02 de julho de 2009, Bruno Lima Rocha, do Rio Grande outrora altaneiro
No domingo dia 28 de junho a casa do presidente constitucional de Honduras, Manuel Zelaya, amanheceu sob cerco militar. Tropas leais ao comando do Exército metralharam sua residência e o retiraram do país. Não por acaso, este seria o dia de uma consulta popular, convocando a cidadania hondurenha a se posicionar quanto à reforma constitucional. O temor dos oligarcas locais, do arranjo político-jurídico institucional, fomentados pela presença de capitais impulsionando o antigo Plano Puebla-Panamá (a integração forçada, estilo ALCA, para América Central), era o fortalecimento do Poder Executivo a partir de uma base de relação plebiscitária com uma parcela do povo organizado. Pelo visto a direita centro-americana tenta reproduzir a fórmula dos esquálidos venezuelanos. Já antevendo a provável vitória de uma emenda constitucional (não apresentada na consulta, é verdade) futura habilitando a reeleição, decidiram operar antes, mesmo pagando os custos do isolamento e condenação internacional.
Um golpe “democrático” apresenta o limite da “democracia” de procedimentos
Por mais absurdo que possa parecer, e é. Este golpe foi “autorizado” pela Suprema Corte. Isso caracteriza uma distinção do período da Guerra Fria. Com uma técnica distinta, municiados de um discurso de legitimação jurídico, a elite dirigente hondurenha deu mostras de “ponderação” no rito de conservação do poder. Não acreditou nos procedimentos legais de impedimento político de um Executivo contestado pelos poderes liberais-burgueses, e ao mesmo tempo, não fechou estes mesmos poderes. Apostaram na força, mas ainda não na barbárie.
Noutros tempos o desfecho seria ainda mais trágico, como ocorreu com Salvador Allende (Chile, em 1973). No período em que vivemos, onde o debate se dá sobre o formato de democracia, os golpistas tomaram uma medida preventiva, preterindo o assassinato a sangue frio do chefe de Estado deposto a bala. Levando Zelaya para a Costa Rica, país vizinho, comunicando ao mundo que preservam os seus, reservando a repressão para a oposição interna de esquerda, postura política esta que não é a de Zelaya. Preservar a vida do governante derrubado é algo semelhante ao ocorrido no frustrado golpe na Venezuela, em abril de 2002, quando Hugo Chávez foi cercado no Palácio Miraflores, levado a uma prisão militar no Caribe, e reconduzido ao poder após a pressão popular nos dias seguintes. Bem, este quesito pressão do povo nas ruas existe em Honduras. O problema até a data de postar este texto, é o fato de Manuel Zelaya ser recalcitrante e não dar sinais de estar disposto a arriscar a vida para manter o governo.
De outra parte, se há uma diferença entre o golpe hondurenho e o intento do empresariado venezuelano, é a relação com as forças armadas. Chávez tinha o apoio da maioria dos oficiais de baixa patente e sargentos. Zelaya vem da oligarquia hondurenha e é visto como traidor por seus pares na comandância das corporações militares ainda profundamente influenciadas pela Escola das Américas, as ações de tipo terra arrasada e as costumeiras implicações com o narcotráfico. Assim, a variável repressão vai jogar um papel importante. Isto porque, a reação imediata ao golpe foi convocar uma greve geral já na madrugada de domingo para segunda (29 de junho).
Labirintos e saídas para o contra-golpe popular
Entendo que nestes casos, a comoção interna é o termômetro. Se não houver gente mobilizada, mesmo sabendo que é sempre uma minoria ativa quem toma à frente, vai dar a entender que há um apoio da “maioria silenciosa” ao golpe. O silêncio dos que não são sequer entrevistados é também fruto do bloqueio midiático. Como vivemos um momento de luta popular de 4ª geração, as forças repressivas tem como alvo permanente o bloqueio de antenas de telefonia celular, o controle de lan houses e cyber cafés, além da queda de tráfico e de velocidade nas bandas de internet no país. Minando a capacidade de convocatória pela mídia eletrônica e as ferramentas de comunicação móveis e interativas, os hondurenhos dão provas de haver aprendido com velocidade as lições da repressão iraniana contra a contestação cidadã. Tudo isso se soma com a costumeira e péssima cobertura das agências de notícias transnacionais e das TVs com cobertura global como a CNN. Não por acaso, o recado dos golpistas já nos primeiros momentos, ao manter em cativeiro por um período uma equipe da Telesur.
Para interromper os protestos, haveriam duas saídas. Uma seria a renúncia pública de Zelaya, gesto que não foi feito. Outra, mais custosa, é o aumento da repressão interna, retomando as práticas da década de ’80, quando Honduras era o centro da guerra suja centro-americana promovida pelos governos de Ronald Reagan e George Bush pai (de 1981 a 1992). Na maior parte dos episódios semelhantes, a falta de legitimidade não suporta os custos de mortos, feridos e mártires. Mas, para manter o fôlego, a resistência civil interna precisará ver a saída visível, o que inclui o papel do ator legal, o presidente eleito e deposto Manuel Zelaya Rosales.
As medidas de luta em Honduras são muito mais contundentes do que se difunde pelas agências internacionais. Enquanto escrevo estas palavras, vejo a notícia de que 34 estradas internas estão bloqueadas e Tegucigalpa, a capital, está cercada por tropas leais ao golpe. É justo o oposto do ocorrido em Caracas em abril de 2002. Na ocasião, o morro literalmente desceu fazendo um cerco às entradas da capital venezuelana. Simultaneamente, o Palácio Miraflores e o mais poderoso canal de televisão foram rodeados de populares, sendo que a TV fora reocupada por resistentes civis.
Em momentos de crise, mesmo quem opina de fora e publicamente se posiciona contra o golpe e a favor de um pólo de poder popular por fora das estruturas da democracia liberal de procedimentos, não podemos perder a frieza analítica. A cada momento, mesmo envolto em um manto de suposta legalidade, o aumento da repressão através do Congresso golpista votando leis de emergência e discricionária aponta como a baioneta e a cadeia a opção preferencial da oligarquia hondurenha.
Todas as condições externas para frear o golpe estão dadas, mas o chefe de Estado deposto tem de fazer sua parte também. Retomado o fôlego, com sustentação verbal (mas nenhum ato incisivo) da Assembléia Geral da ONU, da OEA, da Casa Branca (Obama se manifestou para o Departamento de Estado não cortou a ajuda externa para Honduras), da ALBA, além da retirada de todos os embaixadores europeus na capital hondurenha, Zelaya tem chances reais de retomar o poder legal. Mas, para isso terá de se arriscar fisicamente. Agora lhe resta cumprir sua palavra, retornar ao país escoltado ou não por outros chefes de Estado e emparedar os golpistas.
As dúvidas de fundo não repousam na resistência civil e na mobilização das entidades de base hondurenhas. Aí reside o grau de certeza das maiorias latino-americanas. A questão difícil de ser respondida é quanto à firmeza de propósito e a lealdade ao cargo do próprio Manuel Zelaya. Desse modo, preparar-se para uma luta de mais longo prazo e não ancorar as esperanças nas posturas políticas do oligarca convertido parece ser a medida mais correta a ser tomada.