Os japoneses usam o termo “hibakusha”, que significa “pessoa afetada por explosão”, para se referirem às vítimas das bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Passados 67 anos do ataque estadunidense, o Japão ainda sofre com a ameaça nuclear. - Foto:Connection World
Os japoneses usam o termo “hibakusha”, que significa “pessoa afetada por explosão”, para se referirem às vítimas das bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Passados 67 anos do ataque estadunidense, o Japão ainda sofre com a ameaça nuclear.
Foto:Connection World

Amy Goodman

Os níveis de radiação nos reatores nucleares de Fukushima, no Japão, aumentaram nas últimas semanas, alcançando patamares de até 10.000 milisieverts (mSv) por hora no mesmo lugar. Este foi o nível máximo informado pela Companhia Elétrica de Tóquio, a TECO, desprestigiada empresa proprietária da central nuclear, embora caiba dizer que esse número é o máximo que o Contador Geisel possa medir. Em outras palavras, os níveis de radiação literalmente ultrapassam todas as medições. A exposição a 10.000 milisieverts durante um curto período de tempo tem conseqüências fatais: provoca a morte em apenas semanas (a título de comparação, a radiação total de uma radiografia dental é de 0,005 mSV e a de uma tomografia computadorizada do cérebro é de 5). O jornal The New York Times informou que, após o desastre, funcionários do governo japonês ocultaram os prognósticos oficiais sobre para onde se dirigia a chuva radioativa devido ao vento e ao clima para evitar o caro deslocamento de centenas de milhares de habitantes.

“O segredo, uma vez aceito, converte-se em vício”. Essas palavras bem que podiam descrever a manobra realizada pelo governo japonês diante da catástrofe nuclear. A fala pertence ao cientista atômico Edward Teller, um dos principais responsáveis pela criação das duas primeiras bombas atômicas. A bomba de urânio conhecida por “Little Boy” foi lançada no dia 06 de agosto de 1945 sobre a cidade de Hiroshima, Japão.

Três dias mais tarde foi lançada a segunda bomba, desta vez de plutônio e denominada “Fat Man”, sobre a cidade de Nagasaki. Cerca de 250 mil pessoas morreram por causa das explosões e dos efeitos imediatos. Ninguém sabe exatamente a quantidade de pessoas que morreram ou padeceram de enfermidades nos anos seguintes em virtude das explosões, que vão desde as dolorosas queimaduras, que sofreram milhares de sobreviventes, até os efeitos tardios como doenças provocadas pela radiação e câncer.

A história dos bombardeios em Hiroshima e Nagasaki é em si mesma a história da censura e da propaganda militar estadunidense. Além das filmagens que foram ocultadas, as forças armadas impediram o acesso de jornalistas às zonas de explosões. Quando o jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer George Weller conseguiu chegar a Nagasaki, seu artigo foi pessoalmente censurado pelo General Douglas MacArthur. O jornalista australiano Wildred Burchett conseguiu entrar em Hiroshima pouco depois das explosões e dali mesmo escreveu sua famosa “advertência ao mundo”, na qual descreveu a propagação massiva das enfermidades como uma “praga atômica”. Mas as forças armadas estadunidenses disseminaram sua própria praga. Acontece que William Laurence, jornalista do New York Times, também era empregado do Departamento de Guerra. Laurence informou precisamente a posição do governo estadunidense, insistindo que os “japoneses descreviam ‘sintomas’ que não pareciam verdadeiros”. Lamentavelmente, ganhou o Prêmio Pulitzer por sua propaganda.

Greg Mitchell escreveu sobre a história e as seqüelas de Hiroshima e Nagasaki durante décadas. Neste novo aniversário do bombardeio à Nagasaki, perguntei-o sobre seu mais recente livro “Dissimulação atômica: Dois soldados estadunidenses, Hiroshima e Nagasaki, e o melhor filme jamais rodado”.

“Parece que tudo que é tocado pelas armas nucleares ou pela energia nuclear provoca ocultação e perigo para o público”. Mitchell disse que durante anos buscou imagens filmadas pelas forças armadas estadunidenses nos meses posteriores ao lançamento das bombas; rastreou os envelhecidos produtores cinematográficos e, apesar de décadas de classificação de documentos por parte do governo, foi um dos jornalistas que publicizou os incríveis arquivos cinematográficos em cor. Como parte do Relatório sobre Bombardeios Estratégicos dos Estados Unidos, as equipes de filmagem documentaram não só a devastação das cidades, como também realizaram um documentação clínica com tomadas das graves queimaduras e as feridas degenerativas sofridas por civis, entre eles crianças.

Em uma cena, vê-se um homem jovem com feridas em carne viva por todas as suas costas, enquanto recebe tratamento. Apesar das graves queimaduras e de ter sido realmente tratado apenas meses mais tarde, o homem sobreviveu.

Sumiteru Taniguchi, que agora tem 82 anos de idade, é diretor do Conselho de Pessoas Afetadas pela Bomba Atômica de Nagasaki. Mitchell reproduziu comentários recentes de Taniguchi em um jornal japonês que relacionam à bomba atômica ao atual desastre de Fukushima:

O senhor de idade foi citado dizendo: “A energia nuclear e o ser humano não podem coexistir. Nós, os sobreviventes da bomba atômica, sempre o dissemos. E, no entanto, o uso da energia nuclear foi disfarçado de ‘pacífico’ e continuou avançando. Nunca se sabe quando haverá um desastre natural. Não é possível dizer que nunca haverá um acidente nuclear”.

Neste doloroso encontro de novos e velhos desastres, deveríamos escutar as vítimas sobreviventes de ambas as catástrofes.

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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman

Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol.

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisado por Bruno Lima Rocha.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

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