Bruno Lima Rocha, 26 de agosto de 2016
Findas as Olimpíadas, o Brasil retoma sua rotina de crise política e isolamento do conflito em sua esfera institucional. No modelo jabuticaba de governabilidade, a maioria política é a condição do exercício do governo de fato, mesmo que quando eleito ou eleita, a governante tenha de ser sancionada pelo escrutínio popular. Logo, na coação desta garantia de maioria parlamentar e em pleno tribunal de exceção, o Senado da república se assemelha ao Senado romano, onde os magistrados e tribunos são plenipotenciários e fazem o que querem, ou quase.
A manhã de 26 de agosto de 2016, na sessão especial do julgamento do Senado presidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Ricardo Lewandowski, demonstrou a ruptura entre a oligarquia e a ex-esquerda. Ao definir o andamento do processo de impeachment, o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), definiu o mesmo como “um hospício” e na sequência afirmou que fez pressão e intermediou a retirada do indiciamento da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e de seu marido, o ex-ministro das Comunicações e do Planejamento, Paulo Bernardo.
Neste texto, aponto a dimensão substantiva do equívoco da proposta de realizar uma aliança de classes com uma classe dominante que só quer dominar internamente e abrir mão da disputa de poder no Sistema Internacional. Sem a direita nacionalista, o projeto de poder da ex-esquerda revelara-se uma casca vazia. A escolha do vice-presidente eleito e reeleito é a prova cabal desta aliança absurda que se propôs a trair em nome de ambição desenfreada e apetite insaciável.
Na sessão do Hospício do Senado Federal, aponto a seguinte assertiva: “Quando os keynesianos e pós-keynesianos são de “esquerda”, é porque a direita é muito dominante!”
Podemos ter noção do abismo entre a proposta da aliança e o exercício político da mesma quando do depoimento de uma das sumidades da economia política brasileira. Em 26 de agosto, a marcha dos debates se arrastava na tarde da Câmara Alta e revisora da nação. Afirmar o sistema de crenças neoliberal é um atalho para o desmonte do aparelho de Estado como intermediário das relações sociais. Isso, em termos econômicos, é muito perigoso. Tal insensatez alegada por Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular de economia da Unicamp, na sessão do Senado parece encontrar uma parede vazia de frente ao “informante”. Não adianta apelar para um acórdão de elites ou uma espécie de Estado Maior de concertação e coordenação do capital. O ajuste do austericídio praticado pela presidente Dilma Rousseff no início do seu segundo mandato foi exatamente o que pregoava o adversário derrotado. Logo, em tese, deveria haver sido elogiado pelos ultra liberais e oportunistas de sempre. Deu-se o oposto.
Contradição explícita, ouvidos de mercador pelos senadores golpistas. Na sequência, retomaram a alegação de que o financiamento do Plano Safra com juros subsidiados foi uma operação ilegal segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Ora, criminalizar o financiamento do capital através do Estado ou é a liquidação absoluta do aparelho de Estado ou então é uma nova hegemonia, esta sim, popular e bem à esquerda. O que ocorre é a aposta entreguista na primeira hipótese – desmontar tudo ou quase tudo, doa a quem doer.
Na sequência, duas falas de senadores me chamaram a atenção. O senador Capiberibe (AP-PSB) traçou a profecia da desgraça anunciada. O que será feito dos mais de 30 milhões de pessoas que tiveram mobilidade social? Possivelmente estamos retornando não apenas a um período recessivo, mas de clima de fim de festa e retorno ao passado recente distópico. O senador Armando Monteiro (PE-PTB) marcou a hipótese de fim da concertação de classes. Os golpistas estão apostando no caos completo e abandonando qualquer possibilidade de sobrevivência do Estado desenvolvimentista, ainda que no modelo liberal-periférico.
Como o mapa político-ideológico brasileiro hoje é pautado pelos posicionamentos estadunidenses, estamos de volta aos tempos dos Chicago Boys chegando ao poder, só que pela via da internet, como parte de uma nova elite dirigente arrivista, ao lado de paladinos liberais de toga e promotores. Armando Monteiro chama, conclama novamente à concertação de classes, na defesa do “empresariado brasileiro”. A profecia de Monteiro é muito assertiva, e de fato estamos a caminho das expectativas anunciadas do caos bombardeado como verdade, e não como fato.
Repito o caminho das ilusões: se ilude quem aposta em alguma via de soberania nacional através de aliança com o capital brasileiro, sendo que a burguesia restante aqui presente sequer é nacionalista, sequer vê o país como “seu”. Igualmente, se ilude quem aponta ser possível um grande pacto de classes conclamando “a razão de governabilidade” ou “ação anti insensatez”, como proclama Belluzzo na Mesa do Senado. Estão literalmente criminalizando a política nacional, e blindando a economia como área única e pura, onde a “contaminação da política” inibe a iniciativa individual. Essas balelas e outros absurdos semelhantes, podem não ter efeito concreto, mas como arma de publicidade da direita entreguista têm uma difusão devastadora.
Para concluir a apelação para a “racionalidade responsável”, o senador Requião (PMDB-PR) apontou a farsa estruturante do hospício político brasileiro e seu suporte midiático. “O ajuste fiscal se transforma em acusação de criminalidade como motivador jurídico para cassar a presidente reeleita!”
