A ação de domínio implica uma forma relacional, onde coexiste a manipulação, a criação de um sentido lógico e a tutela que impede a autonomia decisória dos sujeitos.  - Foto:miracula
A ação de domínio implica uma forma relacional, onde coexiste a manipulação, a criação de um sentido lógico e a tutela que impede a autonomia decisória dos sujeitos.
Foto:miracula

24 de junho de 2009, do Rio Grande outrora altaneiro, Bruno Lima Rocha

Com este texto, inicio uma série de três artigos breves abordando uma questão urgente para o pensamento crítico latino-americano e mundial. Trata-se do debate a respeito das formas de controle social e sua aplicabilidade. As palavras que seguem se ancoram politicamente na tradição libertária e cientificamente na escola histórico-estrutural.

As relações sociais são o mais importante

Se há uma característica que pode ser criticada na ciência política hegemônica na América Latina (neoinstitucionalista, e conforme já disse antes, braço político do neoliberalismo) é o fato de que esta corrente abandonou a dimensão social da democracia. Ao mesmo tempo, entendemos que a dimensão social não substitui e nem condiciona necessariamente um regime político ou uma modelagem de partilha de poder. Ainda assim, na ausência da sociedade, qualquer análise se torna excessivamente normativa, impossibilitando inclusive a adaptação realista de um modelo poliárquico ou democrático.

Este artigo e o conjunto daquilo que esforçadamente produzo e me filio, se localiza dentro do campo normativo da radicalização democrática e da defesa dos interesses coletivos. Justo por isso que compreendo a existências de conflitos – latentes e declarados – nas sociedades de classes latino-americanas. E, por entender que a categoria exploração não é absoluta e nem pode ser universal como variável explicativa, vejo como urgente uma categoria de análise que englobe a exploração e abarque outras formas de domínio dentro da estrutura de classes. Por isso apontamos a categoria de dominação.

Ao apontar este conceito de dominação como ferramenta de análise para as maiorias da América Latina, aponta-se o papel da exploração, do imperialismo e a coordenação entre os campos de saber e atuação. Estes fatores permitem e proporcionam a dominação ser predominante em relação à resistência (dos dominados) e a mudança do modo de produção, por aqueles que têm sua força de trabalho explorada.

A dominação começa sendo definida a partir da idéia de legitimidade. Entendemos que deve haver vontade de obediência, uma norma que permita aos dominados obedecer e aos dominantes exercer sua autoridade partindo de algo legítimo. Por vezes esta legitimidade não tem base jurídica formal, mas é uma norma social prévia mesma do direito.

A dominação tampouco se dá necessariamente através do convencimento, mas pode ser também através da coerção, ou da combinação das mesmas. A "naturalização" da existência entre dominantes e dominados, concederia legitimidade para esta situação de fato. Se a prática ao longo do tempo se torna ideologia e ganha legitimidade, 500 anos é um período largo o bastante para "naturalizar" as formas de dominação na América Latina.

A dominação se realiza sob forma de relação, sempre bilateral, onde há um mínimo de vontade (costume, hábito incorporado, naturalizado) entre as partes e os setores. Numa relação normativa, constituindo uma probabilidade composta pelas mútuas expectativas de: mandar e obedecer; explorar e ser explorado; dominar e ser dominado; excluir e se enxergar à margem; reprimir e sentir o peso da repressão; deter a hegemonia e enfrentar as formas de resistência.

Todas estas variáveis (e muitas outras) se materializam e conformam em conteúdos possíveis de fazer parte dos mandatos de dominação. É como se mesmo a mais cruel e sádica forma de dominar o homem sobre o homem tenha limites de eficácia, dentro das expectativas causadas pelas normas (impostas ou subliminares) desta mesma dominação.

A legitimidade é o requisito imprescindível para gerar o consenso necessário, tanto para dar a continuidade como para institucionalizar as formas várias de dominação. O consentimento que gera o consenso, como nos explica Noam Chomsky, é aquele que desenvolve, o consentimento sobre uma base de idéias permitidas pelos opressores. Esta é a base necessária para a estabilidade das normas de dominação.

E como romper com essa normativa de dominação? A quebra dos mecanismos de consenso possibilitaria a resistência e a ruptura dos dominados, sejam estes, mecanismos de idéias, pura força bruta, contrato social da desigualdade, ou a mais comum, a combinação complexa entre ambas as formas de dominação. O consenso dominante é a base da autoridade opressora, o fundamento que se faz notar em distintos níveis, a todos os setores de uma sociedade cuja força criadora e produtiva é dominada por uma minoria hegemônica.

Três formas iniciais de dominação

O sociólogo uruguaio Alfredo Errandonea nos apresenta em seu livro “Sociologia da Dominação” (1986, Nordan Editorial, Montevidéu, pp. 94 e 95) de forma exemplar e genérica, a tipos de sistemas de dominação mais encontrados no capitalismo. Seriam estes:

1) Exploração – esta forma prevalece nas sociedades com economia de mercado e tem um papel de determinante quase exclusivo no capitalismo do tipo gerado na Europa a partir do século XIX. Não se deve omitir a existência de outras formas de dominação econômica, menos freqüentes é verdade.

2) Coação física – é seguramente o mais antigo da história, e está presente como última medida de qualquer sistema de dominação de fato. Sua maior limitação consiste em que seu uso efetivo é muito desgastante. Os aparelhos policiais-repressivos e as organizações militares modernas são a manifestação atual desta forma de dominação.

3) Política-burocrática – é a capacidade de acionar as decisões que afetam a toda uma sociedade, é geralmente constituída pelo conjunto de mecanismos que conformam os organismos de governo e o sistema político-legal, somados com a instrumentalização que implica o aparelho de Estado como um todo, assim se caracterizaria o tipo de dominação político-burocrático.

A estrutura de classes

A forma mais generalizada de dominação na atual etapa do capitalismo é a estrutura de classes. Esta forma se manifesta quando a probabilidade estável (o consenso através do consentimento) de obter obediência contínua se institucionaliza e opera sobre rotinas produtivas. Estas rotinas se baseiam na exploração da força e potencial de trabalho das maiorias pelas minorias proprietárias dos meios.

Não nos referimos somente aos meios de produção, mas também os de violência (coação física) distribuição, circulação de bens (materiais e simbólicos) e capacidades decisórias (organismos internacionais e estatais, instrumentos de normatização da vida social). Assim se dá a relação de dominação.

Já esta instituição contínua de dominação atua e se constitui sobre a maioria dominada as classes sociais. O sistema onde estas ocorrem configura uma estrutura de classes. É fundamental compreender que o conceito de classe é relativo à existência de outras classes. A estrutura de classes sociais se manifesta sobre a distribuição daquilo que é desigual nesta mesma sociedade. Esta desigualdade não se manifesta somente na distribuição dos bens, mercadorias e recursos materiais. Óbvio que a desigualdade de distribuição material tanto é quantitativa (montante, total bruto) como qualitativa (total líquido, valor agregado e simbólico) de meios, bens, mercadorias e divisas de várias formas.

Mas, a estrutura de classes se manifesta de forma mais ampla, conforme veremos nos artigos seqüentes.

Este artigo foi originalmente publicado no portal doInstituto Humanitas da Unisinos.

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