Crises vividas por Inter na década de 1990 e por Grêmio nos anos 2000 nem se comparam com o que ocorre com o futebol do interior gaúcho, que padece - Foto:brunortiz.blogspot.com
Crises vividas por Inter na década de 1990 e por Grêmio nos anos 2000 nem se comparam com o que ocorre com o futebol do interior gaúcho, que padece
Foto:brunortiz.blogspot.com

28 de novembro de 2011, de São Leopoldo, Anderson Santos (editor), Dijair Brilhantes e Bruno Lima Rocha

Para quem olha para o futebol gaúcho como uma possibilidade de fuga do domínio – reflexo socioeconômico – do eixo Rio-São Paulo, a tendência é tomar um susto com o regresso apresentado nos últimos anos.

A ilusão seria seguir falando dos vários títulos do Internacional, justificando o seu nome a partir da última década, ou da “imortalidade” do Grêmio, provada nos rincões da Série B e da final da Libertadores logo a seguir. É algo que de tão visível acaba escondendo problemas maiores no futebol local.

O Rio Grande do Sul que já teve o título da Copa do Brasil de 1998 com o Juventude, em pleno Maracanã, contra o Botafogo e que viu em 1986 o Brasil de Pelotas eliminar o Flamengo de Zico e cia. nas quartas de final do Brasileiro, vê o interior do estado em amplo processo de decadência.

Para se ter um parâmetro, enquanto o futebol alagoano terá dois times na Série B, o Rio Grande do Sul não terá nenhum. Vale lembrar que a economia alagoana é bem pior que a do interior gaúcho, não tendo, por exemplo, um banco estatal para patrocinar os clubes.

O Brasil de Pelotas foi rebaixado da Série C porque um lateral não cumpriu uma punição acumulada do ano passado. Ainda assim, só escaparia nos critérios de desempate contra o paulista Santo André e o também gaúcho Caxias, que foi o último campeão gaúcho (e isso em 2000) fora a dupla Gre-Nal,  quando apareceu o atual técnico corintiano Tite.

O time da Serra Gaúcha será o único representante do estado na Terceira Divisão (!). O Pará contará com o outrora forte Paysandu e o Águia de Marabá.

O citado Juventude, também de Caxias do Sul, foi eliminado nas oitavas de final da Quarta Divisão e só garantiu vaga para o ano que vem porque venceu a Copa Laci Ughini, a “Copinha” do segundo semestre promovida pela Federação Gaúcha.

O Cruzeiro de Porto Alegre, terceiro colocado do Gauchão 2011, não passou da primeira fase da Série D. O outro representante do Estado só será definido no estadual do ano que vem. A coisa tá feia.

Os estaduais resistiram, mas com perda da força dos pequenos

O Brasil é o único país do mundo onde existem os campeonatos estaduais de futebol profissional. Alguns comentaristas fazem longas teses para pedir o fim destes torneios, que deveriam ser apenas para clubes pequenos (gostaríamos de descobrir o que estes comentaristas entendem por pequenos).

Há quem defenda que o Campeonato Gaúcho evoluiu, que hoje é um campeonato moderno. Mas os anos acabam mostrando que nada mudou, quer dizer, só piorou. A dupla Gre-Nal continua soberana. Onze anos sem surpresas, com Grêmio e Internacional alternando os títulos estaduais, com um time de médio ou pequeno porte aparecendo em alguma final de turno, como foi o caso do Caxias, no primeiro deste ano.

Times do interior gaúcho vivem sob condições precárias. Ao contrário dos grandes porto-alegrenses, a dificuldade de manter um clube em atividade por doze meses no ano é o maior desafio encontrado pelos dirigentes. A subida ou descida de divisão depende do maior apoio de um grupo político e/ou empresarial. Este drama é comum a todo futebol profissional do interior brasileiro.

15 de Campo Bom mostrou Mano Menezes ao mundo

Alguém lembra do 15 de Novembro, de Campo Bom (Vale dos Sinos), que em 2004 chegou às semifinais da Copa do Brasil, deixando no caminho o Vasco, com vitória por 3 a 0 em pleno São Januário?

O time havia se qualificado para participar da sua segunda edição do torneio por ter sido vice-campeão do Gauchão em 2003 – e também no ano anterior, ambos após derrotas para o Internacional.

Aquele time de 2004 fora treinado por Mano Menezes, que após passagens ruins por clubes do interior gaúcho e paranaense pode mostrar o seu trabalho e alçar voos maiores, que o levaram hoje a treinar a Seleção brasileira de futebol – ou o que o Ricardo Teixeira quer que isso seja.

Nos seus rápidos tempos áureos, o 15 voltaria a ser vice-campeão gaúcho em 2005 e a aparecer no cenário nacional após tirar o conterrâneo Grêmio na segunda fase da Copa do Brasil, sendo eliminado em seguida para o Volta Redonda.

A pedra no meio do caminho foi a crise do setor coureiro-calçadista – que migrou para o Nordeste em busca de maiores isenções fiscais. O clube hoje está licenciado da Federação Gaúcha por falta de condições de se manter.

Cotas de transmissão

Apesar do já citado apoio do Banrisul, a diferença paga para Grêmio e Internacional em relação aos demais ainda é grande em vários níveis, não só no caso da publicidade para quem “tem tudo”, como diz o slogan da instituição financeira.