Quem aposta na aliança com partes da direita, morre afogado de braços dados com ela (tal como em 1954 e 1964), ou então morre com uma faca cravada pelas costas por esta, tal como está ocorrendo neste exato momento.
A busca incessante por uma direita econômica e empresarial que seja nacionalista
O professor de economia Luiz Gonzaga Belluzzo deu uma aula de economia política no Senado, quando falou como “informante”, em 26 de agosto de 2016. O problema é sempre de premissa, contando com uma teoria modernizante sem burguesia nacional à altura do crescimento capitalista tardio. O problema é mais complexo; a direita empresarial é nacionalista, quando é, apenas por coerção ou conveniência. Ele mesmo citou a boa impressão que o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) deixou nos mandarins chineses no início da Era Deng. E depois, sem nenhuma coincidência, a própria FIESP pula fora do planejamento nacional. Ou seja, o entreguismo e a condição vira-lata da direita econômica é estruturalmente ideológica, embora profundamente ignorante. Em termos de debate, a postura dos financistas e neoliberais é vergonhosa mesmo dentro de um patamar conservador. O que Belluzzo falou no Senado é conteúdo de 3o semestre de Relações Internacionais e nem assim “convence”. Que horror….
Definitivamente a projeção imaginária da burguesia nacionalista se provou um pesadelo distópico. O golpe foi orquestrado, em sua etapa final, pelas federações empresariais. Para quem acredita em “burguesia nacional progressista”, “empresariado do bismarckismo tropical” ou outras projeções imaginárias de uma classe dominante que não existe, eis outra prova cabal – mais uma em centenas destas – que aliança de classes no Brasil é apenas por coerção. É a parábola do sapo e do escorpião. Diante da ausência de projeção de poder no Sistema Internacional, o empresariado brasileiro ajudou a virar a mesa destituindo o governo que mais o favoreceu na história do Brasil.
A dimensão substantiva do golpe
Para alegria do Império e danação dos brasileiros, a conta do golpe vai ser muito salgada. A dimensão substantiva do golpe em andamento – PPPs para hospitais e presídios, já são mais de 600 mil famílias descredenciadas do Bolsa Família (em tese, elas mudaram de faixa de renda, mas com a recessão, podem voltar e não terão como e quem ampará-las), “reforma” da Previdência, PPPs no saneamento, creches (rede de pré-escolas); enfim, a rede de proteção social será invertida completamente como um novo modelo de negócios em expansão.
Esta é a conta da aventura do golpe com apelido de impeachment. A ex-esquerda foi muito à direita, dando margem para, sem serviço de inteligência por cima, aparato de mídia ou a correspondente mobilização popular, ficar entregue para a puxada de tapete dos oligarcas e dos partidos que perderam na urna por quatro eleições consecutivas.
Washington ri à toa, sem dar nenhum tiro, sem desembarque de Marines, sem ameaçar com porta-aviões, sem operações clandestinas violentas. John Kerry agradece, Hillary também.
O latifúndio vai salvar o lulismo?
Quando a direita nacional é a tábua de salvação da ex-esquerda, é porque somos de fato dominados por uma camarilha de colonizados. Eu li e jurei que estava vendo uma miragem, mas sim, parece que há uma ínfima parcela de empresários-políticos brasileiros com dilemas de consciência. A última salvação do governo de centro-direita e com verniz de algum nacionalismo seria esta liderança empresarial que entendeu o projeto lulista como o maior defensor do capitalismo brasileiro em todos os setores. A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), parece que não desiste, e aponta para a virada no Plenário do Senado. Independente de eu julgar que estamos diante de um golpe branco à moda paraguaia, especulo que seja blefe da ex-líder da Confederação Nacional da Agricultura. Será que o latifúndio salvaria o lulismo?
Apontando conclusões nos argumentos contraditórios
Desde quando oligarcas exigem compromisso entre discurso de palanque e prática no Poder Executivo?! Tem muita gente, muita gente, afirmando que a presidente Dilma Rousseff cometera estelionato eleitoral. Dilma foi à reeleição de forma quase plebiscitária e derrotou o adversário através de um acirramento aparentemente ideológico. Daí, logo no ano de 2014, convocou um Chicago Boy para estar á frente da Fazenda e começou sua desgraça recente. Isso é estelionato, perfeito. Mas, convenhamos. A oligarquia brasileira e as elites dirigentes e mesmo os setores do empresariado e dos financistas QUEREM UMA DEMOCRACIA ONDE O COMPROMISSO QUEBRADO PODE RETIRAR O DIREITO DO EXERCÍCIO DE MANDATO?
Essa gente não quer isso, nunca quis, a não ser quando a democracia era censitária. Aí sim, na minúscula democracia inglesa, o mandato era imperativo, mas o colégio eleitoral era mínimo e só para comerciantes, nobres e todos os votantes e elegíveis, homens. Quando a democracia é massiva e o direito político está vinculado ao compromisso pronunciado publicamente, isso é uma democracia semi-direta. Ou seja, o horror dos representantes profissionais, o terror dos setores dominantes que praticam a sobre-representação (representam a si mesmos).
Eu adoraria ver regras de compromisso no Brasil, mas definitivamente, nem os golpistas e tampouco a ex-esquerda quer uma democracia sob o controle popular com mecanismos de tipo participativo ou direto. Ou querem?