Exemplos como este, deveriam passar pela rede pública de ensino, e não apenas contar com a boa vontade e o voluntarismo de atletas de ponta, como o judoca Flávio Canto. - Foto:
Exemplos como este, deveriam passar pela rede pública de ensino, e não apenas contar com a boa vontade e o voluntarismo de atletas de ponta, como o judoca Flávio Canto.
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Vila Setembrina dos Farrapos, Continente do Rio Grande de São Sepé, 27 de junho de 2006

A Copa do Mundo da Alemanha apresenta investimentos astronômicos destinados ao esporte de alto rendimento. Assim acontece no Brasil, do futebol ao esporte menos praticado. O mau exemplo começa na própria CBF, gestora do “produto” seleção brasileira de futebol. Repete-se o problema no tratamento dado ao esporte de base no Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e no próprio Ministério do Esporte.

Por ironia da história, puseram um homem do PC do B neste ministério. Agnelo Queiroz não fez jus à tradição dos países do extinto Leste Europeu, ou mesmo de Cuba, com bloqueio econômico há mais de 40 anos e ainda assim potência olímpica. A aliança com as oligarquias mais atrasadas do Brasil foi reproduzida nos acordos do governo Lula com a bancada da bola e os holofotes de Carlos Arthur Nuzman. Na berlinda ficou quem já estava, as milhões de crianças em situação de risco urgentemente necessitadas do apoio do Ministério para o esporte de base.

O exemplo da CBF é emblemático. O produto seleção é super explorado, muito bem gerido e globalizado. Agora, a gestão da entidade maior do esporte mais praticado no Brasil, além de suas habituais “jogadas”, não organiza e planifica as categorias de base, que por sinal, nem calendário nacional tem. Isto sem falar na falta de regulação das transações, envolvendo jogadores menores de idade. Proporcionalmente, ocorre nas seleções o mesmo que na profissional. Cuidado com o produto final e descaso com a sociedade que o formou. O padrão de nosso time é de primeira, do roupeiro ao técnico, são todos profissionais muito capacitados. As instalações da Granja Comary, da sede da Confederação, o acompanhamento médico, a nutrição, enfim, tudo o que pode fazer uma equipe competitiva, e na maioria das vezes vencedora, o Brasil tem. Mas, lembremos, essa é a ponta. Já na base, a bola é a paródia da vida brasileira, correto? Portanto, como haveria de estar a base?

Não pretendemos ficar respondendo a perguntas óbvias, nem tampouco nos concentrando apenas em falar de futebol para pegar carona na copa organizada pelo lugar-tenente de João Havelange. O problema do esporte está além das gloriosas conquistas da canarinho. É um tema de fundo, e pela gravidade da situação de nossas periferias, se torna questão de Estado. A encruzilhada está justamente aí. Ninguém sabe o que quer e como cobrar o rendimento do esporte de base no Brasil. Os indicadores, quando os projetos são bem feitos, apontam números insuperáveis. E aí mora mais um perigo e problema. Não temos um modelo de desenvolvimento desportivo; temos um negócio chamado terceiro setor, ocupando uma franja “deixada ao Deus quem sabe um dia dará algo”. Isto é, mais uma omissão do poder público.

Do mesmo modo que Antônio Palocci afirmou nada poder fazer contra os rumos macro-econômicos pré-traçados, Agnelo Queiroz nada fez para combater a “bancada da bola” e a sucção de recursos esportivos para o alto rendimento. Grandes resultados e mega-eventos trazem muita mídia. Vitrine esta, bem mais barata do que os bilhões gastos em “propaganda institucional” nos últimos meses de pré-campanha eleitoral. Situação semelhante viveu o recém-falecido jornalista Daniel Herz, co-autor do programa de democracia na comunicação cujas linhas, diretrizes e conceitos não foram aplicados em sequer uma vírgula. O mesmo se deu no esporte. Luiz Inácio e José Dirceu tiveram as melhores cabeças do jornalismo esportivo a seu favor. Usaram e abusaram de sua credibilidade, para depois não executar nada do que havia sido programado. Detalhe, assim como no programa escrito para a área da comunicação, no esporte em geral e, especificamente, no futebol, o programa foi encomendado pelo então “Núcleo Duro” do governo. Nada foi implementado e ainda por cima tentam a todo custo aprovar a Timemania. Salvarão clubes da “falência”, mas sem intervir em nenhuma instituição cujas contas são no mínimo suspeitas; sempre assegurando a co-gestão ente clubes, empresários da bola e os cartolas “amadores” que enriquecem com o futebol.

