16 de dezembro, de Durban, Amy Goodman e Denis Moynihan
“Somos a maioria silenciada. Deram-nos um lugar neste auditório, mas nossos interesses não estão representados aqui. O que precisamos fazer para poder participar deste jogo? Ser lobista, uma empresa com influência ou ter dinheiro? Estão negociando desde que nasci”, discursou Anjali Appadurai na plenária da 17ª Conferência das Partes da ONU, a COP 17, nome oficial da Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas em Durban, África do Sul. Appadurai é uma estudante do instituto College of the Atlantic de Bar Harbor, Maine, nos Estados Unidos, especializado em ecologia, que se dirigiu aos participantes do evento em nome da delegação de jovens. Completou: “Durante todo esse tempo, não cumpriram com as responsabilidades assumidas, não deram conta das metas e romperam com suas promessas. Mas já escutaram isso antes. Estamos na África, onde vivem as comunidades mais ameaçadas pelas mudanças climáticas. Os países mais pobres do mundo necessitam de fundos para adaptação agora”.
Quando acabou o discurso, a estudante se pôs ao lado do púlpito e com o microfone desligado gritou para a enorme sala repleta de diplomatas sérios: “Testando o microfone!”, como se fazia nos protestos do movimento Occupy. Então uma multidão de jovens se levantou e começou a repetir com Appadurai: “Igualdade já”, “Não há desculpa”, “Corremos contra o tempo” e “Façam-no já”.
Isso aconteceu na sexta-feira passada durante a sessão de encerramento da COP 17. As negociações se prolongaram quase sem pausa até o domingo, com a esperança de se evitar um fracasso total. Debateu-se muito sobre a redação e a melhor construção de frases – por exemplo, a substituição da expressão “acordo legal” por “um resultado acordado com força legal”, que parece ter sido o preferido na Plataforma de Durban apesar das objeções da Índia.
Os países participantes determinaram um calendário que supostamente conduzirá a um acordo em 2015, este responsável por comprometer todas as nações a reduzir suas emissões atuais a partir de 2020, ou seja, daqui a oitos anos.
O ambientalista nigeriano Nnimmo Bassey, Presidente dos Amigos da Terra Internacional, disse-me: “Um prazo de oito anos é uma sentença de morte para a África”. E desabafou: “Toda essa negociação se dá sobre um grande palco de hipocrisia, falta de seriedade e desconsideração ao fato de que nosso continente está sendo gravemente afetado. A cada aumento na temperatura, a África recebe um impacto maior. Bassey descreve a gravidade das ameaças iminentes ao território africano em seu livro intitulado “To Cook a Continent” (Cozinhar um continente).
Bassey é um das muitas pessoas que se preocupam com a completa falta de ambição da Plataforma de Durban. O acordo posterga para 2020 a redução real e legalmente vinculante das emissões, mesmo que cientistas de todo o mundo consensuem que a meta fixada de limitar o aumento da temperatura média do planeta em dois graus Celsius já seja impossível de se conseguir. Em seu periódico Perspectiva Mundial da Energia, publicado em novembro, a Agência Internacional de Energia prevê que “a acumulação de emissões de CO2 (dióxido de carbono) nos próximos 25 anos representará 75% do total acumulado nos últimos 110 anos, o que vai provocar um aumento a longo prazo de 3,5 graus Celsius na temperatura média”.
Apesar das declarações otimistas que os contradizem, muitos pensam que o Protocolo de Kyoto morreu em Durban. Pablo Solón, ex-embaixador da Bolívia nas Nações Unidas e ex-principal negociador do clima do país sul-americano, afirmou: “Decidiram não fazer reduções drásticas agora. Vamos ser testemunhas de um grave aumento de temperatura nos próximos anos e esta década será lembrada como a década perdida”. No dia seguinte após a conclusão das negociações, o Ministro do Meio Ambiente do Canadá, Peter Kent, anunciou que seu país se retirava formalmente do Protocolo de Kyoto. Espera-se que Rússia e Japão (país anfitrião das negociações em 1997 e que deu o nome de sua cidade ao acordo) façam o mesmo.
O maior poluidor de todos os tempos, os Estados Unidos, nunca ratificou o Protocolo de Kyoto e ainda se nega a fazê-lo. Tanto Bassey quanto Solón se referem ao resultado de Durban como um tipo de “apartheid climático”.
Mesmo com a promessa do Presidente Barack Obama de recolocar os Estados Unidos numa posição de liderança frente às discussões sobre as mudanças climáticas, a trajetória percorrida desde Copenhagen em 2009 até Durban neste ano, passando por Cancún em 2010, reforça a declaração realizada em 1992 pelo então Presidente George H. W. Bush diante da Cúpula da Terra do Rio (ECO-92), a antecessora da cimeira em que se estabeleceu o Protocolo de Kyoto. Naquele momento, o Presidente Bush afirmara: “O estilo de vida dos estadunidenses é inegociável”.
O “estilo de vida estadunidense” pode se medir nas emissões de carbono per capita. Nos Estados Unidos, em média, são liberadas por ano para a atmosfera cerca de 20 toneladas métricas de dióxido de carbono por pessoa, o que o torna um dos dez principais emissores de carbono do mundo. Foi daí que surgiu um trocadilho bem comentado em Durban: “Detenham o CO2lonialismo”, em referência à sigla pela qual se conhece o dióxido de carbono, CO2.
Para se ter uma ideia, a China, que é atualmente a maior emissora em termos absolutos, tem emissões per capita de cerca de cinco toneladas métricas, o que a coloca na posição 80 do ranking. A população da Índia emite apenas 1,5 toneladas por pessoa, uma fração do nível em que os Estados Unidos se encontram.
Assim parece que a intransigência dos Estados Unidos e sua falta de vontade de abandonar o vício pelos combustíveis fósseis são os responsáveis por matar o Protocolo de Kyoto em Durban, uma cidade-chave na luta da África do Sul contra o apartheid. É pelo reconhecimento desta luta que as palavras de encerramento da estudante Appadurai estiveram imbuídas de um sentimento de esperança que depositamos nesta nova geração de ativistas do clima:
“[Nelson] Mandela uma vez falou: ‘Sempre parece impossível até que se consiga’. Então, distintos delegados e governos de todo o mundo, governos do mundo desenvolvido: redução drástica das emissão já! Façam-no!”.
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Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol,
Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol é traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado por Bruno Lima Rocha.
Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul