28 de novembro de 2009 , da Vila Setembrina, por Bruno Lima Rocha
Há uma semana, na tarde da sexta, dia 20 de novembro (data do martírio de Zumbi dos Palmares e da consciência negra) o maior sindicato do Rio Grande organizava mais uma assembléia. Os trabalhadores em educação afiliados ao CPERS Sindicato reuniram-se no Gigantinho para, essencialmente, afirmar a vontade da categoria de negar os projetos apresentados em regime de urgência pelo governo estadual ao findar das luzes do conturbado ano de 2009.
O que está em jogo e as prerrogativas do Banco Mundial
Ambos os projetos, a PEC 200/09 (que altera a constituição estadual, portanto, é inconstitucional) e o PLC 335/09 (projeto de lei complementar), em essência, alteram os direitos adquiridos pelos trabalhadores do serviço público e instaura um modelo de administração de tipo empresa privada. Em última circunstância, se instaura uma competitividade por suposta meritocracia. A avaliação destes itens – mérito e produtividade – passa, por obviedade – pelo aumento da incidência dos valores gerencialistas na administração do aparelho de Estado. Ou seja, alegando combater o insulamento e autonomia burocrática, retira o poder da ação coletiva de tipo sindical e reforça a ambição de tipo pessoal e individualista.
Não por acaso que há protestos unificados marcados pelo Fórum dos Servidores Públicos Estaduais e a agenda de atividades e pressão na “mui nobre, leal e valorosa” Assembléia Legislativa do RS é permanente. Na verdade, a responsabilidade política passa, necessariamente, pelo neoliberalismo selvagem que grassa no Piratini sob a batuta da economista neoclássica Yeda Rorato Crusius, mas não só. No “Parlamento Gaúcho” aprovou-se – e por unanimidade, com votos de “esquerda” incluída – o projeto do acordo e empréstimo junto ao Grupo Banco Mundial (BM). Ou seja, lá onde se pressiona e se culpa pelas mazelas a maioria folgada de Yeda e Cia. (incluídos todos os processados e denunciados nas Operações Rodin e Solidária) também há de se responsabilizar a oposição do pago (situação no Planalto) que aprovara as designações do Secretário do Tesouro Nacional (comandada por Arno Augustin, um petista e ex-secretário da Fazenda de Olívio Dutra). Na linguagem da lida política, essa conta tem nome, recibo e CPF, e é destinada à oposição de meia boca e o canto da sereia repetido mil vezes na vinculação entre bancadas e bases sindicais. Mas, com ou sem recibos de responsabilidade política, a situação limite se aproxima no pago.
O problema é de fundo e ultrapassa o poder discricionário de Yeda e seus assessores. Os estados membros têm endividamentos estruturais com a União. Este nível de governo, de sua parte, não alivia os prazos e alongamentos e nem sequer arrisca uma espécie de escambo das dívidas. Mas, ao mesmo tempo em que governa sob a caneta do Conselho de Política Monetária (Copom), permite o re-endividamento externo das unidades e dos níveis de governo sub-nacionais. Resultado: alivia-se junto ao FMI e entra em cena o Banco Mundial. Já os estados, ao invés de cobrar os caloteiros da dívida ativa (cujos maiores devedores no caso gaúcho já equivalem ao montante do contrato junto ao BM), alongam a sua dívida com a União (pondo um elo estrangeiro em problemas de ordem nacional) e aproveitam o constrangimento do contrato para impor aos seus cidadãos as prerrogativas de sempre.
As prerrogativas, além de quebrar a Lei quando esta manifesta a garantia textual dos direitos adquiridos, é jogar na vala comum a necessidade dos capitais e seus operadores político-ideológicos de quebrar barreiras e custos e, ao mesmo tempo, transferir renda de baixo para cima. No caso da meritocracia, é a premissa mais que falsa. As promoções por tempo de serviço e por qualificação, não quebram em essência um pacto de lealdade que deve existir entre companheiros de trabalho. Esta é a cultura política que no nível social fortalece a concepção sindical em contra a pretensão do empresariado de universalizar os pontos de vista neoliberais. No que diz respeito ao Estado, este no exercício do serviço público, é a ponta de lança para os que querem abocanhar e re-desenho institucional e produtivo no estado rio-grandense.
Apontando conclusões apesar dos temporais
É isso o que está em jogo no RS e, em maior escala, em diversos estados do país. Essa contenda ultrapassa a dicotomia entre Serra e a sucessora de Lula ou de qualquer candidatura a governo de turno. Trata-se da projeção de 30 anos para a forma de vida e gestão dos quase 11 milhões de gaúchos e, para desgraça maior, o modelo de novo endividamento se repete por estados e municípios, tucanos ou não.
Concluo retornando à sexta dia 20 de novembro e indo na projeção do curtíssimo prazo das lutas e embates que virão. Entendo ser necessário que as lideranças e direções sindicais compreenderem que o momento aponta para a necessária demonstração de esforços extras. Além disto, há que reforçar a humildade no trato com os afiliados de base e um senso tático para não permitir a aprovação na forma de Lei das prerrogativas acordadas entre os neoliberais do pago e as “consultorias” do BM que aqui irão, de fato, governar a partir do controle do caixa estadual.
Ainda resta um pouco de energia neste ano e, modestamente compreendo que, esta deve ser aplicada na defesa do interesse estratégico. Não se pode jamais esquecer que, das bandas do Piratini e da Rua Araruama, de tudo se pode esperar.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do jornalista santa-mariense Claudemir Pereira