O magistral Paulo Gracindo encarnava o coronel municipal dentro das entranhas da ditadura; no Brasil democrático, este comportamento se transfere para as periferias metropolitanas   - Foto:
O magistral Paulo Gracindo encarnava o coronel municipal dentro das entranhas da ditadura; no Brasil democrático, este comportamento se transfere para as periferias metropolitanas
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coluna mensal na Revista Voto, outubro de 2008

Afirmo dois conceitos sobre as eleições municipais. Elas são “a mosca azul ao alcance de todos” e “a várzea da política”. A primeira afirmação reconhece o grau de penetração do sonho da vereança nas camadas mais humildes. A segunda diz respeito da forma como esta vontade de exercer intermediação de interesses é organizada. Quero reforçar estas duas idéias. O foco do artigo é o padrão de recrutamento daqueles que se pretendem parlamentares dos municípios. É lugar comum ter em baixa conta os candidatos a vereadores. Em período de eleições municipais o Brasil vê uma profusão de despreparados pretendentes ao cargo. Entendo que isto ocorre por cinco motivos.

Primeiro é a necessidade de mão de obra abundante para a campanha majoritária. Isto leva os diretórios municipais a convidar muita gente para fechar a listagem mínima de candidatos. Os mesmos também tem a função de serem cabos eleitorais de primeira linha da cabeça da chapa.

Segundo é o critério empregado no recrutamento e o tipo de cultura política que se termina por reforçar. É fato, os partidos recrutam uma série de pessoas para a composição de suas listas. Estes que se postulam ao cargo trazem um capital político. Tal capital não é necessariamente a virtude política, mas sim é baseado em sua rede de relações. Ou seja, não se aponta a maioria não se candidata porque tem capacidade de executar políticas públicas e sociais. Tampouco essas candidaturas são fruto de uma larga trajetória política na interna partidária. O critério fundamental para “bater chapa completa” é a possibilidade de reprodução da campanha dos prefeitos.

Terceiro, geralmente, o envolvimento de “lideranças comunitárias” passa pelo número de pessoas que este candidato conhece. Se o pretendente for um homem ou mulher midiático, o que irá ocorrer é uma reprodução de imagem além das fronteiras dos bairros e vilas. Já se o aspirante à representação for arraigado num território urbano, espaço de serviço público (como um hospital) ou atividade reconhecida, é fundamental que este traga sua rede de relações pra dentro da campanha. É a aplicação máxima da frase: “você é quem você conhece”. Isto retrata um comportamento da cultura política retrógrada, paroquiana e muito conservadora.

O quarto motivo é a pressão para alcançar o número mínimo de votos na legenda e assim poder atingir o quociente eleitoral. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) só poderão concorrer à distribuição dos lugares na Câmara Municipal, os partidos e coligações que alcançarem o quociente eleitoral — resultado da divisão do número de votos válidos pelo de lugares a preencher no Legislativo local. Segundo esta mesma corte, o número de cadeiras em cada legislativo local é a representação de um vereador para cada 47.619 habitantes.

Quinto é a carência de tempo de exposição, levando a uma boa parte dos possíveis vereadores a fazerem de si um personagem. É aí que entram os apelidos, as rimas pobres, as piadas facilmente repetíveis e a correlação com o lugar de origem. Por isso vemos a profusão do “fulano de tal lado”.

Compreendo que as regras da competição são acirradas e isto obriga as coligações e legendas a buscar sugar ao máximo seus próprios recursos políticos. Por outro lado, a baixa qualidade nas campanhas nos obriga a criticar esta forma de fazer política e buscar uma democracia local que seja substantiva, com qualidade de debate e sem a caricatura de si mesmo.

Este artigo foi originalmente publicado na Revista Voto, No.48, pág. 66, Ano 4, ISSN 1982-730-X

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