Vitimização com custo elevado. A vida íntima de uma governante se torna pública quando a própria autoridade expõe de forma vexatória aos seus.  - Foto:Roberto Vinicius, da Agência Free lancer
Vitimização com custo elevado. A vida íntima de uma governante se torna pública quando a própria autoridade expõe de forma vexatória aos seus.
Foto:Roberto Vinicius, da Agência Free lancer

16 de julho de 2009, de São Leopoldo (fechando às 17.31 da tarde chuvosa), Bruno Lima Rocha

Escrevo às carreiras esse texto em função do protesto na mansão da Rua Araruama, onde a professora aposentada da Faculdade de Economia da UFRGS consegue alcançar o status de tentar incorporar a Thatcher da Província no simulacro mal feito do número 10 da Downing Street e ser vizinha de parte do empresariado gaúcho que é sua clientela daqueles que vivem sob o lema:

– Quem tem (“empréstimo”) Banrisul, tem tudo!

Causa “desconforto” para quem gosta de privacidade no seu nicho de negócios e áreas afins a circulação de moradores de rua e outros seres estranhos ao mundo das grades e da segurança privada. Mesmo uma manifestação com pouca gente necessitava de uma resposta elevada, para “sinalizar” aos que se aventurarem pelo caminho do protesto social de que há um preço a se pagar. Yeda inova na mão pesada, pois se mexe mesmo sabendo que um governo “supostamente” corrupto não pode se dar ao luxo de reprimir. Ela é como Figueiredo, bate, prende e arrebenta.

A sra. Rorato tampouco vê problemas em expor seus netos, a carregar um cartaz mal feito e se buscar na vitimização política a justificativa para seus atos. Ou seja, agora todos os moradores do pago estão a compartilhar das mazelas de um lar devassado pela ira popular. Em Versalhes aconteceu algo assim, mas havia Sans-culottes e Jacqueries à vontade para causar o Grande Medo antecessor da frase ingrata de Maria Antonieta.

A casa da governadora, pela suspeita da origem do imóvel, é um alvo legítimo

Na manhã de hoje o Rio Grande do Sul viveu um dia de acirramento político explícito. O ato público pedindo o impeachment de Yeda Crusius (PSDB) foi antecedido de uma ação publicitária de boa monta e envergadura. Um grupo de ativistas, contando com representações do Fórum de Servidores Públicos, incluindo o maior sindicato do estado, o Cpers (para quem não é do RS, sindicato estadual de professores), se dirigiu á controversa casa da governadora, na Rua Araruama, bairro Vila Jardim (zona de metro quadrado caríssimo na capital). Nesta mansão, alvo de controvérsia e cujas contas ainda não foram fechadas (sabe-se que o patrimônio do ex-casal Crusius supera o valor do imóvel e a necessária capacidade de endividamento), Yeda assume o seu papel da intimidade exposta, levando ao ridículo seus familiares e a si mesma.

Lá chegando, às 07:15 da manhã, realizaram uma ação clássica de expor o governante sem a sua pompa e majestade. A perda da aura se agrava quando se trata da Província de São Pedro, uma vez que aqui todos ou quase todos que fazem política se conhecem, ou ao menos, conhece quem se reconhece. Yeda procedeu de forma no mínimo absurda, usando a imagem de seus netos (de 8 e 11 anos de idade) para posar de vítima de perseguição política, xingando os sindicalistas e manifestantes, e obviamente ordenando a prisão de alguns conhecidos líderes da atividade. Claro que depois da auto-exposição da família em seu lar comprado com recursos estranhos, a Brigada Militar agiu, pondo tudo no seu “devido” lugar. Manifestantes do lado de lá da calçada, área isolada e consulta a chefe de Estado. O coronel Jones Calixtrato, lá presente, número 01 do Comando de Policiamento da Capital, o mesmo que fez a lambança no estádio Olímpico quando da eliminação do Grêmio na Taça Libertadores, procedeu com lealdade e mandou os subordinados sentarem a borracha. Com miras a futuras promoções além aposentadoria, vai na esteira de Paulo Roberto Mendes, criminaliza o protesto social e prende líderes sindicais do Cpers.

Porque bater naquela porta? Porque ali é o símbolo do poder que se acusa de corrupção, onde tudo paira em névoas. Ninguém iria golpear a porta de uma residência sem publicidade no ato da compra. Lá não. Enquanto a escritura, o valor venal, as contas de Eduardo Laranja e as da pessoa jurídica onde o mesmo é sócio – a Self Engenharia e Empreendimentos Imobiliários Ltda – não forem devassadas, vai pairar sobre a casa a assombração do empréstimo do Banrisul com carência (para a construtora) de pagamento com prazos além mercado.

