Coluna Estratégia & Análise para a esquerda brasileira
agosto de 2024Bruno Lima Rocha
A eleição geral na Venezuela, no domingo 28 de julho, revela um problema de fundo, um tema teórico que na aplicação prática se transforma em desafio de caráter histórico. Me recordo que em janeiro de 2009, estava a convite em programa de debates ao vivo na potente rádio comunitária El Son del 23, na histórica comunidade de 23 de enero em Caracas e fiz duas perguntas meio que desconcertantes.
A primeira foi: “e se em algum momento a direita voltar ao poder pela via da institucionalidade burguesa”? De pronto todos responderam. ISSO NÃO PODEMOS PERMITIR. E de fato não se pode permitir o retorno dos vendilhões do país ao poder central. A segunda pergunta foi: “E quando Chávez for embora, como será a sucessão?” Na época Nicolás Maduro Moros era mais um dos ministros, com alguma trajetória popular e boa presença como chanceler, mas longe de ter o reconhecimento da primeira geração do antigo MVR (Movimento 5a República, na época heroica da Maré Vermelha, Marea Roja). Bem, a resposta dos presentes foi meio evasiva. “É, isso temos que ver”. E logo na sequência, um certo adesismo a toda prova: “mas temos confiança na sabedoria do comandante em escolher seu sucessor?”. Parei o debate para não parecer desagradável e nos dedicamos com afinco a xingar os entreguistas, golpistas, vendidos, agentes da CIA, gusanos e lacraias.
Estamos agora em 2024 e o Continente latino-americano viu suas oligarquias entreguistas serem transformadas em agitadoras de extrema direita, neofascistas e sem pudor algum. Ao contrário de momentos anteriores, agora estão diretamente conectadas a bilionários manipuladoras – como Elon Musk – e contam sempre com contatos profundos no “deep state” (perdão pela redundância) dos EUA. Ou seja, o fascismo deixa de ser um tema de livro e documentário e passa a ser o inimigo a ser derrotado nas ruas antes que nas urnas. O próprio Edmundo González o candidato fantoche da Plataforma Unitaria e manipulado pela agente de inteligência María Corina Machado, é egresso da Operação Centauro, a pata centro-americana da Operação Condor na década, na política de terra arrasada de Reagan e Bush Pai para El Salvador, Guatemala e Nicarágua. Enfim, que democracia é essa onde dois agentes externos concorrem à Presidência de um país soberano, não assinam o documento de respeito ao resultado e depois decretam fraude?
Quanto ao apoio ao processo bolivariano, até aí tudo bem. O problema não é lutar contra a extrema direita, é ver uma formação institucional que dê conta de um processo de câmbio? Ou não tem transformação sociopolítica alguma na Venezuela e a meta é aguentar na soberania e manter um crescimento dentro do marco capitalista periférico? Se for tudo bem, mas como insisto em repetir e dizer de novo: não é um projeto socialista e não será. Chegou a ter uma chance de desenvolvimento quando Chávez em vida (e de novo caímos no debate da necessária presença de liderança carismática) promovia mesas político-técnicas, comunidades no comando da política (CAM na sigla em espanhol), havia centenas de emissoras de rádios comunitárias, um mosaico de cinco partidos políticos bolivarianos e à esquerda do PSUV e mesmo os coletivos como dispositivo de defesa popular.
Com todo o contexto externo desfavorável, apesar da era das guarimbas (a violência da direita entre 2013 e 2019) nada justifica a repressão do governo Maduro contra o movimento sindical, indígena, camponês, ecológico (anti-mineração) e aos partidos de esquerda (mesmo os que não se alinham com a oposição oligárquica). Ou seja, são temas diferentes. É preciso defender uma posição antiimperialista, fazer a crítica por esquerda ao governo Maduro e jamais permitir o retorno de operadores da CIA para roubarem as riquezas venezuelanas.
Considerando que são informações públicas, porque tanta celeuma em relação às eleições venezuelanas no país. Uma hipótese é a seguinte: o consenso hegemônico no progressismo brasileiro (e na maior parte da América Latina) é um conjunto de políticas econômicas de desenvolvimento (com inspiração social-democrata) e como sistema político, a democracia liberal. Uma parcela das posições que nos seus países “defendem o bom funcionamento das instituições”, ardorosamente admitem que o jogo institucional é tático e o que vale é o exercício do poder, trocando alguma utopia socialista por soberania nacional e capacidade de autodeterminação.
Diante de tudo isso, este artigo encerra, tomando como pano de fundo o debate quanto às eleições na Venezuela. QUAL É, QUAIS SÃO, O OU OS PROJETOS SOCIALISTAS REALMENTE EXISTENTES PARA A AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XXI?
O debate vai seguir nos próximos textos.