Em um dos protestos no Cairo, jovem exibe cartaz solidário à luta dos sindicatos estadunidenses: “Egito apóia os trabalhadores de Wisconsin: o mesmo mundo, a mesma dor”. - Foto:leftcom
Em um dos protestos no Cairo, jovem exibe cartaz solidário à luta dos sindicatos estadunidenses: “Egito apóia os trabalhadores de Wisconsin: o mesmo mundo, a mesma dor”.
Foto:leftcom

Levantes populares: do Oriente Médio ao Meio-Oeste

Cerca de oitenta mil pessoas marcharam no sábado, 19 de fevereiro, ao Capitólio do estado de Wisconsin, em Madison, como parte de um crescente protesto contra a tentativa brilhante do governador republicano Scott Walker não só de acossar os sindicatos que agregam empregados públicos, mas também de desarticulá-los. O levante popular de Madison ocorre imediatamente após acontecimentos do Oriente Médio. Um estudante universitário, veterano da guerra do Iraque, levava um cartaz que dizia “Fui ao Iraque e regressei para o Egito?”. Outro dizia: “Walker: o Mubarak do Meio-Oeste”.

Do mesmo modo, em Madison circulou a foto de um jovem numa manifestação no Cairo com um cartaz que dizia “Egito apóia os trabalhadores de Wisconsin: o mesmo mundo, a mesma dor”. Enquanto isso, na tentativa de destituir o eterno ditador Muammar Gaddafi, os líbios seguem desafiando a ofensiva violenta do governo, ao mesmo tempo em que mais de 10 mil pessoas marcharam na terça-feira, 22 de fevereiro, em Columbus, Ohio, para oporem-se à tentativa do governador republicano John Kasich de dar um golpe de estado via legislativo contra as organizações sindicais.

Há apenas algumas semanas, a solidariedade entre jovens egípcios e policiais de Wisconsin, ou entre trabalhadores líbios e empregados públicos de Ohio, seria inacreditável.

O levante na Tunísia foi provocado pelo suicídio de um jovem chamado Mohamed Bouazizi, universitário egresso de 26 anos, que não conseguiu encontrar trabalho em sua profissão. Enquanto vendia frutas e verduras no mercado, em diversas oportunidades fora vítima de maltrato por parte das autoridades tunisianas, que em dado momento acabaram lhe confiscando a balança. Completamente desesperado, ateou fogo em si mesmo, faísca que incendiou os protestos que se converteram em uma onda revolucionária no Oriente Médio e Norte da África. Há décadas a população da região vive sob ditaduras – muitas das quais recebem ajuda militar dos Estados Unidos. O povo sofre com violações dos direitos humanos, além de padecerem com baixos salários, altas taxas de desemprego e praticamente nenhuma liberdade de expressão. Tudo isto enquanto as elites acumulam fortunas.

Nos conflitos que vemos hoje em Wisconsin e Ohio existe um plano de fundo semelhante. A “Grande Recessão” de 2008, segundo o economista Dean Baker, começou seu trigésimo sétimo mês sem sinais de melhoria. Em um documento recente, Baker disse que, devido à crise financeira, “muitos políticos argumentam que é necessário reduzir de forma drástica as generosas aposentadorias do setor público, e que é possível não cumprir com as obrigações previdenciárias já assumidas. Boa parte do déficit no sistema previdenciário deve-se à queda da bolsa de valores nos anos 2007-2009”.

Em outras palavras, os mascates de Wall Street que vendiam as complexas ações respaldadas por hipotecas responsáveis por provocar o colapso financeiro são os culpados pelo déficit nas pensões. O jornalista vencedor do prêmio Pulitzer, David Cay Johnston, disse recentemente: “O servidor estatal médio de Wisconsin ganha U$ 24,5 mil ao ano. Não se trata de uma grande aposentadoria; 15% do valor anual são repassados a Wall Street pela administração da soma total. É realmente uma porcentagem demasiada alta para pagar Wall Street por administrar o dinheiro”.

Assim, enquanto a banca de truques retira uma enorme porcentagem dos fundos previdenciários, os trabalhadores são demonizados e lhes pedem que façam sacrifícios. Os que provocaram o problema vigente logo obtiveram resgates generosos, recebem agora altíssimos salários e bonificações e sequer são responsabilizados. Se rastrearmos a origem do dinheiro, chegaremos à conclusão de que a campanha de Walker foi financiada pelos tristemente célebres irmãos Koch, grandes patrocinadores das organizações que formam o movimento conservadortea party. Além disso, doaram um milhão de dólares à Associação de Governadores Republicanos, que outorgou um apoio significativo à campanha de Walker. Seria por acaso surpreendente que Walker apóie às empresas ao lhes outorgar isenções impositivas e que lance uma grande campanha contra os empregados do setor público sindicalizados?

Um dos sindicatos que Walter e Kasich (em Ohio) têm na mira é a Federação Estadunidense de Empregados Estatais, de Condados e Municipais (AFSCME, em sua sigla em inglês). O sindicato foi fundado em 1932, em meio à Grande Depressão, em Madison. Tem 1,6 milhões de filiados, entre os quais enfermeiros, agentes penitenciários, pessoal de creches, técnicos de emergências médicas e trabalhadores da saúde.

Vale recordar, neste mês da História Negra, que a luta dos trabalhadores da saúde do local nº 1733 de AFSCME fez com que Dr. Martin Luther King Jr. fosse a Memphis, Tennessee, em abril de 1968. Como me disse o Reverendo Jesse Jackson quando marchávamos juntos aos estudantes e seus professores sindicalizados em Madison na terça-feira passada: “O último ato do Dr. King sobre a terra, sua viagem a Memphis, Tennessee, se dera pelo direito dos trabalhadores de negociar convênios coletivos de trabalho e o direito ao desconto da cota sindical de seu salário. Não é possível beneficiar os ricos, enquanto se deixa os pobres sem nada”.
Os trabalhadores do Egito, formando uma coalizão extraordinária com os jovens, tiveram um papel decisivo na derrubada do regime desse país. Nas ruas de Madison, diante da cúpula do Capitólio, está se produzindo outra mostra de solidariedade. Os trabalhadores de Wisconsin fizeram concessões em seus salários e aposentadorias, mas não renunciarão ao direito de negociar convênios coletivos de trabalho. Neste momento seria inteligente que Walker negociasse. Não é uma boa época para os tiranos.

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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman

Texto en inglês traducido por Mercedes Camps, editado por Gabriela Díaz Cortez y Democracy Now! en español, spanish@democracynow.org

Texto em espanhol traduzido por Rafael Cavalcanti Barreto, revisado por Bruno Lima Rocha. Publicado originalmente em português e com autorização de Democracy Now! sempre por Estratégia & Análise.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

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