Um tema como esse merece apresentação digna. No verão deste ano, lendo a página de Luis Nassif, deparei-me com uma grata surpresa. O jornalista especializado na área econômica apontava uma esperança para o pensamento econômico brasileiro retomar as suas melhores tradições do Estado Nacional Desenvolvimentista e dar de pau de aroeira nos Chicago Boys da Gávea e arredores. Trata-se do Coletivo Crítica Econômica, que da Praia Vermelha e arredores aponta as saídas da luta contra a econometria e outras mazelas do livre pensar. Há poucos dias o economista Gustavo Santos me enviara alguns artigos de José Carlos de Assis, presidente do Desemprego Zero e economista político segundo suas próprias palavras. O tema recorrente dos artigos era escandaloso e fascinante. José Carlos aponta um caminho sistêmico, indo ao encontro das razões de ser desta página. O assunto em pauta é o chamado Swap, cuja definição os leitores encontrarão logo abaixo. Como tudo no jornalismo com J e não assessoria indireta, os conceitos aqui emitidos desagradam a muitos, mas defendem a posição da maioria. Concordo com 95% do conteúdo das respostas, e convido aos leitores mais assíduos e atentos a descobrirem no que discordo.
Mas, pelo tamanho do problema, minha suave discrepância é secundária. O Brasil anda em um sentido tão absurdo que por vezes o ajuste institucional precisa de um choque de gestão, mas não a modaneoliberal. Emparedados pelos operadores do “balão financeiro” e especulativo; necessitamos aqui um FED com ganas de morder a quem sair da linha. Caso isto um dia venha a ocorrer, aí sim entrará em colapso total e absoluto o sistema carcerário das prisões especiais. Leiam a entrevista abaixo, debate teórico por excelência, e sintam com as descargas elétricas do registro intelectual que nada é fantasia e o todo é muito mais grave do que a parte. Boa leitura.
1) José Carlos de Assis, antes de entrar no tema do Swap, é importante que o leitor saiba quem tu és, um pouco de tua trajetória e teu trabalho. Dentro disso, porque da escolha pelo Instituto Desemprego Zero?
Sou jornalista e economista, mestre e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, atualmente exercendo a função de assessor da Presidência do BNDES, a convite do professor Luciano Coutinho. Nos anos 80, introduzi o jornalismo econômico investigativo no Brasil, denunciando, entre outros, os escândalos Delfin/BNH, Coroa-Brastel e Capemi. Neste último caso, descobri e publiquei o que me pareceu ser um caixa 2 do antigo SNI, envolvendo os generais Otávio Medeiros, seu ministro-chefe, e o General Newton Cruz, chefe de sua Agência Central. A publicação dessa matéria me rendeu um processo pela antiga Lei de Segurança Nacional, a qual, entre seus dispositivos, previa que a “publicação de notícia falsa, ou fato verdadeiro distorcido”, rendia prisão. Claro, qualquer matéria poderia ser classificada como fato verdadeiro distorcido, um conceito totalmente subjetivo. Entretanto, sendo a ação julgada na II Auditoria Militar do Rio de Janeiro, o juiz Susekind (esqueço o primeiro nome desse notável magistrado) me concedeu a “exceção da verdade”, isto é, dava-me a oportunidade de provar que o que escrevi era verdade. Como conseqüência, o general e o ministro da Agricultura, também vinculado ao caso, que me haviam processado, desistiram da ação. De
2) Pode parecer enfadonho, mas é importante que tu exponhas e expliques da forma mais didática possível, visando um público leigo e amplo, o que é uma operação de Swap, a começar pela sigla?
Swap significa “troca”. É um jogo, em geral do mercado financeiro privado, nos quais os jogadores trocam palpites de variações no câmbio e na taxa de juros. São, pois, duas variáveis, câmbio e juros, com três posições possíveis: sobe, desce ou fica estável. Duas variáveis vezes três posições dão seis resultados – como no jogo com dois dados. No mercado privado, é um jogo de soma zero. Um perde o que o outro ganha. O Banco Central, como ente público, não poderia jogar, pois ele controla os juros e influencia, através dos juros, a taxa de câmbio. Se ele joga e o jogo é limpo, totalmente aleatório (como o bingo), ele comete crime capitulado na Lei do Colarinho Branco como de “gestão temerária”. Se o jogo é sujo, isto é, se ele influencia o resultado, trata-se de “gestão fraudulenta”.
