30 de abril de 2010, da Vila Setembrina de lanceiros traídos em Porongos, Bruno Lima Rocha
Na noite dessa última 5ª feira, 29 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrota a ação promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pedindo a revisão da Lei de Anistia Ampla, Geral e Irrestrita aprovada em 1979, já no governo de Figueiredo (1979-1985). Foram sete votos a dois, além de duas abstenções, a de Joaquim Barbosa (em função de problemas de saúde) e de Dias Toffoli, o ministro indicado pelo governo de Luiz Inácio e José Dirceu. Votaram a favor da revisão da regra apenas os ministros Ricardo Lewandowsky e Ayres Britto. No rolo compressor pela manutenção da atual interpretação manifestaram-se Carmen Lúcia, Marco Aurélio Melo, Celso de Mello, Cezar Peluso, além dos impagáveis votos de Ellen Gracie e do ex-todo poderoso Gilmar Mendes. A alegação de fundo é a estabilidade política assegurada com o perdão aos torturadores, desaparecedores, violadores e autores de todos os tipos de crimes de lesa-humanidade que a “invencionice” dos carrascos brasileiros pode inventar.
Com sinceridade, analiso como louvável a ação movida pela OAB, mas não esperava outra coisa. É inimaginável a ação do corpo jurídico da Suprema Corte brasileira como um operador de JUSTIÇA. O voto de Ellen Gracie fala de por si. A gaúcha entendeu que a Anistia foi importante para o esquecimento e perdão como forma de colaborar com a democracia hoje existente no país! Como se fosse perdoável o crime de Estado em nome de não sei o que? Como se não houvesse continuidade, mesmo na democracia, dos operadores civis do regime que era de fato cívico-militar? Como se governar por centro-direita (como o faz o ex-sindicalista), ainda que em nome da “esquerda”, não tivesse como imperativo a participação de Arenistas de todas as cores e sabores? Repudiar a Anistia para crimes que não prescrevem é manifestar o repúdio ao cinismo estruturante das relações de prebendas e clientelas do Brasil.
O Supremo presidente, Gilmar Mendes, o mesmo que dera habeas corpus para Daniel Dantas por duas vezes consecutivas, louvou os que pelearam pela democracia de forma pacífica e desarmada. Desse modo igualmente cínico, o homem de confiança de Fernando Collor de Mello repete a balela da teoria dos “dois demônios”. Trata-se de um discurso sinistro afirmando serem guerrilheiros e torturadores duas faces da mesma moeda da exceção e radicalismo. Tamanho absurdo conceitual era a norma da Justiça da Argentina e Uruguai até estes mesmos países se encontrarem com nova correlação de forças. Como já disse em mais de uma dezena de textos, este é o tipo de conquista que não sai de graça, tem de ser arrancada nas ruas até consolidar socialmente. Conforme o esperado, nada disso no Brasil ocorreu. Não se foi para as ruas, o governo central brincou com a inteligência coletiva jogando de forma salomônica, e o STF ficou muito confortável para posar de paladino da estabilidade ainda que sob o manto da injustiça.
Para manter a balela de governo em disputa, os jornalões repetiram a dose dizendo que a Advocacia Geral da União (AGU), ministérios como a Defesa e a Justiça se pronunciaram rápido, sempre estando em contra a revisão da interpretação da regra da Anistia. A mesma mídia que apoiara o golpe afirma estar o ministério da Justiça e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos em contra. Não se questiona esse levantamento, mas sim a relevância dessa apuração. O governo como um todo fez pouco ou nada pela matéria. Agora sua Suprema Corte sepulta de vez a luta por Memória e Justiça no Brasil contemporâneo. Que seja aprendida a lição. Para quebrar um acórdão dessa envergadura, somente a força dos setores de movimento popular em avançada. Sociedade alguma pode rever seu passado nefasto ou seu presente de injustiça apenas com votos togados.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)