28 de março de 2010, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha
A intenção desse texto é provocar uma reflexão – e inclusive esta pode tomar forma de indignação – a respeito das práticas políticas mais arraigadas na “esquerda” dedicada às políticas de massas (partidos eleitorais) e inferir seus efeitos nefastos para a esquerda social como vetor do povo organizado em movimento. Tomamos como exemplo, o fato gerador em linguagem de Paulo Freire, às denúncias pronunciadas pelo deputado federal Geraldo Magela (PT-DF), e a já conhecida nota oficial desse parlamentar sobre uso e abuso do poder econômico dentro das prévias de sua legenda na capital da república no ato da escolha do candidato ao governo distrital. Não quero com isso afirmar de maneira imediata que o mesmo tem razão no episódio pontual (indícios dizem que sim, não tenho provas contundentes), e sim entrar em debate teórico e construindo uma hipótese.
Esta hipótese é: a prática política de conduzir a uma massa de pessoas por interesses imediatos, mata a política de longo prazo e qualquer potencial estratégico ou transformador? A manipulação de massas opera como mecanismo de mobilização que reforça o tripé das misérias políticas no Brasil, sendo que este tripé é estruturado pelo clientelismo, o patrimonialismo e o fisiologismo (incluindo neste o nepotismo)?
A resposta é sim e sim, e a fundamento na seqüência.
Voltando ao tema, isso não implica afirmar que todas as formas de transporte de manifestantes sejam equivocadas, muito pelo contrário. Apenas reforço a idéia que, com maior ou menor compreensão, as pessoas devem saber minimamente dos porquês de estarem lutando. Do contrário, não significa que a luta foi muito ou pouco eficaz. Aliás, essa terminologia carrega um conceito essencialmente mercadológico. O problema é de outra ordem. A experiência política libertadora implica na transformação ideológica. Se a Idéia + o Logos carregando de significação para os que as recebem e transmitem não tiver um horizonte de câmbio, ou ao menos de luta reivindicativa, então estão mortas (se está por nascer, veio ao mundo já moribunda) as vontades de potência de transformação social. Nada estrutural pode ser atingido se a maioria em movimento agir sob maneira tutelada e no curtíssimo prazo.
Voltando às prévias do PT no DF, quando o ex-ministro dos Esportes de Lula e ex-afiliado ao PC do B ganhara a indicação para tentar pousar sobre a carcaça de José Roberto Arruda, tendo ao mui nobre e ilibado ex-senador Joaquim Roriz como concorrente direto, tomemos o episódio como algo ilustrativo. Entendo que o modelo de condução política através da manipulação particular de infra-estrutura em tese coletiva transcende o ocorrido e precisa ser debatido.
O difícil de ver e ainda mais a ser admitido pelo senso comum é saber que o utilitarismo reina e abunda. Isto se dá tanto no interior das legendas, como em sua relação com a coisa pública quando ocupando postos-chave ou administrando parcelas do poder estatal. Daí a abrir mão de qualquer forma de estratégia (= a luta de longo prazo com intenções finalistas), é um salto ínfimo. É por isso também e não apenas para formar maioria no Congresso o porquê de supostos adversários históricos, ajudarem a empurrar mesma roda de moinho, esmagando as sementes nativas (literalmente) e girando cada vez mais para a direita. Terminam por consolidar esta nova recomposição de camadas dirigentes com frações de classe num grande encontro materializado na mesma composição ministerial.
Se as práticas políticas são marcadas pelo habitus da cultura política e as bases da estratégia não existem sem a incorporação de métodos e rotinas, então não deixa de ser uma transferência de método, uma manipulação grosseira, oriunda do cabresto e manifesta na boiada. É uma ilusão supor que volume é igual a poder do povo em movimento. Volume de gente pode não significar muito porque, se não houver uma carga mínima de compreensão dos mobilizados, tudo não passa de um ritual epidérmico.
Toda escolha implica a não-escolha de outras partes da mesma decisão. O mesmo se dá quando agregamos uma carga valorativa a um fenômeno. Grita-se e com razão: “Àquela maioria que não passa de boiada tocada pelo berrante do chefete político!” Nesse sentido, os atos de tipo “boiada” acabam sendo vistos de forma desmerecida. E, se está desmoralizada a mobilização, está enterrada a idéia de esquerda como vetor social. Para reverter isso é preciso uma postura de inflexibilidade.
Dialogando por caminhos já antes percorridos
A compreensão das causas é a certeza da adesão voluntária. Está aberto o caminho para coletivos de irredutíveis, um tipo de afinidade para além dos discursos e proclamas. A ala esquerda da 1ª Internacional (federalista-coletivista) chamava isso de “círculo invisível”, cuja tradição política remonta às carbonárias, que por sua vez beberam na maçonaria liberal-radical francesa (em oposição aos maçons conservadores de linha inglesa-escocesa). O acionar de minorias de voluntários pode ser a força motor de uma liberação para a atividade política a tempo completo em conta gotas e a reeducação necessária para reinventar a luta de sentido coletivo.
Repito o que afirmei centenas de vezes. O horizonte ideológico é a perspectiva de câmbio, do contrário, reina o pragmatismo de pior tipo. Na ausência de meta própria, só se reage, ou pior, se compõe o calendário político já dado. A ausência de conteúdo programático não é exclusiva dos consórcios econômico-eleitorais, mas por desgraça das minorias ativas, terminam por ser vistos como basilares para a maioria de movimentos, sindicatos e o associativismo em geral.
A idéia de esquerda parlamentar como versão do partido de tipo burguês (intermediário composto por operadores políticos profissionais e de carreira) está moribunda e já não resta pouco ou nada de estratégico para ser disputado levando em conta apenas vias institucionais. É preciso um novo (antigo) processo de acumulação de forças, sendo que a permeabilidade do aparelho de Estado se dá mais no convencimento dos trabalhadores do serviço público do que na ocupação transitória de partes – grandes ou pequenas – dos poderes estatais.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)