Viamão, 26/08/2005
Este artigo é a continuidade do publicado semana passada. Conforme dissemos, iniciamos esta análise a partir do ator coletivo mais complicado e dotado de maior número de variáveis. É onde o imponderável ocorre desempenhar papel fundamental. Sim, estamos analisando a interna do PT gaúcho e suas possíveis implicações no cenário político do estado.
No dia 25 de agosto Olívio Dutra concretiza um sonho antigo. Unifica duas corrrentes nacionais, a Articulação de Esquerda (AE) e a Democracia Socialista (DS), para apoiar ao seu nome na eleição interna ao Diretório Estadual, no pleito para presidente do PT-RS. Somadas nesta aliança estão duas pequenas correntes regionais, a Esquerda Democrática e a Ação Democrática. Pelo espectro ideológico deste partido, podemos considerar esta composição como de centro-esquerda. À sua direita concorrem outros três candidatos, e o único que pode incomodar é o deputado estadual Estilac Xavier, representante do grupo de Tarso Genro, a Rede. Nacionalmente, os dois campos seriam a esquerda do PT, que não concorre unificada ao Diretório Nacional, e a direita, o Campo Majoritário, também conhecido no Rio Grande como PT Amplo e Democrático.
É no mínimo curioso observar as voltas dadas por esta história imediata e midiática. Há bem pouco tempo Olívio Dutra, então ministro das Cidades, estava para cair a qualquer momento. Terminou por acontecer o pior. O nome histórico do grupo fundador do PT, foi trocado por um tecnocrata indicado por Severino Cavalcanti. Cabisbaixo, Olívio volta ao estado, sendo recebido no aeroporto Salgado Filho pela militância órfã e desesperada por referentes. O ex-governador foi carregado nos braços de seus correligionários, cantou o Hino Rio-Grandense e se refugiou em seu apartamento. Seguiu a tática de outro gaúcho das Missões, que mudo ficou cinco anos na sua estância em São Borja. Olívio foi mais prático, refugiando-se em seu modesto apartamento na zona norte de Porto Alegre.
Enquanto Olívio costurava sua saída política, Tarso ia do céu ao inferno. De ministro da Educação gravitante e influente, foi atirado ao epicentro da luta interna. Pela frente tem de debater com a fragmentada esquerda petista. Desde sua trincheira, vive uma guerra de sombras com o “capa-preta” maior do PT, José Dirceu. Se não emplacar sua candidatura à presidência do PT pelo Campo Majoritário, ele e seu grupo cairão no ostracismo. Pelas mãos de Dirceu, Luís Dulci pode vir a ser o presidente do PT. Este movimento reposiciona a esquerda do partido, que talvez saia em bloco. Se isto não ocorrer, a luta interna se voltará para os estados, especificamente para um estado onde um candidato da esquerda do partido possa ganhar a eleição para governador em 2006. Uma destas possibilidades, talvez a mais forte, seja aqui no Rio Grande.
Com Olívio Dutra presidente do PT-RS, estão dadas as condições para a vitória nas prévias. Seu retorno terá impactos diretos em todas as forças políticas e sociais do estado. Vejamos. O primeiro impacto é sobre a própria militância petista, mobilizando amplos setores de classe média urbana, gente que faz política em época de eleição e não no dia a dia. Renovadas as esperanças, e livre das “más companhias”, os setores mais militantes se alinham com ele. A aliança que governou de 1998-2002 resultou no poder de Estado concentrado na DS. As decisões estratégicas passavam necessariamente por seus organismos de direção. Caso esta aliança se repita, Raul Pont e Miguel Rosseto serão outra vez mais os homens fortes do governo.
Dada a aliança interna, a externa é previsível. O PT com a esquerda à frente retomará a Frente Popular, juntando-se apenas com seus aliados “naturais”, PSB, PC do B e PCB. Ainda que o PSB marque posição em 1º turno lançando a Beto Albuquerque, este gesto será apenas pró-forma. Suas fichas estarão no 2º turno, assim como o dos demais partidos gaúchos. PDT, PPS, PTB, PP e PMDB; e em menor escala local PL, PSDB e PFL, tratarão de unificar esforços para derrotar Olívio. Ao que tudo indica, desta disputa estará de fora apenas a direita do PT no estado.
Opinião unânime entre as velhas raposas gaúchas, é o fato do PT ter de pagar uma conta cara nesta eleição. Dentro do estado, vai levar pau por direita e por esquerda. Haverá uma competição de denúncias entre os partidos tradicionais do Rio Grande e os ex-petistas do PSTU e PSOL. Indo mais à esquerda, Olívio candidato reposiciona as forças sociais e o movimento popular gaúcho, isolando a extrema-esquerda. Pode soar como o canto da sereia para alguns, trazendo de volta ao âmbito eleitoral gente que já está querendo ir muito além. Como este tema é complexo, será abordado na outra semana, no terceiro e último artigo da série.
Na eleição de 2002, uma gravação de Tarso afirmando peremptoriamente que não abandonaria a prefeitura de Porto Alegre para concorrer ao Piratini foi reprisada um sem número de vezes. Como Olívio está limpo, ataques diretos à sua pessoa serão evitados. Mas, além do mensalão de Brasília, a denúncia permanente serão os R$ 1milhão e 200 mil reais vindos de Marcos Valério e já reconhecidos pelo atual diretório estadual. Chumbo grosso e munição pesada vão sendo acumulados. Se Brizola estivesse vivo, aí sim o clima político dos pampas ia esquentar, e muito.
Certeza mesmo é que passou o encanto. Ainda que a esquerda do partido volte a governar o estado, no imaginário popular nada será como antes. Em janeiro de 1999 Olívio e Rosseto assumiam o governo hasteando as bandeiras farroupilha e cubana lado a lado, em pleno Palácio Piratini. Radicalizando de primeira, decretaram Moratória Unilateral das dívidas do Rio Grande. Tamanha fúria não durou nem três meses. Prometeram um mandato socialista e terminaram com um governo apenas correto. Se em 1998 as disputas eram de cunho classista, agora a paulada virá na forma de investigação policial. Sair deste brete será difícil. Talvez nem Martín Fierro saiba como.
Originalmente publicado no Blog de Ricardo Noblat