15 de julho de 2016, Bruno Lima Rocha
O Brasil vive um momento de governo interino ou golpista – entendo que é um golpe branco, midiático e semi-parlamentarista – onde o papel da mídia foi preponderante junto aos estamentos do aparelho judiciário, do Ministério Público e policial (delegados federais). Como é sabido hoje, o Projeto Pontes, iniciativa da representação diplomática dos Estados Unidos (EUA), tentando – e conseguindo – se aproximar de elementos-chave da Justiça Federal, do Ministério Público Federal e policiais federais (com ênfase em delegados) e centrando o trabalho em Curitiba conforme revelado pelo Wikileaks (ver link: https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA1282_a.html). A produção de comunicação mediada, forçando os conglomerados de comunicação a entrarem em sintonia com as operações, incluindo a narrativa de folhetim e o clima de incerteza permanente sobre os tomadores de decisão do país, fez o peso político da hegemonia interna transitar de uma frágil governabilidade de centro-esquerda com aliados oligárquicos, conservadores e mercenários, para um discurso difuso, udenista e que tomava Sérgio Moro como herói vivo, redentor do país. Ponto para a ação diplomática e os enlaces sociais da inteligência dos EUA, mesmo que atuando de forma indireta e dentro dos limites da lei existente.
A exposição seletiva e a punição discricionária têm como pilar um alinhamento do imaginário coletivo do brasileiro médio – de classe média alta e alta – com o ideário dos Estados Unidos. Esta projeção de representações coletivas, como se estivéssemos fazendo política no Brasil a partir das posições estadunidenses, vem reforçada com a enorme exposição aos canais por assinatura via satélite e a própria internet. A força dos conglomerados de mídia, e especificamente a pauta dos debates marcada pela Globonews, reforçam tanto o viralatismo (complexo de inferioridade da elite brasileira) como o entreguismo (entrega de nosso patrimônio estratégico ao capital transnacional).
Os embates midiáticos e a guerra de versões em temas da política nacional se tornaram uma constante. Ao contrário do que possa interpretar uma leitura rasteira ou vulgar das relações de força, a mídia opera sobre o senso comum sendo item fundamental para a chamada guerra de 4ª geração. Nosso país é, visivelmente, alvo de uma operação muito bem orquestrada, onde incide a ação de mídia e marketing digital, coadunadas com a “cobertura” dos grandes veículos de comunicação aberta, em especial os três maiores conglomerados: O Globo, Estadão e Folha.
A cultura do luxo, o universo individual marcado por bens de consumo embalados em suporte simbólico estadunidense e a mundialização roubaram corações e mentes, reforçando estereótipos e terminando por brincar com a apropriação cultural. Imitamos quem nos domina sem mimetizar a oposição interna dos próprios sistemas simbólicos e culturais desafiando o dominador em seu próprio território. Este constructo pode arranhar a hipótese do porque a presença de Barack Hussein Obama não ter convertido em um amplo movimento de autoestima africana no Brasil.
O novo arranjo geopolítico do planeta não tem estrutura midiática de suporte
Em termos de projeção de poder dos BRICS – o bloco informal composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – a guerra midiática é sofrível, sendo devastadora a ação dos grupos de mídia pró-EUA. A inteligência é uma arma de uso permanente das embaixadas com interesses em países com possibilidade de acúmulo de força no Sistema Internacional (SI). De forma indireta e através da ampliação das redes cibernéticas, as TVs internacionais via satélite se tornam uma ferramenta comum – como o ato de presença clássico dos grupos operacionais -, agindo sobre amplos setores da sociedade e, em última análise, agindo de acordo com o governo do país que a apoia, ou ao menos reforçando a política de um relevante setor político deste país.
Logo, a intenção das TVs internacionais é tentar abrir cunhas e vínculos diretos com importantes setores de audiência de nossos países – no caso, latino-americanos – atuando diretamente na formação de escolhas e influências. Na área de inteligência, tais operações estão na rubrica de operações psicológicas, psicossociais na tradição brasileira, também conhecidas como de tipo “corações e mentes”. No caso brasileiro, a situação é paradoxal. Influencia mais uma rede em inglês, como a CNN, do que redes que transmitem em castelhano, como a RT em espanhol.
O desafio é abissal, pois a mentalidade mediana do país – a que hegemoniza o consenso forjado em termos políticos e culturais – nos coloca de costas para os países vizinhos latino-americanos, assim como de costas ao Oceano Atlântico, logo, distante da África, mesmo dos países de língua portuguesa, como Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial e São Tomé e Príncipe. Enfim, quanto mais distantes da América Latina e dos países africanos, mais distantes ficaremos de nós mesmos, reforçando o dominante (EUA), dentro do universo simbólico daqui, gerando assim uma dupla ou tripla lealdade, associando a defesa da maioria como usurpação de um limitado poder concedido pela democracia representativa.
As TVs dos países dos BRICS, assim como suas mídias complementares, não obtiveram êxito em fortalecer tanto a resistência contra o golpe e menos ainda uma agenda do contra-golpe. Infelizmente, ao não penetrarem na sociedade brasileira, tais canais não chegam a fazer nenhum dano severo ao imperialismo cultural e jornalístico.