Abertura:
Ao contrário da maioria dos analistas, desta vez não vou me ater aos importantes acontecimentos no âmbito policial, jurídico, político e midiático decorrentes da Operação Lava Jato e também da Operação Zelotes. Considero ambas as operações muito relevantes e essenciais para analisar a conjuntura política, assim como o papel do Supremo (STF) diante dos agentes políticos de envergadura nacional. Mas, nas linhas que seguem, me atenho a três dimensões concatenadas: o papel da mídia privada tanto na difusão do neoliberalismo vulgar como “coveira” da economia, a presença da Nova Direita na América Latina como um fenômeno social e a aproximação cada vez maior do atual governo às teses da direita opositora dos latino-americanos.
Os coveiros de sempre, a Nova Direita e o governo que se rendeu de vez
Se há um programa de televisão que considero operar como motor de propaganda da Nova Direita é o Globo News Painel. A edição de sábado, 27 de fevereiro, materializou-se como autêntico “brain storm” do impeachment ou da queda do segundo governo Dilma. É impossível defender este governo, mas reconheço que o PT tem alguma “sorte”, pois seus detratores são tão horrorosos que complica para a maioria dos receptores acreditarem nesta gente. A ladainha passa até por Luiz Felipe Pondé (o próprio, o filósofo da Folha de São Paulo, uma espécie de Danilo Gentili com verniz intelectual); outros componentes são um porta-voz oficioso do mercado (Alexandre Schwartsman) e um professor titular de Direito da USP, José Eduardo Faria, que apontou o caminho da institucionalidade para “salvarem o país”.
Programas assim são um recado e deveria interromper a permanente síndrome de Estocolmo. Não adianta o Planalto acenar bandeira branca para o Serra e a Chevron, a UDN pós-moderna não desiste nunca. Como houve a comparação com o período pré-1964, estamos diante do fantasma do antigo PSD, logo vale lembrar o papelão de JK antes do golpe de 1o de abril. O interessante desta crise é ver a direita neoliberal cortar na própria carne, citando além das empreiteiras até o Grupo Gerdau, criminalizando o capital nacional que cometera o pecado do pacto lulista.
Ao longo dos 45 minutos (contidos neste link: https://www.youtube.com/watch?v=snf7NAdZ4-A) confesso que vi de tudo. Em uma passagem, Pondé sugere uma reaproximação entre Eduardo Cunha (o próprio que está perdendo as vantagens com o acionar do STF) e Michel Temer para superar a crise política e fazer andar o impeachment! Antes o professor do Insper disse que bastaria escutar o consenso dos “economistas” – dos neoliberais, obviamente – e o problema da economia estaria resolvido, já que a crise é “política”. Ou seja, basta que se juntem meia dúzia de Chicago Boys e Beijing vai escutar seus conselhos e subir o preço da soja e do minério de ferro! Obviamente que estes Chicago Boys também venderiam tudo, já que não “precisamos do Estado interventor no capitalismo semiperiférico”…..quanta bobagem na forma de perigosa propaganda.
Em outro momento, William Waack – sempre ele – abre o bloco perguntando e tamb´´em afirmando a campanha da reeleição de Dilma como uma “campanha criminosa”. Mas, se os financiadores e doadores são os mesmos, logo, toda a campanha – ao menos no segundo turno – seria criminosa para ambas as chapas, correto?
Para fechar a crítica, Alexandre Schwartsman – economista que trabalhou no Banco Central durante a gestão do tucano Henrique Meirelles e governo Lula – disse que “o Banco Central está absolutamente manietado, porque não houve o aumento da taxa de juros, apesar do alarde e do anúncio de que haveria o aumento”….Depois desta pérola, William Waack – sempre ele – agradeceu as “observações técnicas do economista”.
A Nova Direita é a receptora difusa da propaganda neoliberal
Obviamente programas como este, embora sejam quase incompreensíveis para mais de dois terços dos brasileiros, têm efeitos ideológicos e propagandísticos imediatos. A Nova Direita aproveita-se de mensagens como estas. Um bom debate para travarmos entre todos os setores da esquerda latino-americana. Existe sim uma nova direita, individualista, mesquinha, ideológica e cibernética, sem debates de falsa consciência ou qualquer determinismo tolo de tipo marxiano vulgar. Dados difundidos pelo economista uruguaio Raúl Zibechi trazem essa dimensão e apontam para uma perspectiva sombria: quem se forma na expansão do ensino superior não segue estudando por conta e tem medo de se socializar em espaços públicos com as maiorias; os espaços públicos já não socializam necessariamente, se confundem com exclusão, com quem não pode pagar pelo “private“, pelo “top“. Ou seja, a dimensão ideológica é muito mais presente do que a vã filosofia com ares de “ciência econômica” que vem sendo propalada pelas viúvas do Muro ou por quem faz coro com a dinastia Castro de uma ilha que outrora chegou a flertar com um Poder Popular pluripartidário (entre 1959 e 1962).
