Torcedores do River Plate, que possui uma das barra bravas mais violentas, se revoltaram a ponto de mal deixarem a partida terminar - Foto:blogdoserido.com.br
Torcedores do River Plate, que possui uma das barra bravas mais violentas, se revoltaram a ponto de mal deixarem a partida terminar
Foto:blogdoserido.com.br

Dijair Brilhantes & Anderson Santos

A queda de dois gigantes sul-americanos

O empate que levou o River Plate à segunda divisão do Campeonato Argentino apenas selou o ato final de uma crise que dura quase uma década. Pela primeira vez em sua história de 110 anos, um dos maiores clubes da América do Sul, duas vezes campeão da Taça Libertadores da América (é, evitaremos o nome do banco quando se tratar de história), conhecerá a segundona. A maior torcida argentina se revoltou contra o fato. Uns choraram, mas outros apelaram para a violência num estádio que recebia mais pessoas que a sua capacidade. Uma das maiores barra bravas argentinas não teve como exercer a sua força, que está além das quatro linhas do campo.

A relação das torcidas organizadas argentinas é diferente do que ocorre no Brasil, em que as ações delas geralmente são alvo de “negociações” entre direção e oposição dos clubes.

Lá, as principais são chamadas de barra bravas, que cantam o jogo inteiro, independente do resultado, mas possuem uma teia de relações de poder quase inimaginável, a ponto de as mesmas levaram faixas com um K em forma de apoio aos Kirschner, que presidem o país, Néstor e Cristina Hernandez, há três gestões.

Refém de organizadas

A brava do River, a Los Borrachos Del Tablón, é a maior torcida do clube e uma das mais violentas do país. Fazendo uma busca pela internet, em português se pode encontrar como definição para esta torcida, fundada na década de 1960, que esta é uma das barras mais famosas de todo mundo. Além disso, a fonte de financiamento incluiria “a revenda de bilhetes para os jogos, venda de droga e o funcionamento como grupo de choque para alguns partidos políticos”.

A história dessa hincha é marcada pelo orgulho de ser uma das maiores e mais violentas  barra bravas do mundo, com várias histórias de confrontos, inclusive um no Morumbi, em que acabaram deixando 15 policiais feridos num combate em que o River jogava pela Taça Libertadores de 2005.

Nem os “carapintadas”, movimento de militares na ativa que inclusive se revoltarou contra julgamento de oficiais no governo de Ramon Alfonsín, teria conseguido tirá-los do clube. Ainda assim, as rivais a acusam de terem ligações com a Secretaria de Inteligência do Estado (SIDE) e com a polícia, mesmo tendo seus líderes presos por várias vezes.

Eles sempre vão às Copas do Mundo. Curiosamente, em 2006, os chefes de um grupo com 42 torcedores teriam ficado em Munique na casa do ex-jogador do River Martin Demichelis. Eles não puderam ir à partida das oitavas de final, em que a seleção argentina enfrentou o México por terem sido identificados vendendo ingressos falsos e ocupando lugares que não lhes correspondiam.

O poder econômico e a estreita relação com plantel e dirigentes deu o monopólio da força

A Barra Brava está dividida. A disputa para revender os ingressos cedidos pelos cartolas fez com que brigassem entre si nos jogos, deixando o clube em segundo plano. A guerra pela liderança da torcida, que seria disputada pelos grupos dos irmãos Schlenker e de Adrien Rosseau, ambos oriundos da classe média argentina, seria a responsável pelo assassínio em agosto de 2007 de um elemento da própria barra brava e braço direito do líder de um dos grupos.

A torcida teria uma entrada fixa entre 60 e 80 mil pesos com seus sócios, além de revenda de ingressos para partidas e espetáculos musicais que ocorram no Monumental e o controle de estacionamentos. Extraoficialmente se diz que também cobrariam uma porcentagem na venda de jogadores, caso, por exemplo, do atacante Higuaín, atualmente no Real Madrid. O que daria um total de 300 mil pesos mensais somado ao benefício de terem hoteis e até viagens ao exterior pagas.

Foram duas as tentativas de legalização da torcida. A primeira teria ocorrido em 2001, onde uma “segunda linha” se constitui como sociedade sem fins lucrativos e estabeleceu rifas, doações e visitas dos jogadores do River a hospitais. Em março, a polícia deteve 45 torcedores dessa linha em viagem para um jogo contra o Talleres, com armas de grosso calibre, armas brancas, cocaína e ingressos falsos.