3) Porque o Swap foi implementado pelo ex-alto executivo do grupo Soros, o economista carioca e ex-presidente do Banco Central (Bacen), Armínio Fraga?
A meu juízo, para armar um caixa 2 da campanha presidencial, através de instituições financeiras escolhidas (citarei os nomes oportunamente) e de suas agências de publicidade, para comprar a opinião da Grande Imprensa, sobretudo Sistema Globo, Sistema Abril e Sistema Isto É, em favor de uma política econômica favorável para o grande capital financeiro especulativo. Aparentemente, esse caixa foi aplicado na cooptação de Antônio Palocci, mais tarde Ministro da Fazenda, e, através dele, de Henrique Meirelles, feito presidente do Banco Central. Há indícios de que, para tornar Palocci o primeiro homem na hierarquia do Governo Lula, foi necessário matar Celso Daniel, apresentado por Lula como seu principal assessor numa reunião com grandes industriais e banqueiros no Rio, no início de 2002 – sendo este crime abafado por eminências pardas e claras do PT.
4) Porque foi criado o chamado Swap reverso pelo ex-presidente mundial do Banco de Boston, o atual presidente do Bacen (desde 1º de janeiro de 2003), Henrique Meirelles?
Para compensar o mercado dos prejuízos entre 2003 e 2005, devidos a mudanças incontroláveis na situação econômica do País. E para preparar o caixa 2 da eleição de 2010, provavelmente visando à viabilização de Palocci como presidente e Henrique Meirelles como vice.
5) Se o Swap é um “jogo” como este “jogo” pode ser “jogado” sem a aleatoriedade? Indo além, se o maior peso gravitacional no mercado de capitais é do Bacen, pela lógica das relações de poder, o controle das políticas monetárias passa pelo controle do processo decisório. Como pode haver “jogo” quando um agente – o Bacen – pode efetivar toda a decisão do setor?
Respondido num dos itens acima.
6) Vamos retroceder um pouco, pela lógica do “mercado de capitais”, indo para os primeiros meses de 1999, quando houve a desvalorização do Real e Francisco Lopes exercia o cargo de presidente do Bacen? Houve uma espécie de Swap Cambial naquele momento? Porque apenas os dois operadores médios, o Marka e o FonteCindam, foram punidos? Tu concordarias com a punição para as mais de 1000 pessoas físicas e jurídicas que foram apanhadas na CPI do Sistema Financeiro?
Claro que concordaria. Mas a operação em si não era swap, era compra de dólar no mercado futuro. Francisco Lopes fez retroagir a compra já conhecendo o resultado. O crime está aí.
7) Ainda em 1999, Armínio Fraga assume o Bacen após haver comandado uma série de ataques especulativos como alto-executivo do Fundo Soros. A mídia corportiva afirma que Fraga “cumpriu” os mandamentos da economia. Os mesmos “mandamentos” haveriam sido cumpridos por Henrique Meirelles. Parece a conversa do Nixon com um assessor do Departamento de Estado a respeito do “perfil” de Somoza (ex-ditador da Nicarágua) “ yes Mr. Presidente, he’s a …of a bitch; but he is OUR son of a b….”. Te parece exagerada a comparação?
A comparação é ótima. Armínio Fraga, que se apresenta como ortodoxo, manteve a taxa de juros estacionada quando a ortodoxia, em 2002, exigia que se elevasse a taxa de juros. Agora, com o swap reverso, Meirelles, outro ortodoxo, aumenta a taxa de juros quando ela, pelas condições de inflação e câmbio, deveria ser reduzida. Um é o reverso do outro, mas, nos dois casos, trata-se de medidas para transferir dinheiro de graça para certas instituições financeiras amigas. São, sim, f. da p., mas f.da p. deles, ou seja, dos especuladores financeiros que querem comprar a manutenção da política econômica de juros altos e câmbio valorizado.
8) Te peço que recapitule as perdas acumuladas com as operações do Swap nas gestões de Fraga e Meirelles e explique qual o mecanismo pagador?
Está nos jornais “Folha de S. Paulo”, artigo de César Benjamim, e “Jornal do Brasil”, artigo de Rodrigo Almeida. E está também no site Desemprego Zero, com todos os detalhes.
9) Considerando a perda absurda do Brasil nestas operações, te parece plausível supor que dois dos maiores especialistas do mundo em mercado de capitais – Fraga e Meirelles – possam haver cometido “equívocos” na gestão do Bacen?
