O ex-ditador e latifundiário está em casa, mas  já os mandos intermediários seguem impunes, sendo preservados de um julgamento coletivo - Foto:chasquenet
O ex-ditador e latifundiário está em casa, mas já os mandos intermediários seguem impunes, sendo preservados de um julgamento coletivo
Foto:chasquenet

17 de fevereiro de 2010, del territorio de la Liga Federal, Bruno Lima Rocha

Enquanto o Brasil discute a reedição do Plano Nacional de Direitos Humanos e a possibilidade de revisão da Lei de Anistia, nossos vizinhos tentam ajustar contas com o passado. O respeitado semanário Brecha estampa em sua capa de 12/02 a figura do ex-presidente do Uruguai, Juan María Bordaberry. O co-autor do golpe cívico militar de 27 de junho de 1973 foi condenado à pena máxima, 45 anos em prisão domiciliar (pela idade avançada) caso não se evada sem autorização. A sentença, até agora definitiva, foi dada pela juíza penal Mariana Mota baseando-se em uma lei de cooperação com a Corte Penal Internacional nas matérias de luta contra o genocídio, crimes de guerra e lesa humanidade. Agora, caberá ao ex-presidente recorrer da condenação por desaparição forçada, homicídio político e atentado à Constituição.

Este caso pode abrir um precedente importante para a questão dos direitos humanos na América Latina. Juan María Bordaberry ganhou as mais que suspeitas eleições uruguaias de 1971. Caso perdesse, o político colorado e latifundiário teria como plano B a articulação junto às embaixadas do Brasil e dos EUA para a Operação 30 Horas. A versão da blitzkrieg para o Cone Sul consistia na tomada do território do Uruguai pelas tropas brasileiras estacionadas ao longo dos mais de 1000kms de fronteira seca entre os dois países. Os blindados do Exército de Caxias fariam às vezes da cavalaria imperial de Osório e decidiriam na ponta dos fuzis a eleição decorrente de um governo sob Estado de Sítio, na gestão do também colorado e presidente com ares ditatoriais, o ex-boxeador Pacheco Areco. A invasão brasileira não foi necessária graças à vitória na urna fraudada. Dois anos depois, estava dado o golpe, instaurando a ditadura que duraria até 1985.

Ao fazermos análise política por comparação fica o espanto de quão distante estamos dos países do Cone Sul da América. No Uruguai e na Argentina, que já puniu parte dos altos-mandos ditatoriais, os ativistas de direitos humanos lutam para punir a hierarquia intermediária de torturadores e tentam frear a criminalização do protesto político. Com todas as suas limitações, há que se reconhecer que até o Chile da Concertação superou alguns entraves do Estado pinochetista e puniu operadores da temida DINA (polícia política de Pinochet) e outros órgãos de colaboração na Operação Condor.

No Brasil, ainda reclamamos que o governo de Lula ajuste uma parte das contas com o passado ditatorial. No apagar das luzes de 2009, é lançado o Plano Nacional de Direitos Humanos e o mesmo é rechaçado em bloco pelo ministro da Defesa que fora ministro da Justiça de FHC, ombro a ombro com os comandantes das Forças Armadas. De sua parte, Luiz Inácio saiu pela tangente, declarando não ter lido o decreto do PNDH antes de assiná-lo. Desde a chiadeira castrense no final do ano o Plano vem sendo lavado, mantendo a anistia para os autores de crimes como tortura, seqüestro, assassinato, estupro, roubo de crianças e espólio de bens pessoais.

Bordaberry pode estar em casa, mas está preso e condenado em duas instâncias. Foi sentenciado na Justiça formal do país onde já foi ditador e na memória permanente cultivada, não permitindo esquecer aquilo que jamais deveria haver acontecido.

Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat

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