13 de julho de 2009, da Vila Setembrina do Rio Grande outrora altaneiro, por Bruno Lima Rocha
Os últimos acontecimentos do Executivo gaúcho marcaram a crise. As pautas derivadas do envio de envelopes contendo atas e correspondências internas do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul (MPF/RS) recheadas da comprovação das suspeitas de que o empresário falido do ramo do calçado Lair Antônio Ferst estaria denunciando seus ex-aliados no governo Yeda Crusius causaram novas defecções. Como se sabe, o ex-procurador geral do estado e o “quase” secretário da “transparência” e por vezes advogado de defesa da governadora, Carlos Otaviano Brenner de Moraes, pedira o boné. Na mesma semana, a Polícia Federal (PF) admitira o indiciamento do secretário estadual de Irrigação e um dos alvos primários da investigação denominada Operação Solidária. Rogério Porto, considerado por Yeda como o maior especialista em irrigação na Província de São Pedro, também seria o elo de ligação de um esquema de preços combinados e licitações fraudulentas que esbarrara na ante sala do poder estadual. Esta ponte seria construída entre ele mesmo, algumas representações de empreiteiras e construtoras e a eminência parda do tucanato gaúcho, a secretária pessoal da governadora, Walna Vilarins Meneses.
Vamos compreender a relevância desta personagem abordada. Yeda Rorato Crusius, embora esteja envolta em problemas de ordem jurídica e política, é uma profissional multifacetada e polivalente, como determina os reconvertidos mercados de oferta de força de trabalho intelectual mediante conhecimento codificado na atualidade. Ela, além de abraçar a carreira da representação política profissional, também é professora de economia aposentada pela UFRGS, ex-comentarista de economia doméstica da RBS, ex-ministra do Planejamento de Itamar Franco e ex-deputada federal tucana. Walna a acompanha fielmente há anos. Nesse decorrer se manteve de perfil baixo, com pouca ou nenhuma publicidade, tornando-se reconhecida publicamente a partir apenas da cobertura jornalística tendo como conteúdo trechos de gravação onde a pessoa-chave de Yeda se faz presente.
Nada disso é novidade como fenômeno político latino-americanos; talvez esteja apenas de nova roupagem. Tal como a chapa eleita no 2º turno de 2006, também obedecendo um padrão de comportamento de governos assumidamente neoliberais na América Latina desde o ano de 1990, as gestões se criminalizaram em ritmo de mercado altista nas bolsas de valores. Naquele ano se inicia uma era de chefes de executivo que terminaram processados e por vezes atrás das grades. Assim ocorreu com Fernando Collor de Mello, Carlos Saul Menem e Alberto Fujimori. É certo que em governos sub-nacionais a dimensão e escala dos problemas é menor, embora não menos contundente. Como parte desta “cultura política”, compreendemos que há um padrão de comportamento e atitude do Executivo, baseado em discursos articulados pela lógica do gerencialismo entremeado de relações carnais com países de capitalismo central e transnacionais de distintas cadeias produtivas, como o são as papeleiras em solo rio-grandense. Bem, seguindo o padrão, quase sempre as chefias de governo acompanhadas de uma fatia gorda de seu primeiro escalão terminam por se deparar com uma ou mais investigações, no caso brasileiro, promovidas pela polícia judiciária da União.
De volta para o pago, isso ocorre no lado de cá também. Tal fenômeno se repete na Operação Solidária, isto porque, tal operação também se fez ampliada, rasgando no meio das legendas representadas no Conselho Político desse governo estadual que se esvai. Dentre outros peixes grandes, três caciques políticos do PMDB/RS tornaram-se alvos primários. Trata-se do deputado federal Eliseu Padilha, o secretário estadual de Obras e também deputado da província Marco Alba e do deputado estadual Alceu Moreira. Em “harmonia” com os peemedebistas, se encontra a estrela maior da Operação Rodin, o deputado federal José Otávio Germano, além de pessoas diretamente vinculadas a este chefe político da direita agrária rio-grandense. O tecido do novelo foi sendo desenrolado até esbarrar na prefeitura equivalente a ante-sala do modelo de acumulação econômica e de poder político no pago. Se homens como Chico Fraga, ex-secretário de governo de Marcos Ronchetti no município de Canoas, resolvessem falar tudo o que sabe, é possível que metade da elite política do pago iria se ver direta ou indiretamente comprometida. Fraga é formalmente filiado ao PTB, mas homem de confiança de operadores que tiveram a sua centralidade no governo de Yeda, dentre eles o ex-comandante geral da Brigada Militar Paulo Roberto Mendes.
Recordando tumultos e recentes versões mal versadas, cabe lembrar o desgaste que Otaviano teve ao se indispor com a acertada medida administrativa de suspender o contrato com a prestadora de serviço de guincho Atento. Disso resultou o pedido de exoneração – ou seja, defecção – da delegada de carreira da Polícia Civil gaúcha Estella Maris Simon, que se encontrava à frente da sempre polêmica e cada vez mais suspeita presidência e respectiva diretoria do DETRAN-RS. Agora, na hora da crise – e da respectiva ação de resgaste midiático – quando pessoas de bom senso vêem que está perigando a embarcação afundar, o abandono de barco é um sintoma de perde do controle do capitão do navio. Carlos Otaviano Brenner de Morais saíra de uma pasta que não chegou a ter razão de existência e menos ainda vida real.
