Momentos como o Fora Collor, em 1992, poderiam marcar uma etapa de acumulação de forças na concepção da democracia direta. Não foi o que ocorreu, ganhando mais peso uma visão republicana do que uma mentalidade de câmbio.  - Foto:redeimprensalivre
Momentos como o Fora Collor, em 1992, poderiam marcar uma etapa de acumulação de forças na concepção da democracia direta. Não foi o que ocorreu, ganhando mais peso uma visão republicana do que uma mentalidade de câmbio.
Foto:redeimprensalivre

1º de abril de 2010, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha

Nesta longa série, onde abordo os dilemas e perspectivas de uma forma de organização política por fora do jogo eleitoral do tipo democrático-burguês, já passei por distintas abordagens. Partindo das definições de democracia, do tipo de militante polifuncional necessário para este formato de associação voluntária, do conceito de círculos concêntricos e de níveis de compromisso até chegar à acumulação de forças propriamente dita e nas antecipações de prováveis e até inevitáveis ações de repressão estatal ou para-estatal. Sigo neste debate, definindo para além da falsa dicotomia entre democracia liberal com economia capitalista subordinada como oposição natural aos regimes de exceção, incluindo aqueles que gerem economias estatizantes ou planificadas.

Superando as falsas dicotomias

Portanto, reconhecemos que a primeira etapa a ser alcançada para as soluções de fundo está na percepção desta descrença aplicada no regime democrático de direito. Isso não significa uma dicotomia do tipo: A favor da democracia X Contra a democracia; ou; Pelo regime democrático X A favor do regime autoritário.

Tem sim o significado que este processo de descrença aponte para uma relação tática com o regime da legalidade jurídica vigente. Deste modo, os mecanismos de representação indireta (como as eleições para o Executivo e o Legislativo) não serviriam mais de escape e amortecimento para os conflitos e demandas de fundo. Ou seja, àquelas as quais seria necessário repactuar a sociedade para contemplar as reivindicações e apontar um modelo exeqüível de ordenação social.

A hipótese de ruptura se dá justo quando estas pautas são legítimas e legitimadas por amplos setores representativos de maiorias e não há exeqüibilidade dentro do pacto poliárquico existente. O atual caso da Venezuela, considerando o estallido do Caracazo de 1989, como ponto de fratura dos acordos entre elites políticas e eleitorado pode ser um bom exemplo desta condição social. A distinção é que naquele momento, não havia lideranças políticas carismáticas ou organizações políticas inseridas em amplos movimentos sociais com expressões de massa aptos a canalizar a rebeldia que de latente, transformou-se em rebelião física e em atentados contra o patrimônio privado e os bens simbólicos da ordem então existente. Em outra etapa da luta latino-americana, um processo devidamente capitalizado por forças sociais e políticas organizadas se na chamada Guerra do Gás, na Bolívia ainda governada por Sanchez de Losada (2002-2003), o peculiar ex-presidente que mal falava castelhano.

Um possível e factível cenário para o desenvolvimento deste tipo de organização

No caso específico da América Latina, área de abrangência máxima possível das generalizações desta série, o tema do desenvolvimento independente é uma pré-condição programática para qualquer processo de ruptura e também é gerador de uma sociedade com eficientes indicadores sociais. A partir destas condições, pode ser gerador de uma democracia com participação mais substantiva. Portanto é considerado tão estratégico como o tipo de regime e sistema econômico do país. Não há determinação de importância entre o que deve preponderar, se um país com autodeterminação ou a forma institucional – regime político, sistema político e sistema econômico, modo de produção econômico – sob a qual esta independência vai ser alcançada. Parto da premissa normativa que um não deve existir sem o outro. Assim, não há dicotomia entre desenvolvimento econômico e social e amplo grau de liberdade e participação política.

Para esta meta conjunta intervém a modelagem de organização a qual o texto se dedica. Tais premissas são para o modelo hipotético (ampliado) de partido de quadros. Definindo, um partido ou organização política que tenha critérios mínimos de ingresso, não tenha filiação aberta e uma escala de deveres e responsabilidades internas diferenciada. Este partido, em sua modelagem, tem a intenção de ruptura no longo prazo com a ordem constituída e a definição de uma sociedade de desenvolvimento econômico autóctone, base distributivista, garantia das liberdades políticas e dos direitos individuais.

Apontamos assim duas condições estruturais necessárias para uma possível alteração da ordem constituída (legal e no jogo real):

– a compreensão das maiorias de que o regime político de democracia de direito não supera as contradições do subdesenvolvimento; compreensão destas mesmas maiorias de que o sistema econômico é determinante para esta justiça social;

– a mesma compreensão de que não há possibilidade de desenvolvimento justo sem a autodeterminação do país.

Carecendo de uma definição contemporânea de desenvolvimento independente com justiça social, uma vez que o fim da Bipolaridade deixou esta hipótese em aberto e em descrédito, apontamos apenas um desenvolvimento com vocação produtiva, infra-estrutura e tecnologia próprias, havendo simultaneamente distribuição de renda, participação política em temas determinantes para o conjunto do país, liberdade de reunião e associação, fora dos marcos regulatórios internacionais (ex. FMI, BID, GATT) e com política externa não-alinhada com o atual mundo Unipolar (com os EUA como potência militar quase absoluta e hegemônica em termos políticos e econômicos). Os exemplos mais próximos sãos aos governos de Hugo Chávez, na Venezuela (iniciado em 1998-); Rafael Correa, no Equador (iniciado em 2006) e de Evo Morales, na Bolívia (iniciado em 2005). Afirmo isso reconhecendo que os mesmos governos estão em ampla disputa, interna e externa, e carecem dessa definição teórico-programática.

Retornando aos parâmetros da projeção de condições, levamos em conta alguns fatores positivos para tal: vontade política como uma pré-condição (normatividade, predição); oportunidade política como a condição a ser alcançada, incluindo às conjunturas que são imprevisíveis; e as opiniões negativas em relação às democracias realmente existentes, como a uma descrença e ausência de participação de parcelas significativas das classes trabalhadoras e oprimidas de um país latino-americano.

Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

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