Como não há alternativa para o neologismo neoliberal, com o perdão da redundância, a versão de democracia e debate público por eles advogados, mais se parece com um tropa de gado indo para o abate

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Como não há alternativa para o neologismo neoliberal, com o perdão da redundância, a versão de democracia e debate público por eles advogados, mais se parece com um tropa de gado indo para o abate

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Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé, 3ª 25 de julho de 2006

Na semana anterior, nosso artigo tratou de demonstrar um painel do chamado Pacto pelo Rio Grande. Este intento, é a tratativa das forças políticas gaúchas majoritárias buscando alguma saída para a crise estrutural do estado. O conceito-chave do pacto, aliás, característica dos pactos de elite, é o fato do acordo para sair da crise de estrutura recusar-se a mexer em qualquer base estrutural. Convocado para mais “sacrifícios”, o funcionalismo público estadual entraria com a carne e os grandes operadores políticos com a faca carneadeira. Vejamos algumas razões disto nesse artigo.

Começamos pelo próprio fato do debate da crise do Estado na forma de publicização de seus recursos, ser algo pouco ou nada abordado na corrida eleitoral. Apontando saídas diferentes daquelas advogadas pela tropa de Montpelier e cujos pioneiros expoentes ao sul do mundo foram os chamados Chicago Boys, alternativas econômicas hoje não chegam a ser complementares ao grande capital, mas sim concorrentes e inimigas estratégicas. Vejamos os porquês através das idéias-guias apresentadas pela própria patronal gaúcha.

De acordo com o pensamento neoliberal, referendado nas propagandas, nas chamadas de rádio e nos comentários da maior parte dos “especialistas”, o estado gaúcho é enorme, lento, obsoleto e tranca o desenvolvimento. Estas mesmas fontes, não por coincidência rezando na cartilha das federações patronais Farsul, Federasul, Fecomércio e Fiergs, apontam uma Agenda Estratégica para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul. Colocam como ano meta 2020, e estabelecem “diálogo” com a sociedade, prosa essa intermediada pelos quatro grandes grupos de mídia regional, Pampa, RBS, Band RS e Caldas Jr. O tema de fundo é a transferência de recursos do controle estatal para as mãos da iniciativa privada e de grande porte.

Qualquer analista sério e sincero não pode calar-se perante as palavras empregadas e a carga ideológica contida nelas. As palavras não são pontes para a comunicação, são portadoras de conceitos, caixa de ferramentas da estrutura do pensamento cujo arranjo determina a própria forma de pensar. Foi desta maneira que chegou ao Brasil há 16 anos, vindo com ares de verdade, o conjunto da ferramentaria neoliberal. Uma década e meia depois, ao lado do advento da mídia eletrônica, instantânea e interativa, os “especialistas” e seus porta-vozes por detrás de microfones, câmeras e teclados levantam em alto e bom som a “nova saída”. Esta tem uma sigla, PPP, e se chama Parceria Público Privado.

Fossem honestos estes conceitos e a denominação seria outra. Devera chamar-se algo como FEO, Financiamento do Estado para os Oligopólios. Aliás, esta sigla tem a sonoridade em castelhano resultando na palavra “feio”. Quando uma coisa é feia na língua vizinha, é como dizer que algo não cheira bem, que é um desastre em potencial. Pois bem, o pano de fundo da Agenda Estratégica advogada pelo sistema Fiergs é, em nome da “sociedade civil”, querer usufruir dos recursos estatais, tirando-os da possível passagem para mãos públicas e deixando tudo ao bel prazer dos grandes grupos econômicos. Tivessem franqueza expositiva, assim deveria chegar ao público consumidor deste tipo de notícia, nota, coluna e comentário.