Ao desvelar as possibilidades do ilícito no ato da compra da mansão, a própria mídia corporativa se torna responsável pela “boa ação” de retirar o véu do cinismo da fração de classe política gaúcha e seus sócios, os empreendedores econômicos. Toda luta de massas precisa de fatos geradores, programas e plataformas que mobilizem leigos e até assustem as maiorias silenciosas. A Casa da Yeda é o fato gerador na pedagogia freireana da luta de classes. Foi isto o que os manifestantes foram lá fazer, expor a parcela de poder que reside na intimidade do luxo adquirido com supostos (baita eufemismo!) casos de corrupção. O (ex) casal Crusius caminha, respeitando as devidas proporções, pelo cadafalso político, pela mesma tragédia que se abatera sobre a Argentina de Carlos Saul Menem, Zulema, Zulemita e o Menemito assassinado pelos “sócios” do presidente no tráfico de armas. Governo criminalizado, suspeita ampla geral e irrestrita, indícios de corrupção por todos os lados, duas operações federais de investigação em andamento simultâneo, relações carnais com o Banco Mundial e as transnacionais, dissidência dentro do Executivo (ela e o vice-governador empresário e consultor, Paulo Afonso Feijó) e, por fim, uma base política que custa caro e barganha duro.

O pior de tudo é que talvez nem venham a cair. Talvez ela perca todos os seus anéis e alguns dedos, mas restará a mão grande e algum capital pessoal. Vide o ex-governador Antônio Britto, o último governante a não ter pudor em desmontar o Estado rio-grandense e – ainda por recusado no Grêmio de seu amigo Paulo Odone – transita por conselhos de administração e diretorias de empresas de grande porte.

Porque Yeda não cai? Variáveis de possibilidades daqui para frente.

Para não me esquivar na análise, numero quatro fatores os quais considero de relevância para analisar a conjuntura política do estado.

Primeiro – Hoje Yeda só cai se o governo central ajudar a empurrar. A desconfiança na esquerda reformista gaúcha é grande demais para ultrapassar o marco do protesto episódico. Isto porque no ano passado se negociou muito durante a CPI do DETRAN-RS, atirando a indignação social para a acumulação política de 5ª categoria. A polarização eleitoral joga para trás as esperanças de ver uma solução de tipo pueblada.

Segundo – A base social mobilizada no Rio Grande tem quantidade de gente – força material e de recursos – o suficiente para levar adiante uma luta quase de tipo cívica contra os desmandos do neoliberalismo no estado. Não o faz pelo mesmo motivo que a guerrilha salvadorenha (FMLN) assinou um acordo de paz sem modificar nada da realidade de seu país e com empate militar. Aqui não se faz por que há derrota ideológica dos dirigentes e dos quadros médios.

Terceiro – Quem está derrubando governos estaduais eleitos por pequena margem de votos e suspeitas de corrupção é o PMDB de Sarney. Quem pode puxar o tapete de Yeda é seu escudeiro indireto, senador Pedro Simon (PMDB). Os detentores de provas materiais contra ela são aliados políticos que se sentira traídos e abandonados no mundo dos negócios ilícitos de Estado. Lair Ferst se tem provas em seu poder, as guardará como seguro de vida e garantias de barganhas futuras. Ou alguém de dentro de órgão repressor da União “vaza” alguma prova irrefutável, ou ficamos no dilema: – “Sem Fiat Elba ninguém derruba o portão da Casa da Dinda!”

Quarto – Para quem milita, o brete está montado. Questionados em sua legitimidade, tanto pela mídia corporativa do pago como pelos operadores políticos profissionais – como nas declarações do PPS-RS de hoje e na nota pública do PSDB daqui – os dirigentes ELEITOS dos sindicatos de servidores públicos não podem entregar a energia militante para acumular apenas na corrida jogatina eleitoral do ano que vem. Por fim, a esquerda social gaúcha, os movimentos populares e os sindicatos de servidores públicos têm pouca ou nenhuma alternativa a não ser garantir o nível de conflito e bater uma vez por semana, ou no máximo uma vez por quinzena, no Executivo encastelado no Centro Administrativo.

Comentário final

Definitivamente em um estado brasileiro com tradição no trabalho formal, uma economia que ainda em sendo privatizada é coalhada de servidores públicos, aqui é difícil, quase impossível emplacar uma estratificação de classes. O choque se dá quando uma nova fração de elite dirigente ascende ao poder provincial e não se dá conta que não é de confiança da classe dominante e dos capitais transnacionais aos quais pretendem servir. O capitalismo brasileiro e latino-americano teme aos tecnocratas mais até do que a uma esquerda (centro-esquerda na verdade) com péssimos hábitos de ser “bem comportada” e aplicar um co-governo não classista. A precarização dos serviços públicos no estado, ainda que de forma corporativa, sofrerá resistência de diversas ordens. O que se viu hoje foi um exemplo material disso.

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