Organizar a luta popular associando-a ao sentido de retomada de destino comum é passo fundamental para a radicalidade da democracia de tipo direto e participativo.  - Foto:ecodiario.eleconomista
Organizar a luta popular associando-a ao sentido de retomada de destino comum é passo fundamental para a radicalidade da democracia de tipo direto e participativo.
Foto:ecodiario.eleconomista

22 de abril de 2010, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha

Retomamos aqui os artigos da Radicalização Democrática e um necessário modelo de organização política para dar conta desta estratégia permanente. Com o presente trabalho, encerramos esta série de cinco textos onde a proposição política ganha uma linguagem que atende ao rigor acadêmico exigido pelos rituais do campo.

Em função da finalidade didática do trabalho, reescrevo as condições estruturais necessárias para uma possível alteração da ordem do jogo, no sentido de evitar a acumulação de poder e referência apenas pelos intermediários profissionais. Estas condições seriam:

– A compreensão das maiorias de que o regime político de democracia representativa (indireta) não supera as amarras do subdesenvolvimento; e, num somatório, a compreensão destas mesmas maiorias de que o modelo de expansão econômica é determinante para a falta ou a existência da justiça social;

– A mesma compreensão de que não há possibilidade de desenvolvimento sustentável e distributivo sem a autodeterminação soberana do país.

Na soma destes fatores, estariam dadas as condições mínimas necessárias para uma etapa de ofensiva deste partido de quadros, desde que garantindo o protagonismo das associações de massa e os níveis de democracia interno necessários para o embrião de radicalização democrática.

Para realizar esta ofensiva, outros dois elementos são minimamente necessários.

O primeiro elemento não diz respeito aos agentes políticos com motivação ideológica. Estes são o conjunto de partidos e organizações que confluam para a opção de avanço rumo a uma nova condição de exercício da política de forma direta. Mas, este elemento se relaciona com a noção de que estas mesmas maiorias tenham a compreensão de que devem protagonizar este processo de descrença institucional e acumulação. Conceitualmente, isto se denomina protagonismo popular. Uma vez que o modelo desenvolve a hipótese de minoria de voluntários polifuncionais (partido de quadros como agentes políticos organizados e propulsores e não controladores do processo), o canal de participação por excelência destas maiorias seriam os movimentos populares por categoria, sujeito social ou programa.

Isto significa que estes movimentos populares têm de ter um programa de longo prazo e reivindicações estruturais que minimamente confluam para um programa popular generalizado. Exemplos de bandeiras comuns hoje poderiam ser: reforma agrária, reforma urbana, aumento do salário mínimo, direito a informação-comunicação e cultura, política de preços subsidiados ou isenção de impostos ou distribuição subsidiada para gêneros de primeira necessidade (carestia). Esta confluência é pré-condição para afirmar o tema do longo prazo. Caso sejam programas fragmentados, o protagonismo da ação coletiva se deteriora em função de ações com motivação setorial, quebra da unidade e atirando uns setores a disputar a base de pouca distribuição contra os outros.

Já o segundo elemento tem relação com a linguagem e ferramenta de intervenção utilizada neste processo. Como se trata de um objetivo estratégico de ruptura com o modelo formal, apontando para a ação política na busca de nova institucionalidade, os conflitos de classe, de distribuição de renda e poder decisório real, têm de ser percebidas pelas maiorias da população de um país. Simultaneamente, para não prevalecer uma dinâmica de reforma gradual e “possibilista”, que automaticamente reforçaria as medidas de curto prazo, este tem de ser um processo com caráter de confronto. Empregar uma linguagem política de conflito enquanto reivindicação e não de colaboração para um “bem-comum”, de tipo equilíbrio generalizado.

Isto porque o suposto “bem-comum” teria abrangência universal, portanto, não está levando em conta as contradições apontadas. Além da razão de análise, é necessário um esforço didático de expor as correlações de força como inerentes das relações políticas, aumentando a própria correlação de força do setor popular. Ao mesmo tempo esta correlação deve ir se manifestando de forma sistemática e crescente, de acordo com a capacidade de compreensão e reconhecimento por parte das maiorias.

