Outubro de 2023, Bruno Beaklini (@blimarocha)
Existe um debate circulando pelas redes sociais e trazem uma dúvida pertinente. Afinal, por que as forças de inteligência do regime sionista não conseguiram prever o início da operação de tempestade em Al-Aqsa? Gostaria de fazer esse debate no presente artigo, considerando as limitações desta conversa virtual, afinal, não temos acesso aos relatórios reservados. Logo, a primeira constatação é essa.
É muito difícil estabelecer relações causais quando a maior parte das informações é classificada e está sob sigilo de Estado. Como analista eu nunca subestimo as capacidades da resistência e jamais super estimo o lado opressor. Surpreende sim que diante da mais absurda vigilância exercida por uma força militar sobre uma população inteira a entidade sionista não tenha se antecipado ao movimento da operação Dilúvio de Al-Aqsa. Mas é importante observarmos que a resistência palestina está sob cerco em Gaza há 17 anos e aprendeu a se movimentar de forma praticamente imperceptível. Parece que houve algum nível de aviso da inteligência egípcia, mas obviamente as elites dirigentes e alto comando militar da República Árabe do Egito após o vergonhoso acordo de Camp David é um fantoche dos EUA e não se trata de uma fonte confiável sequer para o aparelho militar do Apartheid Colonial na Palestina Ocupada.
Talvez a supresa do ataque pelas autoridades sionistas possa ter duas causas. Primeiro o fato de que a “normalidade da ocupação” após a campanha de maio de 2021 – Operação Espada de Al Quds – tenha sido o assassinato quase diário, a prisão incessante de jovens palestinos e a profanação de Al Aqsa e da Esplanada das Mesquitas. Ou seja, o regime sionista se habituou a aumentar os níveis de pressão contra o povo palestino enquanto se degladiavam em sua política interna. A certeza da impunidade e a difícil relação entre Netanyahu e Biden – até o início da resposta da resistência palestina liderada pelo Hamas – pode ter diminuido os níveis de atenção. Mas, a única certeza é de que a resistência em Gaza agiu com bastante presteza e surpreendeu o ocupante. Não podemos afirmar diante da ausência de documentação confiável, que os colonialistas permitiram acontecer para ter a resposta imediata e as chances reais de aumentar a intensidade do massacre e cconcretizarem uma nova Nakba. O que sim se sabe é que diante das reais capacidades da resistência palestina e da tirania do ocupante, a inclinação para um Estado policial (de vigilância) baixa a atenção para os temas militares e assusta o opressor ao menos em um primeiro momento.
Há futuro para o Estado Colonial do Apartheid Sionista? Qual a projeção possível para o Oriente Médio?
A falha revela a fraqueza interna e coloca a incerteza no horizonte dos opressores. Por isso que o futuro – no médio prazo – do regime sionista é uma incógnita maior do que a dimensão incomensurável do futuro próximo do povo palestino. O Estado sionista não está acostumado se ver contra a parede em termos de legitimidade internacional, e fora os países membros da OTAN, os países anglo saxões e as elites ocidentalizadas da América Latina, há muita indignação diante da “punição coletiva” aplicada contra a população palestina.
Diante da fratura interna das elites sionistas, sendo que sua sociedade civil é transnacionalizada e pode com certa facilidade se mudar do país inventado pelo Mandato Britânico, é possível que a maior parte dos israelenses se veja diante de uma situação única. Primeiro, que venham a abandonar o cinismo de que são uma democracia ilustrada, expulsem os dissidentes no médio prazo e afirmem um fascismo socialmente construído baseado no supremacismo religioso, racismo cultural e chauvinismo como espinha vertebral de sua política. Ou seja, que o verniz de “vanguarda cultural ocidental” fique em segundo plano diante da coesão social promovida pelo esforço de promover uma nova Nakba ao invés do assassinato diário de jovens e crianças palestinas sob ocupação.
O futuro do Oeste da Ásia, ou o Oriente Médio (a denominação mais empregada por cruzados) é ainda mais incerto. É evidente que os Estados Unidos estão tentando escalonar o conflito, usando da força provocativa de sua frota no Mediterrâneo e estabelecendo uma cadeia de suprimentos militares para o Estado Colonial. A situação beira o imponderável, pois está provado que a Causa Palestina jamais será esquecida pelo Mundo Árabe e tampouco pelo Mundo Islâmico.
Entendo que a forma explícita como a administração Biden se comportou é para se antecipar a uma luta em duas frentes, considerando as capacidades militares do Hezbollah e a campanha para libertar a Galileia que pode ser desenvolvida. O Hamas de sua parte, arriscou tudo – ou quase tudo – nesta operação, e pode estar diante de uma situação única. Ou a libertação da Palestina entra na agenda de todo o Mundo Árabe – novamente – ou não haverá normalização possível nem para os aliados.
Ou seja, não haverá desenvolvimento econômico na Síria (por exemplo), se o país seguir sendo bombardeado por Israel todo mês e isso com certeza as missões diplomáticas da Rússia e da China têm certeza. Uma semana após o início da Operação Dilúvio de Al-Aqsa a única certeza é que Tel Aviv quer aproveitar a situação para promover uma nova Nakba e unificar as responsabilidades em um gabinete conjunto, cujo líder da oposição é o carniceiro de Gaza em 2012 e 2014, Benny Gantz.
O sionismo só existe porque tem o apoio incondicional do Ocidente
Insisto com a ideia de que o regime sionista pode ter sua fortaleza no apoio do Ocidente, desenvolveu sua capacidade de promover controle populacional e tirania na região, mas não é e nem nunca foi invencível. Entendo que as falhas internas no aparelho de segurança do Estado colonial podem ser importantes, mas jamais podemos subestimar as condições de luta e resistência da Nação Árabe como um todo, dos povos do Oeste da Ásia e especificamente, das forças vivas da sociedade palestina. Portanto, a resistência da Palestina está viva e saberá superar mais esta catástrofe humanitária.
Já o Estado Colonial não se sabe como vai superar suas rivalidades internas quando passar o atual momento de ofensiva militar e guerra de propaganda. Pode ser, é uma hipótese válida, que a quebra parcial das lealdades internas na repressão sionista, diante das manobras da extrema direita que está no poder em Tel Aviv possa ter criado situações de falhas nos mecanismos internos. Ainda assim, o volume da operação palestina supera e muito qualquer falha do opressor. O paradoxo é esse no meu ponto de vista: o ocupante é cada vez mais “sincero” e as capacidades da resistência árabe e palestina estão cada vez mais desenvolvidas e dotadas de artilharia móvel terra-terra e terra-ar. Na ausência de apoio incondicional dos Estados Unidos, dificilmente o Apartheid Sionista sobreviveria.
Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio