É um contra senso, liberar R$ 26 bilhões de reais para a classe trabalhadora – que implicam no giro imediato da economia – e ao mesmo tempo, acumular tanto o ganho rentista como o aumento da despesa financeira pelo custo do capital de giro, além da pressão nas contas públicas.

Bruno Lima Rocha, março 2025

Existem algumas máximas na caracterização das potencialidades econômicas brasileiras, ao menos dentro de um prisma da economia política e da correlação de forças para a inserção internacional do país. Uma afirma que o país cresce até por osmose, quase que por inércia. Basta não tomar muitas medidas contracionistas. Esta percepção gera a ideia equivocada da possibilidade do “ganha ganha”, ou a versão da social-democracia brasileira no século XXI. Isto é, atender demandas populares sem incomodar o andar de cima que opera no país.

Outra ideia-guia vem de fora e tem um sentido lógico mais forte. Afirma que “o Brasil já grande demais em inércia para ficar maior ainda em movimento”. E como sabe o Departamento de Estado dos EUA, “para onde for o Brasil, leva a América do Sul, talvez a América Latina inteira”. Outra percepção, esta da supremacia naval, entende que o Atlântico Sul não pode ser um oceano autárquico para potências médias, menos ainda depois da Guerra das Malvinas (02/06/1982 a 14/06/1982). Tal episódio merece um debate à parte, mas cabe aqui apenas uma caracterização. Sim, mesmo sob regimes de exceção, é possível a cooperação estratégica entre Brasil e Argentina. E não: jamais os aliados anglo-saxões irão se abandonar à própria sorte.

Existe algum volume de debate sobre o quão ameaçador foi o ciclo virtuoso brasileiro que acompanhou a “onda rosa latino-americana” da primeira década e meia no Continente. Este ciclo teria tido seu auge no segundo governo Lula (2007-2010) e o primeiro de Dilma (2011-2014) e se a bonança já havia começado na segunda metade do primeiro governo de Lula (o mandato foi de 1o de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2006), mas o certo é que neste período, apesar de todas as circunstâncias internas desfavoráveis – a começar pelas vacilações da própria elite civil então dirigindo o país –, o Departamento de Estado das duas administrações Obama centrou esforços para a mudança de regime. Uma gigantesa Operação de Lawfare (a Lava Jato) e a criminalização do modelo econômico colocou o país em um transe reacionário.

Já no governo Lula 3, após uma longa estagnação com renda concentrada e política econômica centrada na acumulação financeira, parece que realmente estamos em um momento de economia aquecida e retomada do emprego direto com trabalho formal. Não há bonança como no boom econômico da primeira e segunda década deste século, mas o futuro próximo parece ser promissor, desde que “nada saia muito do lugar” e não vejamos uma nova “rebelião das elites” como ocorreu do segundo turno de 2014 até a eleição de Jair Bolsonaro (em 2018), concorrendo contra o favorito preso sem provas jurídicas.

Ainda assim é preciso remarcar algumas características da concentração financeira e do tamanho da ameaça pairando sobre o país vejamos.

O aumento da taxa básica de juros supera qualquer mecanismo compensatório de renda

A decisão de aumento de juros básicos da economia (Taxa Selic) é um sinal contrário da isenção de I.R. (imposto de renda) para quem ganha até R$ 5.000,00 reais (equivalendo a 3 salários mínimos e mais 1/3). O salário mínimo nacional (em alguns estados é um pouco superior) equivale a R$ 1518,00 (em USD 265 dólares segundo a cotação do Banco Central do Brasil na 6a 21/03/25). Logo, a liberação de declarar como contribuinte atingiria a quem recebe até USD 873,40. Essa proposta legal vai tramitar no Congresso Nacional e tem ampla chance de ser aprovada, apesar do lobby dos super ricos. Esta minúscula fatia da população brasileira não passa de 141 mil pessoas.

Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, na quarta-feira 19 de março 2025, a Diretoria do Banco Central (reunida no Comitê de Política Monetária – COPOM) aumentou em mais um ponto percentual a taxa de juros básica da economia, a Taxa Selic, gerando um custo anual de mais R$ 54,5 bilhões em pagamento de juros da chamada “dívida pública”, beneficiando grandes bancos e rentistas.

Os beneficiados diretos são as empresas que tem o poder de venda e recompra dos papéis da dívida soberana do país (em moeda nacional, logo, solvente e INQUEBRÁVEL, NÃO PODE FALIR quem se endivida na própria moeda e determina seus próprios termos de endividamento). Segundo o Tesouro Nacional as pessoas jurídicas (nacionais ou transnacionais) são estas:

Empresas financeiras estatais: Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil (BB)

Conglomerados do mercado financeiro nacionais privadas: Banco Bradesco / Banco BTG Pactual / Banco Safra / Itaú Unibanco.

Conglomerados do mercado financeiro transnacionais: Bank of América Merrill Lynch / Goldman Sachs.

Corretoras autorizadas a negociar papeis soberanos brasileiros: BGC Liquidez / Renascença / XP Investimentos.

Ou seja, se fosse para “apenas” garantir o fluxo de capital volátil garantindo o volume de entrada de dólares para assegurar o fundo emergencial das reservas internacionais bastaria negociar a dívida através da CEF e do BB. O volume desta na atualidade, segundo o Banco Central (dados de fevereiro) é de USD 325,508 bilhões de dólares.

Ao mesmo tempo, o governo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 1.087/2025, que concede isenção de Imposto de Renda para as pessoas com ganhos de até R$ 5.000 mensais, o que deve aumentar os ganhos da classe trabalhadora em cerca de R$ 26 bilhões anuais, ou seja, menos da metade da transferência de renda para os mais ricos com a alta em 1% na Selic.

Estes R$ 26 bilhões representam a “renúncia de receita” do PL, ou seja, o custo (em termos de perda de arrecadação) para o governo, que de acordo com a chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal” (LRF), teria de ser compensada com a criação de outra fonte de receita. Mas a dita “LRF” libera totalmente o gasto de mais que o dobro disso (R$ 54,5 bilhões) para pagar mais juros da dívida.

A nova fonte de arrecadação, conforme o PL, é a tributação dos super ricos, o que é positivo, porém, estes pagarão cerca de R$ 34 bilhões anuais, muito menos do que receberão a mais com juros da dívida pública, devido à alta de 1% na Selic (R$ 54,5 bilhões). Além do mais, estes R$ 34 bilhões podem vir a cair bastante durante as votações no Congresso.

Sabemos da controvérsia em torno da Auditoria Cidadã da Dívida e de modo geral não estamos de acordo com o paradigma fiscalista desta entidade. Apesar disso, reconhecemos a correção desta crítica e dos dados apresentados. É um contra senso, liberar R$ 26 bilhões de reais para a classe trabalhadora – que implicam no giro imediato da economia – e ao mesmo tempo, acumular tanto o ganho rentista como o aumento da despesa financeira pelo custo do capital de giro, além da pressão nas contas públicas.

O jogo pesado dos super ricos no Brasil

Ainda que faça sentido a tributação de super ricos, a nata não vai aceitar essa tributação de 10% a mais sem usar seus múltiplos lobbies, sejam estes jurídicos, políticos, financeiros ou midiáticos. Um exemplo de tal poder se deu quando o titular do Ministério da Fazenda, Fernando Haddad foi na Globo News defender a isenção de imposto de renda para quem recebe até R$ 5000,00 e o mecanismo compensatório com a elevação da taxação de bilionários e adjacências.

Uma das funcionárias da empresa líder de comunicação no Brasil e âncora do canal de notícias 24 horas da família Marinho, Júlia Duailibi, respondeu assim ao ministro melhor avaliado pelo capital financeiro e plenamente aceito pelo rentismo operando no país. No dia 20 de março, quinta-feira, se deu o diálogo. Em certo momento a âncora disse:

“Mas é muito poder aquisitivo, eles têm muito poder, não dá prá mexer assim”.

Ao reificar a injustiçã fiscal plena, sem ao menos comparar a carga tributária nos países da OCDE, no Ocidente expandido e aliados, a ainda respeitável jornalista troca a informação posicionada pelo discurso censor. Júlia Duailibi, assim como todos os seus colegas profissionais de redação (jornalistas de ofício e profissão), ainda têm certa reputação a defender (não devemos confundi-los com comentaristas ocasionais ou mais voltados ao entretenimento). Mas, a emissora que é tão avançada em debates de costumes e pautas antirracistas, quando se trata de política externa (defesa do Estado Sionista e o direito ao genocídio do povo palestino) e rentismo (defesa do capital financeiro como pilar do capitalismo brasileiro), é implacável. Será que foi o ponto eletrônico que marcou a gafe para queimar ainda mais a apresentadora? Talvez nunca saberemos.

Na ausência de um debate econômico de profundidade e o retorno de instâncias de planejamento, viveremos sempre as mazelas das chantagens de quem tem mesa de operações para atingir o câmbio (que no Brasil é flutuante) e, por tabela, gerar mais pressão inflacionária. Nosso país tem todas as saídas econômicas possíveis à sua disposição, mas a condição básica é ao menos subordinar os parasitas financeiros e o agro exportador a um projeto nacional de desenvolvimento sustentável e neo industrialização. Do contrário, a cada quatro anos perigamos retornar ao pesadelo neofascista e ultra neoliberal.

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