21 de julho de 2010, da Vila Setembrina do Continente de São Sepé, Bruno Lima Rocha,
Apresentação:
Nesta semana, concluímos esta série de difusão científica da análise estratégica em seu sentido pleno trabalhando a partir da incidência política. Vale comentar que este texto é mais um guia, um extrato de pensamento aplicável, derivado de múltiplas origens (algumas bem singelas, e por isso mesmo, práticas), mas todas elas atravessadas pela Matriz Libertária de Pensamento e em particular por sua leitura Estruturalista. É preciso ler com lupa e agir com pinça. A intenção desta base de argumentos não é a esgrima das palavras (embora ninguém deva se furtar da boa polêmica), e sim a intenção didático-pedagógica do treinamento na política por fora e em contra das estruturas de poder dominante. Mesmo que para os críticos pareça algo fora de propósito, é justo nos momentos de breu e cinza que deve ser buscada a saída para as formas de poder do povo organizado. Do contrário, a política fica resumida a uma corrida de cavalos e o poder é apenas uma forma de realizar em parte se corrompendo no todo. Não creio nisso e não pertenço a um coletivo que assim o crê. Vamos então ao estudo e ao debate, porque a incidência não pode esperar.
Os conceitos básicos de tempos e movimentos. Um mapa conceitual
Segue abaixo um pequeno esquema para melhor compreensão de conceitos-tempos e movimentos. Reconheço que poderia ir além, mas este mapa conceitual busca necessariamente a concisão. Vale ressaltar que são definições de tipo glossário, curtas e diretas. Assumo a estratégia a partir de uma visão de Carl Von Clausewitz e, por conseqüência, no acordo técnico com a definição de Golbery do Couto e Silva. Assumo também que a estratégia, se e quando aplicada ao nível da sociedade, é o estudo dos conflitos sociais:
Estratégia– ciência do conflito, de choques de interesses de uma disputa/choque que pode se desenvolver em todos os níveis.
Interação estratégica – parte-se do princípio que não há vontade política, ou vontade do agente unilateral pura e simples. Isto se dá quando dois ou mais agentes tem algum grau de equivalência e equiparação de forças
Escala de importância e equivalência da análise –
O Objetivo sendo Finalista, sendo por tanto, inflexível.
O objetivo subordina o método / Estratégia Permanente, inflexível, equivale a atividade-fim, condicionada pelo Objetivo Finalista.
O método restringe as variáveis utilizáveis / Estratégia de Tempo Restrito, inflexível por um determinado período de tempo = atividade-fim por um prazo estipulado.
As variáveis utilizáveis são contingenciadas por fatores de interação / Variáveis táticas, flexíveis por um período de tempo ainda mais curto
Fatores de interação implicam em outras variáveis / Manobras (táticas), flexíveis e aplicadas no curtíssimo prazo.
Falando em termos operacionais, o objetivo define o que é estratégico. A estratégia, por sua vez, define as variáveis táticas possíveis. Em conceitos militares clássicos, o objetivo aporta os marcos de doutrina que geram as opções de emprego. Em sentido genérico, o objetivo subordina o método (e seus conceitos/ferramentas tidas como válidas), que por sua vez subordina todas as formas de discurso (público ou velado) e de execução de suas políticas (intenções transformadas em ações concretas).
Exemplo na origem militar da escala de relevância:
Objetivos — Doutrina — Emprego
Exemplo geral (e aplicado na política não eleitoral) :
Objetivos — Método — Variáveis das Aplicações
Ex de Teoria Política básica:
Ideologia (princípios e aspirações) — Doutrina (orientações básicas) —
— Teoria (prática teórica; só existe quando as hipóteses são aplicadas nas sociedades concretas e, por conseqüência, nas distintas percepções do real)
No afirmar de um objetivo permanente, está sempre presente a influência ideológica (nível ideológico). É a partir desta influência que nos níveis social, político, econômico e jurídico se manifesta as premissas (isto é, as bases prévias) características destes planos de ação. Ao contrário do que muitas vezes possa parecer, no nível militar estatal não há "profissionalismo sem ideologia patriota", sem convencimento da força beligerante de um modo de vida pelo qual se luta. Se isto não se manifesta na tropa rasa, os Alto-Comandos com certeza disto estão convencidos.