Do outro lado da grade, temos milhões de jovens com pouca ou nenhuma formação, com muita chance de “fazerem carreira” na vida do subemprego estrutural e sonhando com uma chance no esporte profissional. Como não temos uma estrutura de base definida, a escola pública não dá conta de cumprir seu processo de socialização básica através do esporte. No artigo anterior, afirmamos as raízes do futebol amador e o tecido social brasileiro. Mas, e os outros esportes? E no próprio futebol, quem organiza a massa de jovens amadores? É a escola, é a secretaria municipal ou estadual dos esportes, são os centros de excelência, as escolinhas privadas, os próprios clubes de competição ou nenhum deles?

Na ausência de modelo, repetimos uma mescla de soluções mágicas, que não nos trazem estruturação definitiva. Nestes tempos de pós-Consenso de Washington e “admiração” gerencial do país de Bush Jr., alguns modelos deles não são aqui implementados. Nos Estados Unidos, cabem as escolas públicas o papel de universalizar o acesso ao esporte de competição. Além das aulas de educação física (obrigatórias), todas as escolas de primeiro e segundo grau têm equipes das mais variadas modalidades e competem entre si em escala regional, estadual e cuja pirâmide chega às finais nacionais. A partir do 2º grau, a peneira fica mais difícil, sendo que os programas de universidades, aí sim, privadas, estaduais ou “comunitárias” (mas de fato todas pagas), dão bolsas aos atletas de alto rendimento.

Sabemos que este modelo trás em si uma carga de competição brutal, isso em uma sociedade com estrutura simbólica menos diversificada do que a brasileira. Ainda assim, chamo a atenção para um modelo coerente e que funciona, da base ao alto rendimento.

O mesmo se dá em Cuba, cuja experiência foi reprodutora dos países de Capitalismo de Estado da antiga “Cortina de Ferro”. O conceito em si, também não é muito nenhum saudável. Incentivando o esporte olímpico como projeção de um Estado e forma de governo, tinha no desporto a válvula de escape das amarguras de uma sociedade fechada. Ainda assim, mais uma vez repetimos, é um modelo que funciona, mesmo sem condições materiais à altura, como é o caso cubano atual. Considerando a trajetória política do atual ministro Orlando Silva de Jesus, este como sucessor de seu correligionário de PC do B, Agnelo Queiroz, fica uma dúvida. Será que esta equipe esqueceu de seus próprios pressupostos? Isto porque, por mais horrorosa que fosse a experiência social stalinista, no esporte ela funcionou, e bem.

Em quatro anos, ao menos um outro modelo poderia ter sido posto à prova. Poderia, mas não foi. Vejamos o belo projeto Escola Aberta. Feito na boa vontade, suor e raça de milhares de voluntários em todo o Brasil, sua verba total em 2004 (a oriunda do governo da União) foi de R$ 6 milhões, metade do Ministério da Educação e a outra metade do Ministério do Trabalho e do Emprego. Detalhe é que de cada três atividades do Escola Aberta, duas são práticas desportivas ou das chamadas áreas correlatas. Não que este projeto seja exclusivamente voltado para o esporte, mas seus oficineiros, monitores, pais, professores e alunos terminam montando equipes nas escolas. Obviamente, na maioria das vezes, estes times de diversas modalidades são custeados com parcos recursos próprios. Como sempre, nas finais de torneios escolares abundam nobres representantes da classe política, posando de eficientes gestores do suor alheio.

É certo que o Projeto Escola Aberta é realizado em co-gestão com a Unesco e em parceria com governos estaduais e municipais. Muitas vezes, os estados afirmam estes convênios por conta própria, vinculando-se às mega empresas do chamado terceiro setor. Outra vez, não remuneram aos seus oficineiros e apontam a “grande saída” para o desenvolvimento da cultura, do esporte e da sociedade civil brasileira. Mais isenção fiscal. Não precisamos perder tempo aqui identificando as super ONGs, sempre ativas parceiras voluntárias de gabinetes de primeiras damas e outras estruturas de “grande utilidade” no aparelho estatal brasileiro. Tamanha ausência de governo acaba gerando mais frustração para milhares de estagiários de educação física, ainda jovens idealistas do esporte como forma de socialização e que quase nunca recebem suas “vultosas” bolsas de R$ 130,00 por mês.

Por fim, cabe uma reflexão. As faculdades de educação física estão super lotadas, o mercado de trabalho para estes profissionais diminui a cada dia, temos uma academia de ginástica por esquina e ainda assim não existe um plano nacional de desenvolvimento do esporte de base, que funcione. Vão pôr a culpa na herança maldita, aliás, deveras amaldiçoada. Mas, após quatro anos, algo distinto da adulação de cartolas e empresários, poderia ter sido feito.

Como nada fizeram e possivelmente quase nada farão, nos resta apoiar aos oficineiros e voluntários do esporte, anônimos ativistas que fazem a diferença nas quadras e terrenos baldios Brasil adentro.

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