Ricardo Camera, maio de 2016

Da Liberdade ao sonífero – Lava Jato, o 11 de setembro brasileiro.

Mais uma vez na ficção, em Guerra nas Estrelas 3 – A Vingança dos Sith, de George Lucas, a senadora Padmé Amidala, pasma com o fato do Senado Intergaláctico ter oficializado o Império do chanceler Palpatine – secretamente um maligno Sith – golpe à República Galáctica, Padmé declara o que ecoa em nossas mentes na realidade atual, “É assim que a liberdade morre. Com um estrondoso aplauso”.

A ficção se converge em realidade quando verificamos o efeito populista da operação Lava Jato, cuja qual revelou um monstruoso esquema de corrupção entre os principais partidos governistas e, inclusive, da oposição. Traumática foi a experiência pública de assistir cotidianamente os noticiários; notemos, no entanto, que esses grandes traumas públicos, aproveitados pela mídia sensacionalista, vem acompanhado de um tipo de calmante invisível, de modo que funcione como um placebo ideológico às massas, visto que a mesma Ordem exposta nesse ensaio permanecerá no dia seguinte a Lava Jato e ao Impeachment de Dilma Rousseff.

Quando o coro repete que o país está sendo higienizado e pede para que o brasileiro acorde – enquanto a estruturação tributária e orçamentária obscena permanece sólida – é precisamente nesse momento que todos se encontram no mais profundo sono, embalado pelo sonífero diário da “novelização seletiva” das investigações de corrupção; o derradeiro sinal se encontra nas pautas políticas prontas para serem aprovadas pelo Congresso Nacional; o projeto de lei de autonomia administrativa do Banco Central, a privatização de setores estratégicos para o país e a mudança no regime de partilha das reservas de Petróleo, além da solvência das leis trabalhistas em um país cuja renda ainda se configura como predominantemente baixa, somado a alta desigualdade social, fatos que ocorrem ante a catatonia da sociedade brasileira.

Os acontecimentos que vieram após os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos são exemplos para demonstrar a eficácia do placebo ideológico introduzido logo em seguida de grandes traumas públicos, efeito semelhante sentido pelos brasileiros após o trauma provocado pelas revelações da operação Lava jato:

Seguindo essa lógica, deve-se então arriscar a tese de que, longe de arrancar os EUA de seu sono ideológico, o 11 de Setembro foi usado como o sedativo que permitiu à ideologia dominante “renormalizar-se”: o período que se seguiu à Guerra do Vietnã foi um longo trauma para a ideologia hegemônica – que foi obrigada a se defender de dúvidas críticas, os vermes que a roíam continuamente não podiam ser eliminados, toda volta à inocência era sentida como uma fraude… Até o dia 11 de setembro, quando os EUA foram a vítima, e portanto puderam reafirmar a inocência de sua missão. Em resumo, longe de acordar os EUA, o 11 de Setembro nos fez dormir outra vez, continuar nosso sonho depois do pesadelo das últimas década.” Aqui, a ironia última é que, a fim de restaurar a inocência do patriotismo americano, o establishment conservador americano mobilizou o principal ingrediente da ideologia politicamente correta que ele oficialmente despreza: a lógica da vitimização. Apoiando-se na ideia de que a autoridade é conferida (apenas) aos que falam da posição de vítima, ele se baseava no seguinte raciocínio implícito: “Agora nós somos as vítimas, e é isso que legitima o fato de falarmos (e agirmos) de uma posição de autoridade”. Assim, quando se ouve hoje o slogan de que terminou o sonho liberal da década de 1990, que, com os ataques ao WTC, fomos violentamente atirados de volta ao mundo real, que acabaram os tranquilos jogos intelectuais, devemos nos lembrar de que esse chamado ao enfrentamento da dura realidade é ideologia em estado puro. O slogan de hoje, “Americanos, acordem!”, é uma lembrança distante do grito de Hitler, “Deutschland, erwache!”, que, como Adorno escreveu há muito tempo, significava exatamente o contrário. Então, o que estamos deixando de ver quando sonhamos o sonho da “guerra ao terror”?”  Žižek, Slavoj – Bem Vindo ao Deserto do Real, 2003, Boitempo.

Pela lógica do filósofo Esloveno, o que estamos deixando de ver com o discurso mistificado de combate a corrupção, ódio político generalizado e crime ou não-crime de responsabilidade fiscal da Presidência é a própria Ordem estabelecida enquanto fundamento basilar do Caos sublime brasileiro. Estamos deixando de ver que o Brasil foi minuciosamente programado para assim aperar, e as mudanças eventuais, casuístas, se fazem mantenedoras do mais vil Status Quo.

Ricardo Camera é graduando de relações internacionais da Unisinos – ricajc@hotmail.com

 

 

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