22 de abril de 2010, da Vila Setembrina do espelho d’água da barra do Lago, Bruno Lima Rocha
Outra vez mais, a história do Brasil se repete, reforçando os elos entre os donos do poder, deixando em segundo plano os legítimos interesses na defesa de formas de vida tradicionais e do patrimônio da nação. No artigo demonstro uma zona de confluência entre os governos eleitos da democracia e os mandatários do regime anterior. Ao final da tarde de terça-feira, 20 de abril, o desembargador Jirair Aram Mereguian, presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, cassava a terceira liminar contra o leilão que licitava a execução das obras da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu. Dois consórcios disputavam o remate, ambos formados por um conjunto de empresas privadas e com grande participação de estatais do setor. No consórcio vencedor, chamado de Norte Energia, consta a Companhia Hidrelétrica do Rio São Francisco (CHESF), com 49,98% da composição. Já no derrotado, denominado de Consórcio Belo Monte Energia, estão Furnas e Eletrosul, com cada uma aportando 24,5% de participação. Nota-se o Estado brasileiro, através de seu governo central, operando de forma salomônica, investindo recursos e expertise. Ainda assim, “curiosamente”, o Grupo Bertin é tido como líder dos vencedores e a Andrade Gutierrez aparece como liderando os derrotados. Resultado. Pode vir outra barragem, financiada com dinheiro público e trazendo mais desastres ambientais, migrações em massa e doenças endêmicas.
Acredito que o país nunca chegou a discutir a fundo o uso dos recursos naturais não-renováveis e em especial os hídricos. Infelizmente, tenho de me referir aos mega-projetos como sinônimos da eletrificação, incluindo a atual batalha de milhares de brasileiros contra a hidrelétrica cruelmente chamada de Belo Monte. Conversando com um funcionário de carreira do setor, este me confidenciou que pelos critérios atuais, o Brasil não poderia construir grandes represas no período desenvolvimentista, antes e durante a ditadura militar (1964-1985). Se naquela época fossem levados em conta os direitos das populações ribeirinhas, dos micro e pequenos proprietários atingidos por barragens, dos povos originais (indígenas), isto sem falar na correspondente legislação ambiental que exige um rigoroso relatório de impacto das obras, os donos do poder teriam duas escolhas.
Uma escolha, fora de cogitação para o regime da caserna, seria a não urbanização precoce e a não industrialização tardia. A outra implicaria, antes que nada, uma definição política dos conceitos fundamentais para um modelo de desenvolvimento sustentável. A conseqüência disso seria um amplo investimento na pesquisa de energias renováveis e a prioridade de alguns fatores como: a durabilidade dos cursos de água, fontes e mananciais; a aplicação racional da irrigação; fortalecer a agricultura voltada para a produção de alimentos e regionalizada; a preservação das formas de vida tradicionais (como ribeirinhos, extrativistas, indígenas, posseiros e quilombolas); a compreensão dos recursos naturais e da biodiversidade como patrimônio nacional e por tanto como elemento permanente de defesa soberana.
Obviamente que nada disso ocorreu e população tradicional alguma foi ou é levada em conta quando se trata de mega-empreendimentos, todos eles devidamente subsidiados com dinheiro fruto dos impostos sob controle do governo central. Assim o foi durante a ditadura militar e segue sendo no ano em que vamos às urnas para decidir o recâmbio do presidente. A sina da Transamazônica continua e, infelizmente, não se trata de nenhuma novidade.
Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat