15 de abril de 2016, Bruno Lima Rocha
Este texto é mais uma reflexão em conjunto do que necessariamente numa análise de conjuntura. Trago a proposta de que deixemos de lado os cânones da democracia liberal e de procedimentos e tampouco venhamos a cair na cegueira política de que o econômico determina ou qualquer outra forma de pensar a disputa de poder, recursos e legitimidade no Brasil que não seja de uma forma complexa. Ou seja, fazer política na sociedade brasileira ganhou maturidade no mecanismo democrático formal, mas em sendo no Brasil e na América Latina, e em sendo a limitada disputa de poder dentro de um marco de capitalismo liberal-periférico, como sociedade, temos limitações quanto a profundidade desta disputa.
Definitivamente não se pode “acusar” o atual governo e menos ainda o fenômeno já tão estudado do lulismo de haver acirrado a luta de classes, a luta popular ou qualquer tensão entre classes e povo no Brasil para com o andar de cima. Muito pelo contrário, insisto que se eu fosse de direita, seu eu fosse líder empresarial, só votaria em Lula, bancaria as campanhas do Campo Majoritário (o nome mudou, mas o conceito e o bloco de hegemonia interna no PT são os mesmos) e apoiaria o jogo do ganha-ganha do governo. O problema reside justamente aí. Após 14 anos à frente do Poder Executivo, sentado em cima de mais de 40% do PIB do Brasil, ou seja, de quase a metade da 10ª economia do mundo (por cálculos de aproximação), os governos petistas aumentaram pouco ou nada o poder político das classes populares no Brasil.
Se por um lado melhorou – e em proporções consideráveis – nosso padrão de vida, por outro, o tipo de aliança desacumulou as forças políticas que levaram o PT ao governo e Lula à Presidência de uma maneira tão estrondosa que ele conseguiu indicar a sucessora e esta se reelegeu. Não se trata de manual de política ou radicalidade livresca, mas o fato inequívoco é que não se pode governar com a direita a não ser que este governo realmente faça a escolha do co-governo sob pressão das bases sociais, ameaçando ao andar de cima que toda a casa pode vir a cair caso o “líder carismático” use de seu poder de convocatória à frente do Estado Nacional para, em nome do povo, manipular as vontades das maiorias de modo a assegurar conquistas e colocar contra a parede os setores anti-nacionais, sejam eles chamados de entreguistas, vende pátria, coxinha, gorila ou vira-lata. Isso é literalmente o que o chavismo faz na Venezuela, com ou sem Chávez e o que Perón fez na Argentina, sendo que no país vizinho, o peronismo que é ainda reivindicável é sem Perón e talvez com Evita.
Assim o que houve de alguma ousadia no sentido de “desagradar” o andar de cima do Brasil e seus sócios majoritários no exterior, tal como desagradar a agenda da embaixada dos EUA para nossa política interna, se houve algo minimamente interessante foi a chamada Nova Matriz Econômica, levada a cabo pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega (execrado na virada do primeiro para o segundo governo de Dilma Rousseff) e antes na brevíssima passagem à frente do BNDES do professor Carlos Lessa. Ou seja, no Brasil, basta ser keynesiano que a estupidez da direita e o pânico da ex-esquerda já o tornam uma pessoa “perigosa” para o pacto de classes. Este pacto foi rompido porque, desconhecendo as regras mais simples da política, o lulismo (com Lula e agora Dilma à frente, incluindo os dirigentes de primeiro escalão do PT, com José Dirceu e Antônio Palocci incluídos), não havia nenhuma forma de coação ou poder de veto popular para as tentativas de golpe de uma direita brasileira cujo agente econômico nem sequer é ou consegue ser nacionalista.
Todo estudante de primeiro semestre de política sabe que qualquer contrato tem cláusula de rompimento; que acordo se cumpre e pacto se fia no fio da espada. “O pacto sem uma espada afiada não passa de perigosa conversa fiada.” Pois assim que, acreditando no próprio engodo, o lulismo, o trabalhismo e os ex-stalinistas, formatados em uma espécie híbrida de neo-varguismo do século XXI, fizeram tudo ao contrário do que deveriam no sentido de assegurar e ampliar o poder organizado do povo diante das elites de tipo colonial-burguês.
Não dá para admitir do ponto de vista lógico e menos ainda estratégico este tipo de falta de atenção. Isso só pode ser respondido interpretando ideologicamente o tipo de mentalidade de não conflito que nasce no reformismo mais brando e vai ganhando terreno no sentido de crença de uma ex-esquerda que precisa acreditar em algo infundado, como o pacto de classes com quem é classe dominante no Brasil, mas subserviente aos EUA e aos países anglo-saxões e europeus em escala mundo, e aqui no país não quer abrir mão de nada ou quase nada. Não adianta afirmar que eles – a direita econômica e ideológica – é irracional porque sua racionalidade é de outra ordem. O problema continua sendo, talvez, na subestimação da categoria ideologia como fator explicativo para o comportamento dos agentes (políticos e econômicos) e, dentro desta categoria, o papel das indústrias de mídia para gerar os polos de debate e marcar o senso comum. Pesquisa para isso não falta, o que falta é mentalidade estratégica mesmo.
Fico muito à vontade para fazer esta crítica, pois estou organizado em um setor bem mais à esquerda e pleno de democracia interna. Assim, não caímos nem na tentação conciliadora e tampouco na autoritária. Mas, ter razão política é pouco diante do desafio que está pela frente. A queda do lulismo vai implicar o aval para a ex-base aliada fazer sem pudor ou vergonha o que vinha executando a conta-gotas desde a reeleição de Dilma. Aplicava políticas regressivas até porque o austericídio vinha do Palácio do Planalto, governando com as políticas do adversário e sob a batuta do Chicago Boy do Bradesco (Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda, agora no Banco Mundial, um posto de premiação por seus serviços ); uma vez consumado o golpe paraguaio, vão aplicar um rolo compressor para aprovar o pacote de leis regressivas que retiram nossos direitos em todos os níveis em plena “democracia” liberal de procedimentos.
Vale ao menos a lição de que não se pode confiar de forma alguma no inimigo de classe e menos ainda delegar a representação e a condução política para elites de dirigentes profissionais que viraram o fio da luta popular preferindo o pacto do mal menor a tentar exercer o poder para e em nome da maioria.
[…] Fonte: O golpe em andamento no Brasil e a incapacidade do poder de veto popular […]