Eles acertaram na mosca, naquilo que queriam, isto é, dar dinheiro para o mercado. Meirelles só errou, e ficou contrariado, quando, por força da própria maxi anterior e do aumento das exportações e dos preços das commodities, a situação se inverteu entre 2003 e 2005, quando o mercado, sempre esperando que ia ganhar na próxima mão, teve perdas brutais acumuladas dia a dia. Nesse caso, foi um erro involuntário, pois ninguém esperava a explosão dos preços das commodities que representam metade da pauta de exportação brasileira, assim como ninguém esperava que as exportações de manufaturados reagissem tão bem a um câmbio mais realista.
10) Suponho que não seja tua especialidade, mas peço que comentes a defesa do presidente do Bacen que ganhara foro privilegiado – como ministro de Estado – no meio da crise política de 2005 e ao mesmo tempo o novo Código de Conduta do servidor do Banco Central. Se isto não é uma ação de governo orquestrada, o que é?
Como não é minha especialidade? Sou, antes de mais nada, um economista político, na antiga tradição de Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, Keynes, Galbraith, Maria da Conceição Tavares. A blindagem de Meirelles foi simplesmente uma tentativa de protegê-lo de processos vindos do povo. Contudo, diante dos fatos relatados, a única blindagem que ele pode ter agora é pegar o avião e se mandar para Boston. Depois a gente manda trazê-lo de volta, com ordem do Supremo, como acaba de acontecer com Cacciola.
11) Sem cair em teorias conspirativas, quem faz parte do “mercado de capitais” operando no Brasil – ou entrando e saindo do Brasil? O CADE ou outro órgão de “controle” do sistema financeiro não sabe quem são os grandes especuladores do Brasil?
Basta abrir as contas. É fácil, pois os bancos são obrigados a registrar tudo. Do contrário, o dono seria roubado pelos diretores, os diretores roubariam os gerentes, os gerentes os funcionários – ou vice-versa.
12) Voltando ao caso do Swap, não há como responsabilizar os titulares do Conselho Monetário Nacional – 3 ministros de Estado? Se não há como punir, como é possível prever alguma correção do sistema financeiro?
Os componentes do Conselho Monetário Nacional são cúmplices dessa fraude, por ação ou por omissão.
13) Entende como necessário uma equipe especializada, do tipo força-tarefa, do Ministério Público especial de contas, o TCU, a CADE, alguma delegacia de crimes financeiros dentre outros órgãos de Estado, para investigar o caso do Swap? Entendes o mesmo como uma fraude ou crime contra o Tesouro Nacional?
O ex-ministro do Supremo, o honorável Sepúlveda Pertence, disse-me uma vez, referindo-se a outra fraude de muito menor complexidade, que: “temos uma ignorância específica”, referindo-se aos ministros do próprio Supremo. É claro que seria necessária uma força tarefa desse tipo. Não com TCU e CADE, mas no âmbito da Polícia Federal. Em vez de fazer shows de prisão de simples suspeitos, com cobertura espetacular de jornais, rádio e televisão, a parte competente da Polícia Federal poderia constituir uma força tarefa discreta desse tipo – e acho que, ao fim das contas, ela acabaria prendendo também policiais federais acumpliciados com jornais, revistas e televisões irresponsáveis que tratam a honra alheia como se fosse lixo. Veja o que fizeram com o BNDES, a revista Isto É principalmente. Veja o que a Veja tem feito com homens de bem, como Paulinho, pelo simples fato de ter seu nome citado por terceiros em relação a uma operação na qual não tinha a menor influência, pois a aplicação do crédito dado pelo BNDESàPrefeitura de Praia Grande era de responsabilidade exclusiva desta. Sobrou até para mim. Um colunista da Veja, rebotalho da imprensa, que na orelha de um livro seu confessou abertamente que escreve e dá opinião por dinheiro, revelou meu salário no blog da revista, invadindo a minha privacidade, não obstante protegida pela Constituição Federal. Pensei em processá-lo, assim como à revista. Desisti, pois, se ele está atrás de fama, não a ganhará por meu intermédio. Nem ele, nem seu informante no BNDES, um falso economista e doutor que vive denegrindo a reputação alheia usando computador do próprio banco público, e fingindo-se de ético.
14) Te peço que expliques a lógica do mercado de capitais de forma narrativa. Como opera o sistema de ganhos e perdas, como se dão os prêmios e remunerações? Do ponto de vista moral e filosófico, qual a lógica operante na ciranda financeira? Concordas com este termo, “ciranda” financeira?
O termo “ciranda financeira” foi cunhado pela minha querida mestra Conceição Tavares, e divulgado por mim, creio que em 1979, numa manchete do “Jornal do Brasil”. Perdi o emprego por isso, como resutlado de pressão do Governo militar sobre o jornal, que não teve coragem para resistir. A “ciranda” não é a melhor metáfora para nosso sistema financeiro. Ciranda roda no mesmo lugar. Termo melhor é “balão financeiro”, por analogia de um balão que vai sendo inflado – o balão pelo sopro de ar, e o mercado pelos ares da cumplicidade entre ex-presidentes e ex-diretores do Banco Central e o próprio mercado financeiro. De cabeça, entre esses ex-dirigentes do BC ou altos funcionários em postos-chave do Governo cujas competências foram compradas pelo mercado poderia citar Pedro Malan (Unibanco), Werlang (Itaú), André Lara Resende, Pérsio Arida, Gustavo Franco, Edmar Bacha, Winston Fritch, Helena Landau, Maílson da Nóbrega, Gustavo Loyla. Há também acadêmicos pervertidos (Paulo Guedes) e jornalistas econômicos comprados, cujos nomes não merecem aparecer aqui, mas que o público facilmente reconhecerá. Desses jornalistas Ciro Gomes tratou quando mencionou “penas de aluguel”. A lógica da ciranda era, primeiro, ganhar dinheiro com a inflação combinada com correção monetária defasada para salários e juros reais elevados para os patrões; agora, é só com os juros reais, ficando salários e outras rendas para trás. Não há nenhuma complexidade nisso. O Banco Central faz tudo pelo mercado, quando aumenta os juros sem necessidade, como nas últimas decisões do Copom.
15) Peço que tu descrevas qual são as bases normativas – qual a escala de valores e premissas válidas – no pensamento econômico brasileiro que é hegemônico no Bacen hoje? Como abrir o debate das bases filosóficas aplicada na economia do neoliberalismo VERSUS uma ou mais propostas de desenvolvimento econômico e geração de emprego estável no Brasil?
O BC é governado hoje por um decreto inconstitucional e ilegal de Fernando Henrique Cardoso, introduzindo o chamado “modelo de metas” de inflação – já classificado pelo Prêmio Nobel Joseph Stiglitz como responsável por futuros desastres nos países que o adotaram, com destaque para o Brasil. Este decreto estabelece como única finalidade do Banco Central o controle da inflação. É, portanto, uma aberração, se comparado, por exemplo, ao FED, banco central dos EUA, cujos objetivos são fornecer uma quantidade de moeda à economia de forma a garantir o crescimento, favorecer o pleno emprego e, sim, assegurar a estabilidade dos preços. Se copiássemos simplesmente essas regras do FED, estaríamos fazendo, no âmbito da política monetária, o essencial do que é preciso ser feito. Aliás, o Instituto Desemprego Zero, cujo Conselho eu presido (e é nesta condição que dou esta entrevista, não como assessor da Presidência do BNDES), editou uma cartilha, “Momento Nacional”, onde se publica uma minuta de projeto de lei de iniciativa popular que estabelece os fundamentos da política monetária e fiscal ideal para o País. Pretendemos levantar um milhão e meio de assinaturas para esse projeto a fim de apresentá-lo ao Congresso.
16) Por fim, uma pergunta de fundo epistemológico. Certa vez, o atual presidente da Anatel, quando ainda era ministro de FHC, o diplomata Ronaldo Sardenberg disse que em alto nível decisório não há diferença real entre Política e Economia. O que te parece esta premissa de análise? Vê esse debate como possível de ser aberto entre economistas? Tu conseguirias mapear as bases ideológicas do neoliberalismo?
Acho correta essa premissa. Por isso me classifico como economista político. As bases do neoliberalismo são a econometria, as equações e os modelos matemáticos que são lógicos, em si mesmos, mas que não tocam a realidade social. Como você deve saber, a lógica recorre às tautologias. Já a economia pertence ao campo da Teoria do Caos, na qual há infinitas interações de variáveis. Matematicamente, a estabilidade econômica seria impossível, já a partir da interação de demanda e oferta, pois apenas com artifícios pouco precisos a interação de duas variáveis que se influenciam reciprocamente tem solução. Como sou místico, entendo que a estabilidade econômica depende de um Atrator Estranho (o pessoal da Teoria do Caos sabe o que estou falando) que, como em outros sistemas da Natureza, só pode ser Deus.