09 de janeiro de 2016, Bruno Lima Rocha

Introdução – Nesta nova série, inicio um conjunto de textos de difusão que visam ganhar a densidade até se tornarem um ensaio posterior. A meta não é necessariamente polemizar de fora para dentro da academia, e sim servir como apoio da frente teórica dentro da corrente para os debates, proposições e perspectivas em termos de política internacional, economia política internacional e relações internacionais. Muitas vezes, diante da impossibilidade teórica, há impossibilidade estratégica, logo, nada se realiza e quase tudo se copia ou mimetiza. A razão desta nova série é aportar uma contribuição para diminuir esta lacuna.

O cenário internacional é quase sempre marcado através de grandes eventos e situações onde ocorrem tomadas de decisão a influenciar a vida de milhões e até mesmo bilhões. A história dos povos neste contexto fica subordinada ao arranjo temporário entre elites dirigentes e classes dominantes a partir de suas respectivas posições em Estados pivô geopolíticos e Agentes Geoestratégicos.  Os primeiros são observados pelas agendas midiáticas como os países regionalmente poderosos e que podem influenciar – a partir de sua condição local-regional e sua relevante posição geográfica – a “estabilidade” de um território ampliado. Os segundos têm seus excedentes de poder ultrapassando a determinação geográfica (em termos espaciais) e incidem para além de suas fronteiras físicas. Esta relação tensa projetada sobre um tabuleiro territorial costuma ser chamado de O Grande Jogo. Ir além desta condicionante é um grande desafio para pensar e analisar o mundo através de um viés libertário (igualitário e democrático).

Os conflitos internacionais e o chamado Grande Jogo costumam abafar ou subordinar os movimentos de libertação dos povos. Uma das maiores dificuldades em realizar uma linha crítica e comprometida nas relações internacionais e estudos de política em escala mundializada e o desenvolvimento de uma teoria que fuja da armadilha derivada do realismo e do pensamento stalinista, de base leninista. A soma do pragmatismo político (real politique), com o realismo ofensivo (a maximização de interesses em todos os níveis sem nenhum escopo ou limite moral para exercer tal vontade), passando pelo jogo de interesses e cinismo em distintas escalas (geopolitik), faz com que o pensamento da esquerda restante termine por se encantar por governos autoritários, embora os mesmos se contraponham ao “ocidente” como tal. É sempre positiva a existência de poderes mundiais para contrabalançar um pouco do excedente de poder da Superpotência. Mas, por outro lado, nenhum jogo entre Estados pode servir ao interesse e aos projetos estratégicos dos movimentos dos povos.

Para contribuir neste esforço, proponho uma análise bastante acessível, ao dividir o Jogo Internacional em três níveis. O primeiro nível é o Grande Jogo, em nível geoestratégico – portanto, ultrapassando o determinismo geográfico e o posicionamento original dos Estados.  Este Jogo não atende em hipótese alguma o interesse dos povos, menos ainda das classes subalternas dos países subdesenvolvidos, semi-periféricos e potências eternamente em ascensão, como o Brasil. Não deveríamos em quase hipótese alguma embarcar no engajamento neste Grande Jogo, sendo que no momento a nova Guerra Fria ocorre entre Estados Unidos e União Europeia X China e Rússia; isto sem falar nas rivalidades intra-blocos ou entre aliados.

O segundo nível talvez seja o mais perceptível, onde em regiões bastante conturbadas, as potências de nível médio, operando como pivôs geopolíticos e com aliados dispostos a fazer guerras indiretas se aliam impondo suas pautas também a grandes potências. No caso específico do Oriente Médio, verificamos o jogo de Israel, Turquia, Arábia Saudita e Irã com níveis elevados de autonomia diante da força de proteção de EUA, Otan, EUA e Rússia, respectivamente. Quase sempre os grupos dominantes domésticos costumam ter poderes absolutos de veto dentro do jogo regional quando há um nível elevado de conflito. O jogo de nível dois confunde-se com os aliados domésticos e pode pender de lado segundo a condição de domínio nos Estados e territórios soberanos.

O terceiro nível é, de fato, o único onde os protagonistas são os povos em luta. Estes podem ter dimensão doméstica ou mesmo regional, sempre e quando há o protagonismo dos agentes que atuam a partir de países ou pertencimentos, como através da etnicidade, tal é o caso da esquerda do Curdistão. O desenho destes conflitos de nível três é onde podem se desenvolver formas de vida coletivas com autonomia das novas instituições sociais, onde a democracia direta e a economia autogestionária podem ser exercidas em média e larga escala. A defesa destes territórios ou ao menos a condição de veto dos povos em luta, é a única chance para garantir um agendamento internacional que vá ao encontro dos anseios da maior parte da humanidade, em geral colocada na condição de vítimas ou massas de manobra das decisões tomadas pelas elites dirigentes e frações de classe dominante em escala mundial.

Em termos normativos, as propostas que saem das agências da ONU (FAO, UNESCO, mesmo a OIT, ACNUR, dentre outras), além das redes transnacionais de defesa de causas (advocacy, como a Anistia Internacional, Médicos Sem Fronteiras, dentre outros) são bastante aceitáveis, mas não têm a força necessária de serem implantadas. Tal condição de força depende necessariamente do protagonismo dos povos nos conflitos e lutas sociais de nível três.  É neste nível que os interesses das maiorias vêm a ser exercidos de forma direta, através da luta coletiva e radicalmente democrática.

 

 

 

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