Católicos tentam impedir que planos de saúde ofereçam métodos anticoncepcionais à população dos Estados Unidos. Setores conservadores da igreja ainda confundem promiscuidade com questões de saúde pública. - Foto:despertadagraça.blogspot
Católicos tentam impedir que planos de saúde ofereçam métodos anticoncepcionais à população dos Estados Unidos. Setores conservadores da igreja ainda confundem promiscuidade com questões de saúde pública.
Foto:despertadagraça.blogspot

13 de fevereiro de 2012, de Nova York, Amy Goodman, com tradução de Rafael Cavalcanti

A cúpula da Igreja Católica dos Estados Unidos deu início a uma espécie de guerra santa contra o presidente Barack Obama. O arcebispo Timothy Dolan convocou os membros da Igreja a cobrarem “de seus líderes eleitos a volta da liberdade religiosa e dos direitos de consciência e a revogação da normativa sobre a contracepção”. Obama sofre pressão para anular a regulamentação que exige das universidades e hospitais católicos, tal como de todos os empregadores, a distribuição de anticonceptivos para mulheres que tenham cobertura médica através de seus planos de saúde.

Após receber diversas críticas, a Fundação Susan G. Komen Race for the Cure (uma organização dedicada à prevenção do câncer de mama que conta com dois bilhões de dólares de fundos anuais) voltou atrás na sua decisão de acabar com o financiamento da Planned Parenthood, uma organização de planejamento familiar. O governo de Obama dever fazer o mesmo e escutar a maioria dos estadunidenses. Os Estados Unidos, inclusive os católicos, apóiam fortemente os direitos reprodutivos.

Na semana passada, o pré-candidato republicano Rick Santorum chamou a atenção da mídia com sua vitória em três estados. Exatamente uma semana antes das eleições primárias, a agência de notícias Associated Press informou que a Fundação Komen havia adotado políticas que dificultavam o financiamento de clínicas vinculadas ao programa Planned Parenthood para realizar estudos sobre o câncer de mama, principalmente junto a mulheres sem plano de saúde.

Uma das principais responsáveis pela decisão foi a espalhafatosa vice-presidente da Komen, Karen Handel. Na campanha para o governo da Georgia em 2010, Handel incluiu em sua plataforma política a retirada do financiamento da entidade favorável a anticoncepção. As reações amplas e implacáveis logo surgiram. Em 03 de fevereiro, a organização reconheceu o erro. Quatro dias depois, Handel entregou seu cargo.

Recentemente, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos publicou uma regulamentação que exige dos planos de seguro de saúde o oferecimento de métodos anticoncepcionais. Essa decisão avivou ainda mais a polêmica. Para completar, no dia das eleições primárias, a Corte Federal de Apelações da Nona Região revogou a problemática Proposição 8, que proibia os matrimônios de pessoas do mesmo sexo no estado da Califórnia.

Na primeira batalha contra Mitt Romney pelas prévias republicanas, Santorum “conseguiu três strikes”. Como católico conservador e pai de sete filhos, o republicano lidera há tempos uma guerra cultural com foco no matrimônio, aborto e sexo. Chegou, inclusive, a comparar em uma ocasião a homossexualidade com a bestialidade.
Segundo o independente Guttmacher Institute, que estuda assuntos relacionados a saúde reprodutiva em nível mundial, “de todas as mulheres que mantiveram relações sexuais nos Estados Unidos, cerca de 99% utilizaram um método anticoncepcional alternativo ao invés do planejamento familiar natural. Essa cifra permanece praticamente invariável no caso das mulheres católicas (98%)”. De acordo com uma enquete realizada pelo Instituto Público de Pesquisa Religiosa, aproximadamente 58% dos católicos consideram que os empregadores deveriam oferecer planos de assistência de saúde a seus empregados que incluam a cobertura de métodos anticoncepcionais.

Os ativistas católicos que reconhecem o amplo uso de anticoncepcionais entre os fiéis, apesar da proibição oficial, sugerem que as mulheres possam ter acesso aos cuidados preventivos “em qualquer outro lugar”. E se não puder pagá-los? Loretta Ross, coordenadora nacional do SisterSong, coletivo pela Justiça Reprodutiva das Mulheres de Cor, disse-me: “A norma realmente beneficia mulheres de baixa renda, dependentes de assistência médica, no controle de natalidade. As mulheres negras, em particular. É preciso destacar que liberdade religiosa também implica em liberdade por parte da religião. Se não quiser usar métodos anticoncepcionais, ninguém deve ser obrigado a comprá-los nem usá-los. Mas não impeçam que outras mulheres, caso assim desejem e não possam pagá-los, tenham acesso a eles.

Uma solução possível para o debate vem de um lugar inesperado. Michael Brendan Dougherty, comentarista católico, estava na igreja há duas semanas quando ouviu o padre ler a carta do Arcebispo Dolan, que incentiva os católicos a se oporem ao presidente. Dougherty, que também é contra a regulamentação da anticoncepção, disse-me que um sistema de saúde de pagamento único daria conta do problema: “Resolveria principalmente o problema da consciência, como aconteceu na Europa. Os arcebispos repudiam o subsídio do governo ao aborto ou à anticoncepção. Mas estão furiosos com a indiferença de Obama, que não pede a eles para cooperem formalmente com coisas que consideram pecaminosas”.

Ross concorda com a implantação de um sistema de saúde de pagamento único, porém lança uma advertência aos católicos radicais: “Não se metam em nossos dormitórios. Caiam fora desse debate que tenta simplesmente esconder uma guerra contra as mulheres. Primeiro com toda essa retórica sobre a liberdade religiosa e o cuidado com o embrião. Agora com o pensamento de que a anticoncepção também é uma violência contra a criança antes mesmo dela ser concebida. Não vamos ficar de braços cruzados. E como mostrou a luta contra a Fundação Komen, somos uma força a se considerar. Vamos trabalhar para fortalecer a postura do presidente Obama de apoiar o acesso aos métodos anticoncepcionais”.

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O texto original contou com a colaboração jornalística de Denis Moynihan. Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol realizam a tradução para o espanhol.

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol é traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado por Bruno Lima Rocha.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

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