No Brasil temos mais de 44 milhões de pessoas flutuando neste sentido, obtiveram melhorias materiais (todos nós tivemos, inclusive o inimigo, a começar pelos bancos), houve expansão da capacidade de absorver a massa de pessoas que vinha do subemprego estrutural e estamos diante de uma eterna reconversão pós-fordista, onde a maioria trabalha e estuda e estuda e trabalha e o pensamento crítico dá lugar para novas formas de adestramento de adequação de mão de obra (na acumulação flexível, incluindo este que aqui escreve sem parar e atende a estudantes online o tempo todo….). Zibechi costuma ser meio controverso, mas dessa vez o uruguaio acertou um golaço na análise embora eu entenda que estamos diante de um enorme abismo ideológico pós-Consenso de Washington. Sim, os anos ’90 não acabaram e a segunda metade dos anos 2010 pode ser a terceira década perdida da América Latina (’80, ’90 e agora com o esgotamento dos governos de centro-esquerda não classistas….).
A recessão que se avizinha e os coveiros de sempre
A economia brasileira fechou o ano de 2015 com uma retração do PIB com menos 3,8%. Venho afirmando o óbvio em distintas dimensões. Creio que é consenso até entre a esquerda restante da base do governo que o país se inclinou em demasiado para uma expansão do consumo, a acomodação de forças, as garantias das margens de lucros de empresas permissionárias e concessionárias e, para o jogo duro no Sistema Internacional, primarizou a economia brasileira. O bom desempenho do agro na balança comercial ocorre apesar dos preços rebaixados das commodities. Ou seja, com a nossa deterioração nos termos de troca, estamos plantando mais grãos para vender por valor menor, o que já assanha o partido do boi e do latifúndio a grilar os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e expandir a fronteira agrícola neste “novo cerrado”, levando ao esgotamento dos recursos hídricos e o aumento do êxodo rural.
A cova brasileira se dá por uma série de fatores, mas esta é muito mais rasa do que os coveiros midiáticos e “especialistas do mercado financeiro” gostariam que fosse. A eterna maldição da relação dívida-PIB aumenta na medida em que a taxa da Selic não baixa – ficou em 14,25% de novo, através do quase auto-governo do Copom. Enquanto isso, os coveiros exigem o aumento permanente da Selic e a liquidação de tudo. Tentam fazer recordar a recessão de 1990 e 1992, mas se equivocam, pois este período havia hiperinflação, e em 2009 o Brasil foi defendido por medidas anticíclicas. O problema não é a recessão hiperinflacionária, que não vai voltar, mas a recessão com inflação com algum grau de controle, como foi o período FHC, em especial a partir da fraude da reeleição de 1998, com o estatuto da reeleição durante o mandato de Fernando Henrique, através de compra de voto no Congresso. Em 1999, quando chamaram a raposa para tomar conta do galinheiro, com Armínio Fraga à frente do Banco Central, o R$ Real foi desvalorizado em três pontos perante o dólar, e em 2002 atingiu a relação 4 por 1, a mesma que temos agora.
A pregação do austericídio dentro e fora do segundo governo Dilma Rousseff, a fala permanente dos coveiros do caos e o ambiente político forçosamente complicado está levando ao governo atual a fazer as piores escolhas, todo o tempo. A inflação que tivemos em 2015 através de preços administrados é algo próximo da traição a confiança do povo, confiança esta cada vez menor e seguidamente anunciada como a última bandeira a ser atirada ao piso. O caminho da próxima trairagem está na “reforma” da Previdência, a mesma medida parcial que Lula tomou em agosto de 2003 e culmina com o racha da então esquerda de seu partido, dando a partida definitiva na criação do PSOL.
Estamos diante de um momento crítico, onde as forças populares estão realmente sem uma base sólida por onde arrancar e ainda pendentes do canto da sereia do eleitoralismo – por dentro e por esquerda do governo -; enquanto o governo Dilma em sua segunda edição é uma soma estranha de um grupo de confiança com aspirações próprias dentro do partido – como Miguel Rossetto e Jaques Wagner – além de uma subordinação a base oligárquica do governo, comandada por Renan Calheiros e Sérgio Cabral Filho, ambos à frente do PMDB que se impõe em escala nacional.
Uma possibilidade de reação da base lulista com o próprio à frente é explicitar a punição seletiva da Polícia Federal e do Ministério Público, investigando tudo do em torno de Lula e Dilma (no meu entender investigações corretas) e nada do em torno de FHC e cia, onde abundam evidências e no mínimo situações concretas para notícias-crime. Mesmo apanhando todos os dias, o ex-sindicalista que segundo o próprio nunca fora de esquerda, Lula ainda é a opção de projeto de poder do partido onde ele é o único ator individual com poder de veto e imposição de vontades, ao arrepio da organicidade e à revelia da democracia interna.
Conclusão nada alentadora
Os coveiros estão babando e vendo a possibilidade de atingirem seu alvo estratégico: as garantias e direitos coletivos existentes na Constituição de 1988, mas que de fato o Estado brasileiro não atende e, no que depender da direita política que não ganhou na urna, vai atender cada vez menos. No caso da direita que saiu vitoriosa, é possível que Dilma rasgue todo, todo o seu programa e promessas de campanha com o intuito de sobreviver politicamente e terminar o mandato.