Esta salada, ao contrário da fossa suprapartidária, é bastante saudável e bem avaliada no gosto popular. - Foto:
Esta salada, ao contrário da fossa suprapartidária, é bastante saudável e bem avaliada no gosto popular.
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Viamão, 31/01/2006

Após intenso “debate”, a verticalização começou a cair. É verdade, que ainda restam alguns assaltos neste combate, mas, aparentemente nem o Supremo nem o TSE vão barrar a contra-medida. A segunda quinzena de janeiro agitou a classe política brasileira, com os chefes das máquinas partidárias avaliando perdas e ganhos. O raciocínio político empregado é baseado em cálculos alucinados de possibilidades e hipóteses de alianças ou defecções regionais.

Com a norma quebrada e o PMDB indicando um candidato próprio, os cenários da política nacional e estadual tornam-se mais imprevisíveis. Sem alianças nacionais, as eleições em muitos lugares tomam contornos de disputas suprapartidárias. Sai o partido, ou mesmo os arremedos de partidos, e entram os esquemas. Não que a verticalização por si só desse jeito na falta de disciplina dos políticos brasileiros, longe disso. O problema é de outra ordem. Com regras mais rígidas, a situação já é difícil de ser compreendida pelo cidadão medianamente informado. Já com normas frouxas, não há quem segure a forma direta e nada cínica, à moda do falecido deputado Roberto Cardoso Alves, aquele do “é dando que se recebe!”

A política feita aqui é ilógica, se analisada por fora da idéia de maximização de ganhos imediatos. Já dentro desta lógica, nossa política é “racional e eficiente”. Só não é republicana e nem defende o bem comum. Sem cair no discurso moralista, as eleições são investimentos de risco, onde os consórcios político-eleitorais apresentam “produtos patrocináveis”. No último artigo, deixamos expressa nossa defesa pela norma da verticalização e explicamos alguns porquês. No presente texto, expomos um provável cenário real daquilo que acontece em eleições suprapartidárias.

No último fim de semana de janeiro, tivemos a felicidade de ler quatro jornais paraibanos, dois de João Pessoa e dois de Campina Grande. Ler uma imprensa viva e com colunas ágeis foi uma agradável surpresa. Em uma destas colunas, assinada pelo jornalista Nonato Guedes, página A4 da edição de sábado 28/01/06 do tradicional diário O Norte, nos reencontramos com os Comitês Suprapartidários.

O colunista explica com precisão como funciona um Comitê Suprapartidário. São aglomerações de aliados, que apóiam um determinado candidato ao governo do estado e outro, não alinhado com este, para presidente. Exemplifica que nas eleições para o governo da Paraíba em 2002, diversos aliados do então candidato e hoje governador Cássio Cunha Lima (PSDB) apoiaram a Lula. Estes políticos disputavam espaço com o PMDB local, que atraiu o ex-metalúrgico para o palanque estadual de seu então candidato, Roberto Paulino.

Nonato segue exemplificando o funcionamento de uma campanha não-verticalizada a partir de depoimento do líder de Cássio na Assembléia paraibana, o deputado pelo PDT Gilvan Freire. Gilvan votara em Lula em 2002 e já vinha votando nele há quatro eleições. Foi um dos artífices do Comitê Suprapartidário pró-Lula/Cássio no segundo turno da eleição passada. Detalhe, na época o parlamentar era presidente do PSB da Paraíba. A salada continua na eleição de 2006. Seu atual partido, o PDT, está rompido com Luiz Inácio e talvez emplaque candidatura própria. Um dos nomes cotados é o senador pelo DF, Cristovam Buarque, ele próprio ex-ministro da Educação de Lula, ainda pelo PT. Como sabemos, o nome do senador enfrenta resistências de vários correligionários do partido de Brizola, dentre eles o próprio Gilvan Freire.

Prosseguindo na explicação do Comitê Suprapartidário, o líder de Cássio expõe como a queda da verticalização favoreceria a seu candidato. Para ele, as variáveis de opções do esquema de Cunha Lima é mais amplo do que o esquema do rival, o senador José Maranhão (PMDB). Detalhe, não estamos adjetivando as palavras, a coluna deu assim mesmo, “esquema”.

Uma maior opção eleitoral significa cobrir clivagens de discurso mais ampliados. Nesta estimativa, o cálculo entre alianças e defecções aparentaria ser mais favorável ao grupo que Gilvan apóia. Segundo o atualmente deputado pedetista, seu esquema superaria assim em números absolutos ao grupo concorrente. Isto porque seu consórcio oferece palanque a Lula e Serra no mesmo estado, aumentando, segundo suas próprias palavras, o leque de opções de voto.

Vale lembrar que a confusão e quebra de pacto partidário não é exclusividade do esquema eleitoral dos Cunha Lima. Em 2002 o PMDB da Paraíba apoiara Lula já em primeiro turno. Isto se deu mesmo com seu partido indicando a vice de Serra naquela eleição, a deputada Rita Camata (PMDB/ES).

Passando da narrativa factual para a análise política, vejamos o significado desta teia de alianças. O líder de um governo estadual, ele próprio já tendo trocado de partido nos últimos quatro anos, defende e opera alianças por fora da divisão político-partidária. O deputado estadual não vai apoiar o candidato de sua sigla para o Planalto e sim o presidente em busca da reeleição. Simultaneamente, é líder na assembléia de um governo filiado ao partido que é oposição ao governo federal. Sem maiores crises, apoiará legendas rivais em níveis distintos na mesma eleição. Trabalhará por cima dos partidos, operando um Comitê Suprapartidário. Os concorrentes farão o mesmo e, minoritariamente, podem até vir a formar um Comitê pró Maranhão e Serra.

Em termos de contabilidade, tudo perfeito. Aumenta-se a oferta de produtos com demanda garantida, alcançando assim fatias de mercado mais variadas. Nenhum problema se o “produto” fosse refrigerante ou comida congelada. Mas, não se trata disso, e sim de candidatos, programas, propostas e vontades canalizadas através do voto.

O tamanho da fossa aumenta porque não se trata de problema local e menos ainda de uma forma “nordestina” de fazer política. Não concordamos, nem reproduzimos este tipo de argumento preconceituoso. Bem longe disso. Os Comitês Suprapartidários nada mais são do que um consórcio de interesses imediatos e por si só anti-programáticos e contraditórios. O mesmo cenário confuso da política paraibana irá se reproduzir em escala diversa em todos os estados. Diante desse quadro, como fica a cabeça do eleitor? Que opções reais têm, quando todos concorrem e cooperam entre si, e terminam por não se diferenciar em nada?

Voltando ao Nordeste, vale lembrar que a mesma Região onde coabitam Sarney e ACM entre outros, é onde foi gerada a idéia de brasilidade. No mesmo agreste e zona da mata dos usineiros ergueu-se o Quilombo dos Palmares. Em pleno sertão, bem antes dos caminhões-pipa do DNOCS, outras saídas já foram buscadas em Canudos.

A história nordestina já comprova. Quando a organização popular encontra seu próprio caminho, suas escolhas vão além de casuísmos, oligarquias e consórcios eleitorais.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat

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