Em termos materiais isto significa o emprego de algum nível de confrontação e conflito, sempre de acordo com o grau de motivação, convencimento e confronto inerente dos movimentos populares organizados. Tal motivação implica que seu conjunto compreenda majoritariamente o tipo de contestação popular através da ação direta desenvolvida. Também é necessário o desenvolvimento da própria capacidade de resposta das novas instituições políticas. Isto porque, a contra-resposta, a reação, é óbvia e previsível. Nesse sentido, o estatuto da chamada solidariedade orgânica deve ser constituído com a maior capilaridade e antecipação possível.

Por fim, para além destes dois elementos e das pré-condições acima, a acumulação de fatores positivos e de motivação política deve co-existir e se manter em conjunturas de crise econômica e de legitimidade do regime vigente, suportando as contra medidas das instituições oficiais, incluindo aí os intentos mais que presentes de criminalização do protesto social e da contestação política.

Em termos clássicos, o conjunto de partidos com intenção de ruptura, e a partir destes derivar sua incidência nos movimentos populares envolvidos neste processo, deve estar convencido e com capacidade de convencimento de que os benefícios de realização de seu projeto e programa político superam os custos de criminalização jurídica-policial e vigilância das empresas líderes do oligopólio da mídia, medidas estas que são de uso sistemático do regime. Havendo este grau de desenvolvimento, uma hipótese estratégica é uma “inversão do foquismo”, apontando para uma política de acumulação e protesto pela via da contestação social através de participação massiva e organizada.

A hipótese que aqui estamos apontando é para a seguinte hipótese genérica:
Crise Econômica – Crise de Representação Política – Impasse Político – Impasse Social e a conseqüente escalada de reivindicação e a convocação de organismos permanentes do tipo Congresso do Povo.

Neste último momento ainda se encontraria hegemônica pelas grandes coalizões políticas, a das elites operadoras do próprio sistema político, das elites da burocracia do Estado e que são operadoras do Direito, das associações e redes de classe dominante e dos altos mandos castrenses. Justo neste momento é quando podem se conformar cenários múltiplos, que deixam a hipótese de vitória ou derrota em aberto[1].

No caso latino-americano seriam passíveis de hipótese:

– quebras de unidade e hierarquia no interior das forças repressivas;

– intervenções militares dos Estados Unidos (de forma direta ou indireta);

– isolamento dos países limítrofes, dependendo do tamanho e poderio dos Estados em conflito interno, até mesmo a intervenção de vizinhos sob supervisão dos EUA;

– criação de regimes de fato ainda que sob “guarda-chuva institucional”, como foi o governo Fujimori no Peru, 1992-2000;

– crise econômica de graves proporções, com circulação de várias moedas e aplicação de sistemas de trocas múltiplos;

– estabelecimento de territórios de não-controle e/ou de duplo poder sob controles variados (incluindo aí o crime de quadrilhas metropolitanas coordenadas, como hoje ocorre em favelas do Rio de Janeiro).

Apontando conclusões: a separação de níveis de luta e o compromisso voluntário

Vale destacar que nenhuma dessas hipóteses de cenário narrados acima assegura vitória certa. Mas, assegura apenas uma crise de regime e governabilidade em sentido amplo, o que pode levar a uma maior autonomia de ação e hegemonia do modelo de partido que abordamos, desde que exista o protagonismo dos movimentos populares correspondentes a esta hegemonia não-autoritária. Esta parte do trabalho aponta então para cenários e condições apropriadas para o desenvolvimento de instituições políticas integrativas. Estas são conformadas por associados voluntários (ou seja, também o são associações políticas voluntárias) e que equivalem o nível político de um conflito com proporções sociais ampliadas. O nível político-social e social, neste modelo, também é composto por associações voluntárias, mas de caráter aberto e de massas.

Se os movimentos populares apontassem um modelo de acumulação de forças distintos do reboquismo aos partidos de intermediação, com certeza aumentariam os conflitos sociais, mas, como contra partida, as expressões das parcelas de povo organizado seriam mais contundentes e haveria um horizonte de câmbio. Para tanto, é necessário rediscutir os modelos de organização política (partidos de minoria) e combater a concepção de carreira profissional para esta função.

Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

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