Em setembro de 2005, os que hoje disputam a liderança formaram uma sociedade para explorar o merchandising da barra, batizando a empresa de “Del Tablon SRL”, com um capital inicial de 11 mil pesos. Os produtos eram vendidos inclusive na sede do clube argentino, mas tiveram proibida a utilização da marca da empresa por questões de direitos autorais.

O River Plate tem a maior torcida da Argentina, com cerca de 14 milhões de torcedores e o segundo maior quadro social da América do Sul, cerca 70.000 sócios, perdendo apenas para o Internacional. Os homens do futebol sabiam que o risco existia, mas preferiram acreditar no clube que sempre orgulhou-se de se proclamar “el más grande” .

O início da decadência

Um dos maiores responsáveis pela decadência do futebol dos Millonarios é José Maria Aguilar, presidente do clube de 2001 a 2009. Foi em sua gestão que o River começou a acumular dívidas e montar elencos modestos.

No final de 2009, o ex-jogador e ídolo do clube nas décadas de 70 e 80, Daniel Passarella foi eleito presidente do clube (o mesmo que no início da “parceria” Corinthians-MSI foi contratado a peso de ouro como técnico, numa “argentinização” corintiana que contou com Tevez, Sebá Domingues e Mascherano, e saiu com poucos dias de trabalho).

O sucesso ficou dentro de campo, os torcedores acreditaram muito no então presidente, mas sem um bom planejamento Passarella naufragou junto com a equipe. Os constantes desentendimentos com empresários fez com que jogadores como Villablae e Bordagary quase não jogassem. O rebaixamento parecia questão de tempo, tanto Aguilar quanto Passarella equivocaram-se na contratação de jogadores e treinadores, atletas importantes foram vendidos e não foram substituídos.

No ano de 2008, o fantasma da segunda divisão começou a rondar o multicampeão. O último lugar no torneio Apertura só não rebaixou o River devido ao sistema de pontuação da AFA, que leva em conta a média de pontos dos últimos três anos.

Curiosamente esse sistema foi criado em 1983 para salvar o próprio River, que teve uma péssima campanha naquela temporada. A solução seria uma “garantia” de que nenhum grande argentino caísse (Esse sistema de média de pontos teve rápida presença no Brasil no final da década de 1990 e que salvou o Corinthians de um rebaixamento em 1997).

Na temporada seguinte, mais campanhas ruins, 8º lugar do Clausura e 14º no Apertura. Se parecia pouco, os cartolas dos Millonarios pareciam acreditar na mística da camisa. Além disso, o clube passava anos fora de torneios sulamericanos, por mais benesses que ele e o Boca Juniors tivessem na Argentina.

A 13º colocação no primeiro semestre de 2010 foi crucial para a queda em 2011, já que nem mesmo a 4º colocação do Apertura 2010 foi suficiente para salvar o clube do decesso. No Clausura 2011, o River ficou na 9° colocação o que lhe renderia um vaga na Copa Nissan Sul Americana.

Mesmo com muitas opções veio o rebaixamento

O mesmo sistema de pontos que salvou o clube nos anos anteriores, levou o maior vencedor do campeonato argentino a disputar a permanência  na elite através da repescagem. No Promoción, o River Plate teria sua última chance, num mata-mata contra o Belgrano.

O time perdeu por 2 a 0 o primeiro jogo e só conseguiu empatar por 1 a 1 o segundo, jogando num Estádio Monumental de Nuñes mais que lotado – já que havia, pelo menos, oito mil pessoas a mais que a capacidade máxima –, com um pênalti desperdiçado.

O resultado não só decretou o rebaixamento do vencedor de mais campeonatos argentinos, como acendeu a ira dos torcedores, que mal deixaram a partida acabar, como mostram as imagens que se espalharam mundo a fora a partir daquele momento. Nem famílias deixaram de ser alvo do arremesso de objetos pelos torcedores.

Alguns grandes clubes do Brasil, capitaneados por Palmeiras e Botafogo em 2002, foram rebaixados e voltaram mais organizados e com torcidas mais apaixonadas do que nunca. Os exemplos por aqui (pois é, o Brasil tem algum exemplo bom) podem ajudar o River a se reeguer.

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