Por Bruno Lima Rocha, 06 de janeiro de 2016
Neste texto, dou sequência ao artigo de opinião escrito por Carlos Alberto Sardenberg e publicado na página 14 de O Globo (24/12/2015) com o título “Uma esquerda neoliberal?”. No artigo, o experiente comunicador, especializado na área de economia e defensor explícito dos paradigmas do neoliberalismo (que o próprio afirma ser liberalismo político e econômico), também compara a política econômica de Lula (e por consequência a de sua sucessora, Dilma) ao “acerto” da posição assumida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e sua inspiração, o ex-primeiro ministro da Espanha, Felipe González. No primeiro texto fiz a crítica às confusões conceituais de Sardenberg, incluindo a falsa comparação das posições à esquerda na política com simples estatismo e aumento do gasto público. O mesmo se dá na equivalência entre “desenvolvimento” (daí o termo desenvolvimentista) e crescimento econômico. Neste que segue, desmonto os argumentos favoráveis a Felipe González como grande artífice do período conhecido na Espanha como “la fiesta”.
Como já afirmei antes, Sardenberg compara Lula e Dilma – posicionando-os como “esquerdistas”, assim como seria o atual ministro da Fazenda Nelson Barbosa – com a “esquerda social-democrata”, representada no Brasil por FHC e na Espanha por González. Nada por ser mais falso em todos os sentidos. Felipe González à frente do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) teria criado prosperidade capitalista pela “modernização” do Estado pós-franquista. E, como tal, teria sido copiado por FHC, ambos oriundos da mesma matriz. Nominalmente até pode ser, mas o processo que os une é a transição política inspirada pelo Pacto de La Moncloa (palácio em Madri onde foram realizadas negociações para suceder a Franco), e orientada pela condução política do professor Juan José Linz, este sim, grande fonte de inspiração para FHC. Linz operou como assessor do governo de transição comandado por Alfredo Suárez (Duque de Suárez e presidente do país pós-Franco de 1976 a 1981). Esta transição espanhola, não trazia consigo temas substantivos, pactuando um acerto institucional e criando, na prática, um sistema político nacional bi-partidário, contando com as centrais sindicais UGT (ligada ao PSOE) e CCOO (ligada ao PCE e sua frente eleitoral, Esquerda Unida – IU em espanhol) para “domesticar” a classe trabalhadora espanhola de vigorosas tradições anarco-sindicalistas.
Se há um partido social-democrata ao estilo PSOE no Brasil este partido é o PT, assim como o PCE é muito semelhante ao PC do B (ambos de base estalinista e com opções não-classistas e sempre de composição política baseadas no pragmatismo tático). Se houve um progresso e modernização das relações sociais de base capitalista na Espanha a partir da segunda mentade dos anos ’80, foi pelo ingresso de bilhões e bilhões através da União Europeia em seu período anterior ao Euro, mantendo um fluxo contínuo de aporte e financiamento até a fraude da bolha imobiliária e a quebradeira com falências fraudulentas de 2008.
A Espanha próspera dos anos ’80 com González á frente escondia o apoio do PSOE aos GAL (Grupos Antiterroristas de Libertação, paramilitarismo da democracia espanhola), esquadrões da morte composto por policiais e para-policiais para eliminar a insurgência, em especial a guerrilha urbana do País Basco. O prêmio pelo bom comportamento de González como privatizador – a exemplo da Repsol e da Telefónica de España – foi a passagem para o Olimpo da oligarquia espanhola, tal e qual seu rival José María Aznar, do PP (direita espanhola pós-franquista). Segundo a ATTAC Espanha, mais de 75% do PIB espanhol estava concentrado em 1800 pessoas físicas tomando decisões em conselhos de gestão e de administração das maiores empresas operando no país, incluindo dentre estes os dois ex-primeiro ministros acima citados. Passada “la fiesta” a Espanha tem mais de 40% de desemprego entre a população abaixo de 30 anos.
Em uma passagem ímpar de seu breve texto, Sardenberg afirma que (FHC e González) “efetivamente mudaram seu modo de ver a economia. Convenceram-se da superioridade prática do capitalismo e da iniciativa privada para construir riqueza”. Sim, o experiente jornalista que cobre a economia capitalista tem razão. Construir riqueza, pois o valor é socialmente construído e como tal, a ideia de valor se transforma em concentração de riqueza e obrigações através de compromissos coletivos na forma de endividamento público e financeirização da economia. O mesmo se dá na ideia de que é possível avaliar o desempenho da economia capitalista de um país sem levar em conta a maldita Divisão Internacional do Trabalho e a camisa de força que a distribuição desigual de excedentes de poder e capacidades decisórias colocam a maioria dos países deste planeta forçosamente mundializado pelo capitalismo.
Infelizmente, com a difusão de senso comum como esta que critico, a ideia de esquerda fica subsumida a uma panaceia estatista e a de prosperidade (falsa expectativa jamais materializada) ao neoliberalismo e a abertura total ao capital transnacional de nossas sociedades. Ambas as ideias são falsas e totalmente falsificáveis. Nem o pacto de classes do lulismo está no campo da esquerda e menos ainda o neoliberalismo gera Bem-estar social para a vida em sociedade. No Brasil, a desinformação estrutural, os conceitos totalmente equivocados e a subordinação da ex-esquerda, tanto a social-democrata como a estalinista e a varguista (me refiro ao PT e aliados), aos interesses sórdidos do agente econômico liderando os oligopólios operando no país, geram uma enorme confusão desmobilizadora e que, sob o efeito da mídia econômica, aumenta a despolitização.