O fundo da proposta é incrivelmente simples. Os recursos do Estado, incluindo o que sobrou da capacidade de investimento e manutenção de infra-estrutura, como na empresa de eletrificação CEEE, da CORSAN (águas e esgotos), devem passar para operadoras privadas com o título de “parceria”. O mesmo, segundo esta cartilha fomentada a partir de um “banco de idéias”, deve se dar com os cofres do dinheiro coletivo, ou seja, o controle acionário do Banrisul, da Caixa RS e com a participação estadual no BRDE. Senão está explícita a linha de fundo é esta. A solução que vale nas cidades vale também para o tão conturbado campo gaúcho.

Para eles, a solução para a metade sul, para sair do modelo do latifúndio, é justamente mais latifúndio. Com a alcunha de promover a reconversão econômica, a gigante Aracruz Celulose propagandeia no interior a criação da “nova mentalidade de empresário florestal”. Os proprietários, pequenos e médios, cedem suas terras para o plantio de eucalipto. É só esperar crescer, chegar o momento do corte, e faturar em “parceria” com a empresa. Trazendo elementos de “novidade” ao discurso e a prática de sempre, o neologismo consentido através da pressão midiática vai ganhando ares de verdade revelada e absoluta perante “inovações gerenciais”.

Uma parte das receitas milagrosas é a velha saída de quem está com problemas no agiota. Para conseguir dinheiro rápido, segundo os sábios, o estado do RS deve alienar-se de patrimônio. Um dos motivos para conseguir maior liquidez é até justificado. O governo gaúcho vem dando um calote histórico naqueles que compraram os famosos títulos precatórios. A fila é grande e quase ninguém recebe o investimento feito na época da correção monetária inflacionada. Pegando carona neste problema, a patronal daqui levanta a bandeira da “desoneração do Estado” daquilo que não for sua “atividade-fim”. Vejam caros leitores, como mais uma vez a sutileza do neologismo esconde de forma subliminar a idéia básica.

“Desonerar” significaria vender, mas não deixar de financiar, por exemplo. Ou seja, querem um Estado sanado de problemas financeiros, justo para que o Ente detentor dos recursos da sociedade possa reinvestir o botim impositivo de forma líquida e rápida nos próprios oligopólios operando aqui. Isto vale desde inserções oficiais, abundantes na grande mídia e de fato financiadoras das mesmas, até volumosos recursos do BRDE e do Banrisul, alienando patrimônio e bens públicos, como é o caso das estradas pedagiadas. É a mesma velha história da oligarquia em toda a América Latina. Em nome da “sociedade civil”, as elites locais, aliadas com os Impérios e seus agentes, retiram os recursos populares e os entregam para quem já tem.

Interessante é observar as articulações do político com o econômico através da ideologia. Dos 10 candidatos para o governo do RS, 7 estão fechados com o Pacto pelo Rio Grande. Embora não seja necessariamente a mesma coisa, é sabido que uma pauta será o complemento da outra. Como o sindicalismo do setor público anda mal das pernas, esquecido da independência de classe e mais preocupado com a urna dos outros que de suas próprias bases, deste setor não sairá uma força para barrar esta articulação em um primeiro momento. A força esta virá das ações corporativas dos poderes como o Ministério Público e o Judiciário estadual. Mas, infelizmente, as demandas apresentadas para barrarem as medidas de ajuste fiscal não formam uma preocupação social, mas sim os sempre renovados velhos interesses corporativos.

O fato é que as associações patronais em conjunto com os operadores políticos vão afunilar dois discursos e metas. Estas propostas, fabricando um consenso pela mídia local e repetindo o slogan de Margaret Thatcher, “não existe alternativa”, vão conformar um verdadeiro ataque de rapinha ao que sobrou de patrimônio estatal e que pode vir a ser público caso tenhamos uma correlação de forças para isto. Para freiar esta ofensiva restauradora, será preciso a união de esforços, a independência de classe e uma forte convicção de retomada dos espaços públicos através de agentes sociais populares.

Para contrapor ao neologismo do oligopólio, trazemos as raízes mais profundas. Ave de rapinha alguma, por mais forte que seja, ataca um ninho de Quero-quero e sai impune deste intento voraz. Esta mesma vontade vale para o patrimônio público do Rio Grande e as forças sociais que o construíram.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat

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