O vazamento fruto da investigação do MPF teve como fonte a memória seletiva de Lair
Após as matérias da revista Veja baseando-se em arquivos e declarações da viúva do ex-“embaixador“ do Rio Grande em Brasília, Magda Koenigkan, a crise permanente de Yeda e Cia. ficara em banho Maria. Isto até domingo (6 de julho de 2009) quando a tarde dos gaúchos operadores macro e suas derivações, foi de intensa atividade política e midiática na Província de São Pedro. Não houve convenções partidárias nem reuniões de cúpulas dirigentes. O frenesi teve como causa o somatório sempre explosivo de investigação policial, desconfiança política (na base da delação) e cobertura jornalística. Outra vez mais ocorreu o “vazamento” de documentação oficial do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul (MPF/RS) que se debruça na investigação das contas de campanha e negócios de governo nos primeiros anos do mandato de Yeda Crusius (PSDB). Pelo que me recordo de ler, seriam vinte envelopes sem remetente contendo doze das treze cópias de entrevistas, correspondências e atas internas dos procuradores da União no estado. Ali se confirmava a suspeita coletiva de que o “garganta profunda” dos pampas é um ex-homem de confiança dos herdeiros políticos de Nelson Marchezan (pai), o empresário tucano Lair Ferst.
Não teria sentido reproduzir fatos já publicados em um breve artigo de análise. Para os leitores desse blog, indico a versão digital da edição impressa do jornal Zero Hora (Grupo RBS), da terça (07/07, págs. 4 a 10) e segunda (06/07, págs. 6 a 10). Lá se encontram reproduções de cartas e atas do MPF citando os vinte fatos investigados a partir da denúncia do mesmo informante. O detalhe curioso é a falta da décima terceira coletânea de documentos. Esta ausência abre a possibilidade da suspeição de que ali estaria contida a evidência de que há um material em vídeo, o que geraria provas irrefutáveis. Esta materialidade – e a falta desta – é a fonte da desconfiança geral perante Lair Ferst e dos denunciantes do PSOL. Se aparecer o vídeo, aí a casa pode literalmente cair.
O que destaco como relevante nesse imbróglio é o clima de suspeita coletiva, gerando sensação semelhante a que se vive no nobre e ilibado Senado federal, comandado por homens como José Sarney, Romero Jucá e Heráclito Fortes dentre outros membros da ARENA. Já aqui na Província constata-se que, em sendo verídicas as denúncias de Lair Ferst, nos deparamos no Rio Grande com as seguintes práticas sistemáticas comandadas pelo primeiro escalão do governo estadual, incluindo a própria detentora de mandato Executivo. Seriam estas: a execução de negócios privados com dinheiro público mediante troca de favores; informações privilegiadas; suborno; caixa dois de campanha; enriquecimento ilícito; licitações fraudulentas; tráfico de influência; uso de testas de ferro, laranjas e intermediários de propinas sistemáticas; aquisição de patrimônio; e nomeações para cargos de confiança com o intuito de controlar o desvio de recursos diversos.
Como não existe ação sem sujeito da ação, existem protagonistas destas atividades ilícitas, conforme se viu em reportagens do jornal impresso do maior conglomerado midiático do RS. Estas seriam: líderes de partidos políticos e titulares do primeiro escalão estadual; agências de publicidade; prefeitura de cidade-pólo; construtoras e empreiteiras de obras públicas e empresas fumageiras. Ou seja, estamos falando de boa parte do PIB gaúcho, e de investidores com respeitável potencial para o volume de negócio do “mercado político” do RS.
O marco teórico: o Jogo Real da Política e os Consórcios Econômico-Eleitorais
Se forem corretas as informações, estas materializam dois conceitos que este analista vem defendendo há mais de uma década. O primeiro é que o Jogo Real da Política inclui manobras lícitas e ilícitas, em distintas escalas de grandeza (do assédio moral ao assassinato), passando por regras formais e informais, como a espionagem.
O outro conceito também de minha modesta autoria, é a de que uma candidatura e seu respectivo bloco de alianças e apoiadores formam um Consórcio Econômico-Eleitoral, onde metas programáticas são complementadas por benefícios para pessoas físicas e jurídicas, obtidos de modo legal ou não.
Ao aplicar estas categorias como modelo explicativo da “crise” política gaúcha, conclui-se o óbvio. Primeiro, com boa parte do primeiro escalão sob suspeita, a “governabilidade” está por um fio. Segundo, pela lógica da concorrência com pouca ou nenhuma regra, a motivação original da cisma no governo foi a impossibilidade de um acerto entre as partes que chegavam em 1º de janeiro de 2007 e os que ali estavam há décadas. Nos negócios de Estado, uma crise de negociatas privadas com o recurso público torna-se o embrião de crise política.
Terceiro, é bom reforçar que não contesto a veracidade dos fatos. Apenas compreendo porque foram delatados por Lair e Cia.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas da Unisinos (IHU)