No caso estadual, a Federação Gaúcha paga cotas maiores à dupla Gre-Nal, daí a disparidade dentro de campo, seguindo um modelo espanhol – algo já comentado em outras colunas – em que o torneio fica restrito a quem tem maior aporte financeiro na competição.

Fica a dúvida (?): os clubes não arranjam mais patrocinadores porque não ganham torneios ou não ganham torneios porque não têm jogos transmitidos pela TV, o que prejudica a quantidade de possíveis apoios financeiros às campanhas?

Para resgatar a importância da TV também para os clubes do interior se manterem, trazemos o caso do Brasil de Pelotas de 2009. O ônibus com a delegação do time sofreu um grave acidente quando voltava de um amistoso, com a morte de três pessoas, dentre elas o ídolo xavante Cláudio Milar.

Na época, o clube não tinha as mínimas condições para ter jogadores em campo, tanto por motivos físicos, quanto psicológicos e financeiros, já que faltava uma semana para o início do torneio.

Após muita discussão, o problema principal era que os clubes já haviam recebido as cotas de transmissão da Rede Brasil Sul (RBS), com determinação de jogos a serem transmitidos e tudo o mais. Não se poderia atrasar o campeonato.

Esta informação não vem de fontes ocultas, mas de dois funcionários do Grupo, ao menos naquele período, o repórter fotográfico Nauro Júnior e o jornalista Eduardo Cecconi, autores do livro A noite que não acabou (Livraria Mundial, 2009). Eis um dos trechos:

“A urgência pelo respeito ao contrato que proporciona aproximadamente trezentos e cinquenta mil reais para cada clube pela cessão dos direitos de televisionamento afligia de tal maneira Novelletto [presidente da FGF], que reiterava a iminência de ter o fígado devorado se a tabela não fosse religiosamente cumprida” (p. 193).

É óbvio que não se coloca aqui a culpa de um acidente automobilístico nos Sirotsky, mas é inegável que ter de fazer um jogo a cada dois dias do primeiro turno daquele ano em muito contribuiu para que o time fosse rebaixado. E, pior do que isso, para que o clube de maior torcida no interior do RS entrasse numa rota de decadência.

Congresso vira farra

Enquanto os seus clubes vão sendo tornados pequenos, a Federação local viaja a América do Sul para realizar congressos técnicos.

Em anos anteriores, a FGF os realizou em Montevidéu e Buenos Aires. Desta vez o Chile foi o destino, mais precisamente o luxuoso Regal Pacific, próximo dos centros comerciais.

A visita à ANPF (Associação Nacional de Futebol Profissional do Chile) parece que não estava no roteiro, ou não deu tempo. Os cartolas passaram longe. Já Viña Del Mar e Valparaíso, pontos turísticos litorâneos, foram locais propícios para se debater sobre futebol?

Cerca de 60 pessoas, entre dirigentes e suas esposas (afinal elas também vivem de futebol), ganharam um natal antecipado do senhor Francisco Noveletto.

O presidente da Federação Gaúcha argumenta que o dinheiro gasto não é da federação. Quem teria bancado a “festa”, segundo ele, são os patrocinadores (não se trata da rede de lojas do presidente). Enquanto eles desperdiçam o dinheiro em farras, seus clubes vivem com a corda amarrada no pescoço.

Parece piada

Mas não é só congresso técnico que sai do seu local de origem. Único grande atrativo de torcedores – ao menos no que aparenta ser a visão dos dirigentes, já que Ca-Ju também é clássico – o clássico Gre-Nal na fase classificatória percorre outras cidades e até outros países.

Nos últimos campeonatos gaúchos, tivemos clássico em Erechim, interior gaúcho, e Rivera (Uruguai), com um grande contingente de gremistas e colorados que residem naquela região. Os clubes receberam um bom dinheiro e os estádios tiveram bom público, apesar do superfaturamento dos ingressos.

Há um suposto convite para jogar um clássico em Boston ou Miami (EUA). Parece mais uma piada de mau gosto. Que os dois grandes clubes vão ganhar dinheiro disso não duvidamos, mas e o torcedor? Como vai se deslocar até os Estados Unidos no único clássico garantido pela “moderna” tabela?

Enquanto isso, os clubes do interior caem num ostracismo que é altamente prejudicial ao futebol local. Se no Rio de Janeiro só sobraram os quatro grandes, o Rio Grande do Sul só possui dois, o que diminui o potencial de barganha e de enfrentamento inclusive em áreas como a definição dos direitos de transmissão e da publicidade.

Torcedor apaixonado existe em qualquer lugar e deveria ser o foco de um clube, mas ninguém pensa nele mesmo. Esta figura só é lembrada pelos homens da cartola quando o nó da gravata aperta e os clubes estão no sufoco, beirando o rebaixamento ou no “fundo de um poço sem fundo”, como é o caso dos outrora famosos times do interior gaúcho.

É hora da Adaga!

Esta coluna editorialmente entende que é chegada a hora de se valer das melhores tradições rio-grandenses e partir para a peleia direta contra a cartolagem e todas as forças sinistras que fazem da capital uma sanguessuga das mais de 24 microrregiões do estado. Se o futebol é parcela importante da identidade de um povo, é hora de defendê-la a ferro e fogo.

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