3ª 5 de dezembro de 2006, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé
Um tema sempre recorrente no Brasil é a dita reforma tributária. Sabemos todos que o Brasil tem uma carga de impostos que varia de 38% a 43%. Em termos de comparação, de cada R$ 1,00 circulante, em torno de R$ 0,40 vão para o Estado. O pior não está na carga impositiva, mas na destinação desta. Em países de capitalismo desenvolvido e com capacidade de amparo social a carga é ainda maior. Mas, por outro lado, os serviços públicos funcionam ao oposto do Brasil.
Além da carga tributária, temos outros problemas que tornam este mecanismo mais injusto. Este é o duto cloacal impositivo que escoa sem dó nem piedade 61% da carga tributária para os cofres do governo central. Nos valendo da figura de linguagem, de cada R$ 1,00 em impostos, R$0,61 centavos vão o caixa único do Planalto. A chave do cofre está no Banco Central e quem cuida dos recursos é homem de confiança da Banca internacional. Considerando que mais de 40% do PIB nacional se concentra no Estado de São Paulo e que no máximo 11 famílias controlam mais de 80% do fluxo de informação, comunicação e veiculação de produtos culturais midiáticos e compreendemos o porquê da falência dos estados e municípios.
Afirmo que isto é um problema de acordo com meu ponto de vista. Isto porque professo um pensamento político de origem participativa e federalista. Para os controladores das finanças do país, a centralização econômica acompanha a afirmação da democracia de procedimentos. No mundo real não há separação entre economia, política e ideologia. Podemos afirmar, sem nenhuma sombra de dúvida e de falta de rigor, que a carga tributária aplicada no Brasil vai ao encontro do modelo político e da forma de acumulação neoliberal. Ou seja, interessa sim deixar a estados e municípios de mãos e pés atados.
Pela mesma obviedade dos especialistas afirmarem ser toda mudança do modelo de política econômica impossível e irresponsável, não se veicula a idéia de redistribuição impositiva. A constituição brasileira, extrapolando suas atribuições de carta magna, chegou a tentar regular a algumas destinações de orçamento fixo para alguns rubros.
Mesmo aqueles cujo orçamento tem destinação assegurada, como para a Saúde e educação, pouco atinge a ponta do serviço público. Interpretações constitucionais de regulação, como fundos públicos para universalização de serviços, a exemplo do Fust e Funttel, terminam sendo contingenciados. A política econômica que concentra a carga impositiva é a mesma a aplicar a Desvinculação das Receitas da União (a DRU).
As palavras não são neutras e os eufemismos tampouco são aplicados fora de propósito. A “desvinculação”, acompanha a “flexibilização” das leis e direitos do trabalhador, o “contingenciamento” rompe preceitos constitucionais e tudo caminha no mesmo sentido. É liberado o fluxo de capitais, acumula-se o papel do Estado e este, sobrecarregando a economia viva, termina por financiar o grande capital privado. Deste modo, o governo central, termina por ser o motorista do pensamento ideológico neoliberal manifestado em orientações macro-econômicas.
O mais explícito destes eufemismos é a palavra “provisória” contido na sigla da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Como se não bastasse taxar os correntistas e não aos bancos, a atribuição de provisória transforma-se em permanente, sem sequer mudar o nome da sigla. Não somente ela já é perene como tampouco aquilo que arrecada vai para a saúde na integralidade. Isto não ocorre somente com a CPMF, mas também com outras formas de taxação, originadas para destino prévio e nunca chegam até onde deveriam ir.
Nada disso é coincidência, e a atual acumulação passa pelo eixo das Tecnologias de Informação (TICs) e aqueles ramos da economia integrada beneficiadas diretamente por estas. Ou seja, prioritariamente o sistema financeiro e de comunicações. Assim, a concentração impositiva não é apenas o instrumento que assegura o controle interno ao Planalto, mas também a garantia de repasse dos serviços da dívida, sugando os recursos do país e levando ao caos aos serviços públicos e direitos conquistados na Constituinte de 1988.
Ficamos todos muito indignados com a peça de ficção que são os orçamentos votados no Congresso Nacional e nas Assembléias Legislativas. Mas, estas obras de dramaturgia têm como fundo a concentração impositiva e o endividamento sem fim dos governos estaduais e municipais. Quando se dá a gritaria contra a Moratória dos estados, os “especialistas” reafirmam os pontos de vista e interesse dos operadores dos mercados de capitais flutuantes e do Banco Mundial. Assegurar um contrato que não beneficia o país é lutar contra um ponto de vista de interesse nacional. Mas, promover a auditoria da dívida dos estados e do país seria uma “irresponsabilidade”, agravando a confiança de investidores.
É por isso que dois temas devem ser vistos e de imediato. Um deles é a tão proclamada e nunca feita auditoria e o conseqüente plebiscito da dívida. Seja esta dos estados ou do governo central. O outro é uma redistribuição dos recursos dos impostos, de acordo com as atribuições dadas aos municípios e sem nenhuma condição de exercê-lo. Entre a dívida e a lei de responsabilidade fiscal, não sobra espaço algum para as políticas a ser implantadas pelos municípios.
Se o imposto não se transformar investimento público e sob cada vez maior controle direto da população, seguiremos vivendo a democracia limitada e ficcional.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat