Dunga e Jorginho dirigem a seleção com o voto de confiança dos donos do poder à frente do consórcio comandado pelo ex-genro de João Havelange.     - Foto:esportesite
Dunga e Jorginho dirigem a seleção com o voto de confiança dos donos do poder à frente do consórcio comandado pelo ex-genro de João Havelange.
Foto:esportesite

14 de junho de 2010, do Vale do Rio dos Sinos, Bruno Lima Rocha

Escrevo estas palavras agora, restando ainda mais de um dia para a estréia da seleção brasileira da Copa da África do Sul, justo para não ser acusado de pegar carona no resultado do jogo contra a Coréia do Norte. Confesso que já vi muita estupidez vinculada a uma noção ideológica difusa relacionada com a idéia-guia de superação individual e dedicação coletiva na ultrapassagem de obstáculos na vida. Como milhões de brasileiros, assisti a algumas coletivas onde o volante ex-colorado dividia a mesa com o ex-lateral do América e o time do bairro do Flamengo e treina na Gávea embora seja no Leblon. Além da lenga-lenga de sempre, chamou-me a atenção o exagero nas idéias pouco sofisticadas de sucesso e vitória. Nada melhor do que o esporte de alto rendimento para exemplificar a eterna redundância do sucesso e da glória como meta análoga das vidas em sociedades de competição e não de cooperação. O grau de convicção de Dunga, Jorginho e Cia. excedem a conversinha demencial do “professor confia no meu trabalho” e “vamos dar o máximo para atingir o resultado”. Ali havia (e há mais), e eis que a fonte de tanta sabedoria veio à tona no Fantástico “show” da vida.

Na revista eletrônica semanal da TV pertencente à família Marinho, exibida no domingo 13 de junho, confesso que me surpreendi. Dei de cara com uma enorme matéria de tipo publicitária cujo protagonista era um psiquiatra, Augusto Jorge Cury. Como ignorante na baboseira de auto-ajuda das pessoas ou gerências, nunca antes ouvi falar desta estrela da abobrinha. O foco do enredo noticioso, óbvio, é mais e mais auto-ajuda. Dessa vez, não passa por para-ciências, mas sim pela boa e velha psiquiatria. Ao menos reconheço não ser matéria paga – é na vendagem do corpo de idéias apenas que localizo a quebra da hoje já inexistente fronteira entre publicidade, propaganda e “jornalismo” – mas a típica construção narrativa onde se “revela” a intimidade profunda das celebridades de momento. Com certeza o “Dr.” Cury vai vender (ainda mais) curso como coco gelado na praia na hora do sol a pino. Isto se a seleção brasileira, comandada por um homem de confiança do ex-investidor da Bolsa de Valores, Ricardo Teixeira (sua majestade há mais de duas décadas à frente da entidade privada CBF), não resultar em rotundo fracasso. Sinceramente, espero que não, e pelo visto o médico psiquiatra vendedor de palestra de auto-ajuda também acendeu suas velas e fez suas rezas pela vitória da canarinho nas quatro linhas do país onde outrora reinara o Apertheid institucional.

Os vínculos e possíveis temores de Cury se justificariam plenamente. O gaúcho de Ijuí, Carlos Caetano Bledorn Verri, que atende pelo apelido de Dunga, teve uma inconfidência “revelada” em rede nacional, indo além fronteira através do sinal para todo o planeta via TV por satélite. Na “reportagem”, Dunga foi flagrado conversando com o psiquiatra, sendo que Cury afirmou ter sido procurado pela comissão técnica. Na tendência da auto-ajuda ampla, geral e irrestrita, o técnico retranqueiro que “fechou o grupo” ao seu redor, conversa com o médico “autoajudista” e por ele é elogiado. Tudo por desinteresse é óbvio. A matéria intimista, foca na conversa da repórter com passado de âncora na concorrente e vocação de musa proseando com ares de seriedade, desenvolvendo o roteiro pré-traçado ao redor do indivíduo que fizera o juramento de Hipócrates e resolvera tornar-se milionário vendendo livros inócuos no país da demagogia midiático-futeboleira e ainda marcado por analfabetismo funcional e letramento precário. Pena que por aqui, quem vende livro não merece ser lido e quem comanda o futebol desmerece a escola criada entre várzeas, peladas e rachões. Parece o manual do perfeito idiota neoliberal latino-americano. Ele odeia ao seu entorno por detestar a si mesmo, ou aquilo que era. Deste ódio torna-se algo mutante, e que nunca chegará a ser na plenitude. Eis o solene momento quando se encontra retranqueiro e conselheiro, mestre do psicologismo de orelha de livro de revistaria.

É até provável que ganhemos o hexa, ou ao menos reconheço termos grandes chances. Mas, a que preço? Aturar a baboseira ao estilo do Festival de Besteira que Assola o País Stanislaw Pontepretano proliferadas as palavras que mais se parecem com anúncio de calçado esportivo ou então da AmBev já é sofrimento em demasia e desnecessário. Pior será agüentar a vitória do time do seu Teixeira, baseado nos ensinamentos de uma psiquiatra de auto-ajuda e servindo como conforto psicológico para um chapa-branca retranqueiro. Nestas horas de Copa do Mundo e rotunda estupidez televisiva, vale sempre lembrar a Parreira de Uvas Azedas que a murrinha ruminou em 1994:

– “O gol é um mero detalhe!”

Qualquer semelhança com a genialidade do Dr. Cury para vender placebo de conforto de auto-ajuda futeboleira não é nem nunca será mera coincidência.

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