A idéia de processo e a acumulação de forças necessária para a radicalização democrática
Ressaltamos assim a idéia de processo e não de episódio. O processo social é permanente e sistêmico, e é a partir dele que operam as distintas forças antagônicas de uma sociedade. Os marcos visíveis ou discretos do conflito são manifestos dentro do processo o qual o mesmo está inserido.
Partindo desta idéia de processo de longo prazo, temos as mesmas perguntas e hipóteses que as instituições hegemônicas fazem. Tomamos como premissa que o processo de câmbio social que queremos e compreendemos como o único válido tem o movimento popular (o povo organizado por interesse, programa e defesa) como protagonista.
Cabem por tanto os seguintes questionamentos:
– Quais são as categorias de trabalhadores essenciais de serem organizadas? Quais já estão organizadas?
– Quais têm experiência histórica recente de luta e quais sequer tem esta experiência?
– Destas categorias ainda por vir a serem organizadas, quais estão sob hegemonia de qual central sindical ou setor de movimento e quais não?
É óbvio que estas e as demais perguntas não se esgotam por si só. São uma orientação das questões necessárias de serem respondidas e o quanto antes. O mesmo tipo de pergunta tem de ser feita em relação aos chamados setores sociais, não organizados necessariamente como categoria de trabalhadores. Partindo de algumas observações práticas, podemos ver as respostas válidas.
As questões acima são apenas um recorte do tipo de pergunta a ser respondida. Uma vez alimentados das informações e da vivência real (no terreno social que se quer incidir para organizar), podemos passar ao segundo momento, o de iniciar o desenho de uma hipótese de longo prazo. Iniciamos por aquilo que vemos como necessidade já constituída, que podem ser consideradas também como premissas.
No que diz respeito da organização para a luta, estas são as premissas revisitadas:
É necessário um conjunto de agentes organizadores, que tenham interesses irreconciliáveis com a sociedade de classes e de exclusão. A isto se denomina organização política finalista. Portanto, sem organização política com a intenção de construir um processo de câmbio (uma ou mais) não há possibilidade alguma.
Só há processo de Radicalização Democrática, permitindo a possibilidade de um câmbio social profundo através de acumulação de forças (Poder Popular) de longo prazo com o povo organizado. É fundamental o protagonismo das distintas representações dos sujeitos sociais que podem vir a conformar uma frente de classes oprimidas. Assim, sem movimento popular em condições de combatividade nos seis níveis de incidência tampouco há possibilidade de processo e acumulação. As organizações políticas realmente comprometidas com a democracia direta, com a distribuição de recursos sócio-econômicos e a socialização do poder, têm de impulsionar as lutas do povo, superando suas necessidades imediatas e apontando para outra forma de vida.
Apontando um modelo conclusivo para a superação da atual etapa de luta popular na defensiva e pautada pelo imediatismo pragmático
Estas e outras informações são essenciais para compormos uma hipótese de processo de longo prazo, onde a acumulação de forças se dê através da massificação organziada, conformando uma estrutura de poder do povo, tal como o exemplo de Oaxaca, México, com o estabelecimento da Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), operando como guarda-chuva de representação e instância executiva máxima do movimento popular daquele estado mexicano. Uma vez que se organizem estruturas semelhantes na maioria dos estados brasileiros, aí sim já teríamos uma democracia popular em gestação a outro nível e outra escala de luta reivindicativa contra os poderes dominantes e os partidos compostos por políticos profissionais, defensores da democracia de tipo indireta.
Democracia não é nem pode ser apenas decidir quem irá decidir pela maioria. Democracia tem de ser o exercício do autogoverno das maiorias organizadas a partir de critérios sociais de igualdade sócio-econômica, solidariedade humanista e ecológica e da plena liberdade de direitos e garantias.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)