secretário de 1918 a 1919. Tesoureiro do ano de 1923 a 1927. Nomeado sócio benemérito em 20.09.1926. Presidente do ano de 1934 a 1938. Em 02 de janeiro de 1938, ofereceram-lhe uma fotografia da sociedade e colônia, pela cooperação de 25 anos.” As referências a Faraco continuaram, sem esquecer que ele foi agente consular depois de Emilio Remiggio Ricciardi.
Braz Faraco estava entre os quase 300 imigrantes italianos que havia em Alegrete no início do século XX. Do livro dos Sócios e somente em relação a estes registros, era um dos 29 meridionais. Um entre os 18 de Basilicata. Mais um entre os 11 de Lauria. Era um dos quatro alfaiates e um dos três irmãos Faraco: Braz, Ângelo e Antônio. Em 1912, o ano do primeiro registro na intendência municipal da alfaiataria de sociedade de Braz Faraco & Irmãos na rua General Sampaio (LCI: AHMMJT). Pertenceu a um grupo de imigrantes que saiu da Itália depois da década de 1890, período de perseguição a revolucionários, e de ascensão dos Social-democratas ao poder. Procurando prosperidade e paz no Novo Mundo.
Acrescenta-se aqui, um trecho de uma “observação de viajante”. Em 1907 o médico italiano João Polombine (2006:174) , que andou pela fronteira e passou por Alegrete fazendo apontamentos “científicos”. Viajou de Uruguaiana à Barra do Quarai, da Barra até São João Batista do Quarai, desta última até Alegrete.” Em uma dessas viagem, conversou com o estancieiro Carlos Corrêa. Espantado com a quantidade de campos, Carlos perguntou-lhe se na Itália era assim. Ele respondeu:
-Não é assim, Sr. Carlos, lá há muitos trabalhadores e pouca terra para cada um deles, mas não se perde nada, nem um palmo sem cultivar. Parecem todos, jardins enfileirados e quase cada quadra tem uma casa.”(Idem: 178)
Ele continua escrevendo: “Continuávamos atravessando estâncias, onde se ouve somente o “ói, ói,” da saparia, que parece estar chamando agente pra nos dizer:
-Olhem esse limo: quanto ouro aqui está, sepultado. Peguem na pá, na enxada e puxem-no para fora. Vê-lo-ão escorrer a jato continuo, através das plantas que ali nascerão e que lhes chegará em casa, sob a forma de sacos de cereais e de legumes!” (Idem: 179)
Percebe-se que os fragmentos de textos explorados aqui, têm algo em comum: o trabalho. Assim a memória sobre a imigração, é também uma memória de trabalho, que pode ser facilmente comprovada pela História. A virada do século XIX para o século XX, eram tempos em que o trabalho atraía muita gente para Alegrete.

Fontes e Bibliografia:

APERGS. Arquivo Público do Estado Rio Grande do Sul. Processo Crime contra Eduardo Mallmann; Fundo Comarca de Alegrete/Sede; Sub fundo, 1º cível e Crime; Série: Processo crime e outros; Data limite: 1899 – 1899;Numeração: 3535 – 3541; Prédio/ Estante: 2/145;N: 3537; M:103; E: 69.
CLEMENTE, Elvo. A literatura de Italianos e descendentes no Rio Grande do Sul. In:Etnias & Carisma: poliantéia em homenagem a Rovílio Costa/ Organizado por Antônio Suliani – Porto Alegre: EDPUCRS, 2001
Conferencia socialista. A Fronteira:Jornal do Partido Republicano; Quarahy, 29 de dezembro de 1898; nº311, p.02
FARACO, Sérgio. A lua com sede. In:Nós, os ítalo-gaúchos. 2ª ed. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS;1991 p.133.
GOLDEMBERG, Maurício; Italianos: 120 anos ajudando a construir um grande Alegrete; Alegrete de Ontem:
Edição Comemorativa da Gazeta de Alegrete 111 Anos; 1993; 2ª Edição; pg. 21
LCI: AHMMJT. Arquivo Histórico Municipal Miguel Jacques Trindade: Livro de Cobrança de Impostos de Industria e Profissões; nº19; ano:1912;p.05.
LRN: Intendência Municipal. Secretaria da Câmara da Intendência Municipal de Alegrete. Termos de Recusados Cidadãos estrangeiros que não aceitaram a naturalização Brasileira.(24/02/1890 – 31/12/1890)
LEMOS, Juvêncio Saldanha. Os Mercenários do imperador: A primeira corrente imigratória alemã no Brasil (1824 – 1830). Porto Alegre. Palmarinca. 1993.
OSÓRIO, Laci. Questão de Vida: memória em tempo de poesia.Porto Alegre; Editora movimento;1979.
PALOMBINI, João. Um Retrato do Rio Grande do Sul no inicio do Século XX.1º Edição, Porto Alegre,
2006.
Secretaria da Sociedade Italian de Alegrete. Livro dos Sócios.

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